terça-feira, 14 de agosto de 2012

Quando o Sol Nascer

Por mais que eu queira ficar longe de você, o meu coração teima em deixar a emoção tomar conta. Em todos os momentos procuro pensar que estou viajando para um lugar bem distante, mostrar que os meus sentimentos já não são os mesmos, mudaram totalmente. Lutamos para encontrar uma brecha nas nossas vidas, mas não foi possível. A boemia venceu. Não posso ficar longe dos bares e você sempre soube disso. Na primeira vez que saímos, falei sobre o meu desejo de ser amante das madrugadas. E você, dos ideais revolucionários que permeia a consciência. Também sempre concordei com as suas loucuras humanitárias. Nunca neguei esse lado que tanto amo. Está no sangue a imensa vontade de morrer ao lado da boemia. E você, morrer numa revolução defendendo os oprimidos. Irei apanhar da solidão e serei prisioneiro da saudade. Tenho certeza que vou sentir a tua falta, principalmente nos sábados à noite, ou nas madrugadas de domingo. É a segunda carta que tento escrever a ela. Talvez nem precise, o silêncio irá dizer o que estou pensando. Os anos estão passando, e amanhã mais um dia fará parte do tempo que estou longe dela. Tenho muita vontade de bater à porta da sua casa e dizer que erramos ao nos separar. Deveríamos esperar mais e dar uma nova chance ao destino. Penso e repenso sobre o que aconteceu. Entro nos bares onde batíamos o ponto nas noites frias de inverno, mas só encontro névoas do passado. Uma leve poeira ainda separa as mesas do bar, demonstrando que o local ainda é frequentado por boêmios. Enquanto viajo pelo caminho do passado, o meu celular toca: - Boa noite! Era uma voz feminina e conhecida. Procurei na memória de longa duração e a resposta veio imediatamente. - Boa noite. Quanto tempo que não ouço o teu “boa noite!” - Eu sei. Eu também jamais pensei que um dia iria ouvir esse som que tanto me fez feliz em momentos de grande leveza amorosa. - Maria, minha menina das longas noites, agora mesmo estava tentando escrever uma carta para você. Não estava conseguindo. Já tentei várias vezes. - Pedro, eu mandei três cartas para você, mas o correio as devolveu. O endereço não fechava. - Eu não moro mais no local que você me visitava. A única coisa que não mudou foi o número do meu celular. - Mesmo que você tenha escrito a carta, o meu endereço também mudou. Aliás, a minha vida mudou radicalmente. Você nem imagina o que aconteceu depois do nosso último encontro. - É mesmo? Fale um pouco desses acontecimentos. Gosto de ouvir você. A tua voz vai acalmar a saudade que sinto. - Pedro, escute bem o que vou dizer: você lembra sobre as minhas ideias de esquerda e de lutar em favor dos povos oprimidos? Na medida em que Maria ia conversando, o meu pensamento retrocedeu. Maria, além de ser uma bela mulher, sempre foi muito inteligente e determinada. Falava coisas que não correspondiam com a realidade, era muito idealista. - Eu sempre amei você. Foi é o único homem que o meu coração acelera muito. Como não foi possível vivermos juntos, procurei o meu destino. Inscrevi-me numa organização para libertação dos povos africanos, que luta contra a opressão capitalista. Participei de várias batalhas, libertando vários presos políticos. Em meio a grandes escaramuças, o meu pensamento era sempre em você e nas nossas noites de boemia. Até que um dia fui presa e barbaramente torturada. - Minha Maria, parece que você não gosta da vida! - Gosto sim, meu Pedro. Gosto tanto que sempre procurei lutar para mudar a vida de muita gente. - Você foi libertada, pois está falando comigo... - Não, eu não estou libertada. Fui condenada à morte por fuzilamento. Como todo condenado tem direito a um último pedido, pedi para ligar para você. Estou falando da minha cela, numa cidade do interior de Uganda. Amanhã, ao nascer do sol serei levada a um paredão para ser fuzilada. Estou feliz porque serei morta por ter lutado pela liberdade e igualdade entre os povos. Não posso negar, tenho muita saudade do Brasil, principalmente da minha cidade, lá no interior de Santa Catarina, a pequena Seara. A saudade das pessoas que amo é que está me dando forças para suportar os momentos que se aproximam da minha morte. É claro que vou morrer pensando no homem da minha vida. Também sei que estou sacrificando a questão amorosa por uma boa causa. - Maria, por que você fez isso? Os dez anos que passamos na boemia, bebendo e escrevendo poesias, foram os mais importantes de toda a minha vida. Os teus olhos verdes, a tua pele branca, o teu jeito italiano de falar, não me saem da memória. Tenho saudade dos teus beijos e a forma de ser amada. Chego a sonhar! - Pedro, meu amado Pedro, não posso mais me demorar. O guarda da prisão, bem simpático, está me dizendo que o meu tempo está acabando. - Mas, assim tão rápido? Você me liga, diz tudo isso, e ainda revela que ao nascer de um novo dia será fuzilada... Como sempre, imprevisível, até mesmo na hora da morte. - Até logo, meu amado Pedro. Fique com os nossos melhores momentos. Amanhã, quando o sol nascer, pense em mim, reze pela minha alma, porque não sou uma pessoa má e sim uma mulher apaixonada pela liberdade e felicidade de todos. Em seguida o telefone foi desligado. Não dormi, acompanhei a morte da noite, esperando a chegada dos primeiros raios do sol. Olhei para o alto, senti uma fina brisa, acariciando o meu rosto.

NÃO VOU ADORMECER SEM DEGUSTAR OS MEUS SONHOS

Ninguém prende um pensamento. Ninguém aprisiona uma alma ou um coração. O amor é livre e o gostar caminha junto com a liberdade. O desejo ...