quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

DELÍRIOS ASSASSINOS

O grito parecia de alguém em sofrimento ou perto da morte. Acelerei os meus passos, mas, o som do pedido de socorro caminhava perto de mim. O medo tomava conta da minha pessoa, não tinha coragem de olhar para trás. Naquele momento, ninguém iria ouvir o grito do desesperado, muito menos o meu. Já passava das onze horas da noite e a Rua Conselheiro Mafra estava silenciosa, somente o grito ecoava. Ao passar pela esquina da Sete de Setembro, vi uma sombra que me seguia. Era lua cheia, até parecia dia, de tão clara que estava a noite. A claridade me fez corajoso. Parei e olhei para trás com o objetivo de encarar a situação. A sombra desapareceu, mas, o grito continuava martelando na minha cabeça. Encostei-me na parede de um velho prédio, e esperei para ver o que iria acontecer. Um vulto aproximou-se de mim e disse: - Está com medo? Pela voz, parecia ser uma mulher. - Claro que estou. Você não está ouvindo o grito que está vindo do início da rua, lá em cima? – Respondi. Nesse momento escutei uma risada, que demonstrava satisfação pela dor. - É muito pouco pelo que ele me fez sofrer. Vai gemer muito antes de morrer. – argumentou a mulher. Não estava entendendo nada. Simplesmente aquilo tudo para mim estava sendo um grande pesadelo. Ao olhar para o lado, dou de cara com uma moça linda, nem parecia ser a autora do sofrimento e o do grito que atormentava a minha mente. - Eu quero somente a alma dele. – afirmou a moça, sem demonstrar nenhuma piedade. - Não estou entendendo o que você está dizendo. Explique melhor e faça alguma coisa para calar o sofrimento desse infeliz. - Eu explicarei tudo para você. Quanto ao infeliz, deixe que ele sofra mais, assim vai entender o que é dor e impotência. – afirmou a dita justiceira. A moça sentou-se na calçada e me mandou fazer o mesmo. Os olhos e os cabelos eram pretos. Possuía também um porte físico esquisito, magra demais para o meu gosto. Como era noite, não dava para observar melhor os detalhes. - Eu sei quem é você. Todos os sábados, nesta mesma hora, você passa por aqui vindo da casa da tua noiva, que mora na cabeceira da ponte Hercílio Luz. - Você me conhece bem pelo jeito. – disse. - E trabalha numa repartição pública na Rua Tiradentes. Mora na pensão do Mário, que fica na Rua Conselheiro Mafra – acrescentou a mulher misteriosa. Nessas alturas, o grito já estava mais ameno, somente certa agonia tomava conta do infeliz, quem sabe a morte estava perto dele para levá-lo para morar com ela. - O que você fez com ele? Esclareça-me tudo. E, por que você pesquisou sobre a minha vida? Eu não a conheço. Quem é você, afinal? A moça sorriu ao ouvir as minhas indagações. Não estava nem ai para as minhas preocupações. Era dona de si, incrível! Parecia ser “coisa do outro mundo”, que veio para vingar alguma coisa. - Eu vou falar, fique tranquilo, seremos parceiros daqui pra frente. Somente escute e não me questione mais. A minha irmã foi estuprada e morta por esse infeliz. Tinhas apenas 14 anos. Jurei que vinha me vingar dele. Eu também fui morta nessas mesmas condições da minha irmã. As únicas duas filhas do Pedro, meu amado pai, sofreram essas violências e nada aconteceu com os bandidos. Hoje sou uma morta viva que perambula pelo mundo, fazendo justiça com as próprias mãos. Depois de procurar por todos os lugares, ontem à noite encontrei o desgraçado bebendo num bar. Com a ajuda de um amigo seu, empurrei-o para baixo de um carro que passava pela rua e que fugiu sem prestar socorro. Tudo foi feito com a ajuda das sombras. Eu sei que você não acredita, mas, aconteceu. É importante que ninguém acredite, assim posso trabalhar com mais tranquilidade. É mais fácil agir na mente das pessoas quando elas não acreditam no invisível. Enquanto ela falava, eu acreditava que tudo não passava de alucinação da minha cabeça. Não podia ser verdade, eu estar conversando com alma do outro mundo. Só podia ser coisa de louco, ou de alguém, como eu, que tinha bebido algumas doses de pinga. Para ter certeza de que tinha alguma verdade no que ela falou, fui até o infeliz. Chegando lá, não tive dúvida nenhuma. O referido desgraçado tinha sido atropelado e a morte já estava abraçada com ele. Uma coisa me deixou intrigado nessa história: ela não falou do seu assassino, já que ela também foi morta da mesma forma que sua irmã. - Eu não falei para você? – acrescentou a “coisa do outro mundo.” - Não tem sentido tudo isso. – falei com certa raiva por ter presenciado um crime, ou um atropelamento e não ter abortado. - Tudo tem sentido na vida. Você agora é meu também. – revelou. - Como assim? – perguntei. A “coisa do outro mundo” pegou no meu braço e disse: - Você não vai escapar. Eu conheço o teu segredo e posso entregar você para os pais da tua noiva e para a polícia. - Vamos com calma. Você não tem o direito de sair por aí fazendo justiça pelas próprias mãos. Até porque você não existe. É coisa da minha cabeça. Eu tenho problema de bipolaridade, tomo remédios para tratar da minha loucura. – assinalei tentando mostrar que eu era apenas um doente. A “coisa do outro mundo” deu uma gargalhada histérica e afirmou: - Os médicos da Terra acharam um nome bonito para a perseguição das sombras. Eu sou a causa da tua bipolaridade. Que nada rapaz, deixe de ser tolo! Nós somos tão reais que estamos acabando com muita gente que se acha dona do mundo. Você nunca tinha me visto e eu sei o que você fez com aquela menina 15 anos. Nesse momento, o meu coração tremeu. As minhas pernas ficaram bambas. Parei e sentei na calçada. Alguma coisa estava errada comigo. Não podia ser. A Miriam morreu há muito tempo e ninguém descobriu nada. A polícia deu o caso por encerrado, porque não encontrou o corpo. - Não tenha medo, eu vim somente vingar a morte da menina que você violentou e jogou no mar, com uma pedra nos pés. Você é igual a esse desgraçado que acabou de morrer. Não adianta querer posar de bom moço. Vou ajudar a aprofundar as tuas contradições mentais. Você vai viver entre a realidade e a fantasia, falando com os mortos e ao mesmo tempo sendo considerado um louco pelos médicos da Terra. - Você é da polícia, ou uma justiceira dos infernos? – perguntei, tentando dar certo ar de materialidade. - Sou da policia das sombras, ou vingadora das trevas. O nome não importa, e sim o que vou fazer com você. – ameaçou. Eu já estava ficando pálido. A história da menina Miriam é bem diferente. Eu tinha dezessete e ela quinze anos. Éramos dois adolescentes. Ela vivia me perseguindo, mostrando as coxas a toda hora. Queria fazer amor comigo de todo jeito. Tinha pouca idade, mas, já possuía um belo corpo. Acontece que na hora do vamos ver, ela se negou, e foi aí que perdi a cabeça. Fiquei nervoso e chateado. Bati muito nela com força. Em seguida a violentei e joguei o seu corpo no mar. - Mas, você não precisava matá-la. Ela era apenas uma criança. – acrescentou sem que eu tenha pronunciado nenhuma palavra. A “coisa do outro mundo” tinha captado as minhas ideias. Até mesmo sobre os meus pensamentos ela tinha poderes para entrar sem pedir licença. Comecei a ficar receoso e certo medo começou a tomar conta de mim. - Não adianta! Posso ler o que está imaginando e pensando. Agora sou a tua dona. Tens que me obedecer pelo resto da vida. – acrescentou. - Você não é dona de ninguém. Sou livre para fazer o que bem entender. – afirmei, querendo fazer um contra ponto com a ameaçadora criatura. - Vamos ver o que vai acontecer com você. O caminho da tua loucura é longo. – lembrou a “coisa do outro mundo.” Depois de ter falado outras besteiras, e, reafirmando a sua intensão de me manter ao seu lado, foi-se embora, sem dizer um até logo, desaparecendo na sombra da noite. Em seguida apareceram dois policiais e me perguntaram o que tinha acontecido. - E aí rapaz, você viu o que ocorreu? – perguntou um dos policiais. - Acabei de chegar. A vítima ainda respirava, dando alguns gritos de dor. – expliquei. - Recebemos um telefonema anônimo, informando que houve um atropelamento. – disse o policial que parecia ser o mais graduado. - Não sei explicar, como disse para o Senhor, acabei de chegar. – respondi, tentando cair fora da situação. Não demorou dez minutos e surgiu uma caminhonete do Instituto Médico Legal para levar o cadáver. Em seguida fui para casa. Não consegui dormir o restante da noite. Os pensamentos sobre a “coisa do outro mundo” não saíam da minha cabeça. Durante um bom tempo não saí de casa, somente visitava a minha noiva, evitando frequentar os lugares costumeiros, principalmente os bares da Rua Conselheiro Mafra. Mesmo assim, sentia alguém na espreita, como se estivesse observando os meus passos. Mas, alguma coisa não estava indo bem comigo, mesmo tomando adequadamente os remédios que o médico recomendou-me, a minha cabeça girava. Até mesmo a minha noiva já começava a sentir que algo não ia bem conosco. Estava se desinteressando pelo nosso noivado. No verão de 2001, mais precisamente na segunda semana de janeiro, após sair da casa de Maria, caminhando tranquilamente, senti que alguém bateu no meu ombro. Nesse instante, um cheiro forte de mofo sinalizou que era a “coisa do outro mundo” que estava ali mais uma vez. Com uma voz rouca disse: - Achou que eu iria esquecer você? – perguntou. - Achei sim, até porque você é pura fantasia da minha cabeça. – respondi. - É... Você acha que eu não existo? – perguntou. - Acho sim! – afirmei categoricamente. - Quer que eu repita a conversa que você teve com a Maria, agora há pouco? –perguntou. - Que conversa? – indaguei, sem desconfiar de absolutamente nada. - A conversa sobre sexo. A tua noiva não sente mais vontade de transar com você. – disse com ar de conhecedora da minha relação com Maria. Quando ela falou isso, o meu coração bateu mais forte. Realmente a conversa existiu e o assunto era a falta de interesse sexual de Maria para comigo. A minha noiva pediu um tempo, pois não queria continuar mantendo a relação. - O que você quer de mim agora? – perguntei com raiva. - Eu quero que você faça um serviço para mim. – respondeu. - Que trabalho? Não sou teu empregado. - Esqueceu que sou a tua dona? Eu quero que você mate o policial Paulo. - Está louca? Não sou assassino, prefiro morrer a fazer isso! – respondi assustado. - Primeiro você é um assassino e segundo vai fazer o que eu mandar. Você conhece Paulo, é policial civil, trabalha na Delegacia do Estreito. Vocês beberam muitas vezes na noite e são da mesma estirpe. Ele matou uma amiga minha a sangue frio. Ela usava drogas, mas, não traficava. Ele merece morrer e assim será mais uma alma que dominarei. Quero aumentar o meu exército de súditos no inferno. - Não faça isso comigo! Por favor, não peça para eu matar pessoas que nada fizeram contra mim. – implorei. - Não vem com essa conversa de santo, que santo você não é! O teu passado é pior do que o meu. – respondeu com ar de superioridade. Tentei de todas as formas ponderar, para que a “coisa do outro mundo” me deixasse em paz, mas, não teve jeito. Daquele dia em diante, a minha vida tomou outro rumo. Iria caminhar a passos largos para o inferno. Estava atravessando a ponte para a loucura assassina, ou da alucinação infernal. Seguindo ordens de fantasmas, sem dizer não. Talvez a minha consciência pesada estivesse falando mais alto. - Amanhã à noite Paulo vai estar de plantão na Delegacia e estará sozinho. Você vai dizer a ele que quer fazer um Boletim de Ocorrência e num descuido dele, vai esfaqueá-lo pelas costas, sem lhe dar nenhuma chance de defesa. Depois, coloque fogo no corpo. Se você não fizer o que estou mandando conto tudo para os pais da tua noiva e te entrego para a polícia. Outra coisa: se for bonzinho comigo, seguro Maria para você. Faço-a ter vontade de transar. Posso deixá-la igual a uma puta. Vamos fazer esse acordo? – perguntou com um olhar mais sensual e fogoso. Realmente a doença estava me levando para o pior, falava e obedecia a “criatura do outro mundo”. Mas, como não tinha outra saída, e não queria ficar sem a minha noiva, acabei concordando com a ordem da “sombra”. - Tudo certo! Vou fazer o que estais pedindo. Você precisa me ajudar. – respondi, tentando disfarçar a minha insatisfação. - Deixe comigo! Hoje mesmo ficarei grudada ao lado dele. Na hora eu saberei o que fazer. – disse, tentando me consolar. O restante da noite, assim como o dia todo, foi longo. Eu guardava uma faca de churrasco, presente de um grande amigo meu. Não tive duvidas, a referida arma seria utilizada no crime. Engraçado, depois da última conversa com a “coisa do outro mundo”, mudei, fiquei mais corajoso e determinado. Perdi o medo e para mim, o ato de sangrar o policial seria fato corriqueiro. Lá pelas dez da noite, peguei o ônibus do “Canto” e fui até o Estreito. Antes, passei num posto e comprei gasolina. Chegando lá, observei que o policial estava sozinho, não haveria problema para cometer o crime. - Boa noite Policial! - Boa noite Senhor! O que deseja? – respondeu. - Preciso fazer um Boletim de Ocorrência. A minha casa acabou de ser assaltada. – disse. - Tudo bem, sente-se aí nessa cadeira e vamos fazer o Boletim. – afirmou o Policial sem saber que estava a poucos segundos de uma morte violenta. Sentei-me na cadeira e esperei a primeira oportunidade para executar o plano. O policial, sem perceber de nada, ficou meio de lado. Quando se abaixou para ligar a tomada do computador, tirei a faca da cintura e o feri mortalmente pelas costas. O policial Paulo deu um grito, tentando sacar o revólver inutilmente. Já sem forças e perdendo muito sangue, caiu ao lado da mesa de trabalho. Não perdi tempo, joguei uma lata com gasolina no corpo dele. Em seguida, risquei um palito de fósforo. Não demorou muito e o corpo do policial estava totalmente tomado pelas chamas. Sem olhar para trás, caminhei a passos largos na direção do ponto de ônibus para voltar para casa. Ao entrar no ônibus, para minha surpresa, “a coisa do outro mundo”, estava sentada no último banco e sorrindo disse: - Bom trabalho, amigo! Você se saiu muito bem. Para um primeiro trabalho, até que não foi fraco. – disse com sarcasmo. - Como primeiro trabalho? – perguntei. - Sim. É o primeiro trabalho de muitos que virão daqui pra frente. Agora, é só comemorar! Vá até a casa de Maria que ela está a tua espera. Vais ter uma surpresa. – disse. Não acreditei no que estava ocorrendo. Tinha acabado de cometer um crime bárbaro e ao mesmo tempo sendo empurrado para a casa da minha noiva, como se nada tivesse acontecido. Meio sem graça, sem jeito, desajeitado, encaminhei-me até a residência de Maria. Chegando lá, a minha noiva veio me receber, dizendo: - Boa noite, meu amado! Estava esperando por você. Estou morrendo de saudade. Hoje vamos comemorar uma nova vida. Serei a mulher dos teus sonhos. Farei tudo que desejares. Deixarei de ser aquela mulher certinha. - Que bom, querida! Esperei tanto por esse dia! Eu também estou com saudade dos teus beijos e do teu corpo. - Tenho uma surpresa para você. – revelou. - Chegue bem perto de mim e levante a minha saia. Isso... Assim... Está vendo, estou sem calcinha... Quero que você me faça de pé, aqui mesmo na sala. Os meus pais estão dormindo e não irão se acordar. Nem parecia a Maria dos velhos tempos. Estava excitada e totalmente diferente, fogosa, sensual, com um olhar de uma mulher louca por sexo. Fizemos amor durante mais de duas horas, na sala, em cima do sofá, no chão, enfim, as minhas fantasias e desejos foram totalmente saciados. Depois de tudo, já cansados, dormimos ali mesmo. Antes do dia amanhecer senti novamente o cheiro de mofo. Levei um susto. “A coisa do outro mundo” estava ali, de pé, na minha frente. - Levante! A festinha acabou, vá para casa. O dia já vai clarear. - Você estava aqui? Faz tempo que chegou? – perguntei. - Estou aqui desde o início. Aliás, você é ótimo amante. – respondeu maliciosamente. - Não acredito! – exclamei, sem entender o que ela tinha acabado de revelar. - Pois acredite! O tempo todo estive junto da tua insonsa noiva. Outra coisa: pare de me chamar de “coisa do outro mundo”. Pode me chamar de Miriam. - Miriam? – perguntei, totalmente surpreso. - Isso mesmo! Sou a Miriam, aquela menina que você estuprou e matou. Sou o teu demônio, a tua consciência e o teu remorso. Agora, que já sabe de tudo, não adianta fugir. Temos muito trabalho pela frente. – demonstrando que eu estava em suas mãos. - O que farei? Eu serei preso e condenado. Com você não vai acontecer nada, mas, comigo, só Deus sabe. - Nem fale em Deus, porque nas horas que mais precisei dele, nem o seu assessor veio para me ajudar. Vamos parar de chorar. Vá para casa, tome um banho, que o trabalho te espera. – acrescentou. Cambaleando e sem forças, fui para casa. Tomei um longo banho, coloquei uma roupa limpa e me dirigi ao trabalho. No trajeto, as pessoas comentavam do crime da Delegacia do Estreito. A polícia não tinha nenhum suspeito. Alguns achavam que o policial Paulo tinha cometido suicídio. O que mais havia chamado a minha atenção nem era o crime em si, e sim a “coisa do outro mundo” ser a própria Miriam. Tudo se esclareceu. Eu nunca havia acreditado em assombração, ou mesmo demônio. A alma da Miriam veio para se vingar da sua trágica morte e da irmã. Por outro lado, eu era uma pessoa doente. Os médicos já haviam diagnosticado que eu sofria da síndrome da bipolaridade. Há mais de três anos tomava remédio de tarja preta. Chegaram a solicitar ao meu chefe da repartição a minha internação num hospital psiquiátrico. As coisas estavam caminhando por uma estrada perigosa e sem volta. Em alguns momentos de clareza, eu sabia que a policia acabaria chegando até a minha pessoa. Isso iria acontecer, cedo ou tarde. O meu futuro estava sendo escrito com as minhas próprias mãos. Para os crentes em Deus, eu estava sendo usado pelo demônio, para os psiquiatras, era mais um doente da cabeça, ou um louco, colocando pessoas inocentes em perigo. A sociedade não distingue claramente o que é ser louco, doente, ou uma pessoa com índole má. É por isso que acontecem crimes violentos e nada é feito. A minha noiva Maria, mudou totalmente. Agora, ela era outra mulher, mais parecia uma puta no jeito de se vestir e na forma de transar. Usava uma minissaia jeans o tempo todo, e sem calcinha. Queria sexo toda hora e de jeitos diferentes. Às vezes, eu ficava com vergonha, até mesmo na frente de outras pessoas ela se assanhava, demonstrando ardente desejo. Seis meses se passaram da morte do policial. Numa tarde de sábado, eu estava sentado na sala assistindo televisão, quando senti novamente, o cheiro de mofo que vinha lá do quarto. Eu já sabia quem era. Era a Miriam me chamando: - Venha até aqui! Precisamos conversar. – ordenou. Como virou costume, obedeci e fui até ao quarto onde ela estava. - Pensei que nunca mais voltaria. – falei. - Nunca pense nisso. Quero que você traga a Maria para morar aqui na tua casa. Precisamos dela perto de nós. – informou a poderosa das sombras. - Por que? – perguntei meio assustado. - Porque se ela continuar lá na casa dos pais dela, você vai acabar perdendo a noiva. - Não estou entendo. Perdendo? - Isso mesmo! A Maria está indo todos os dias visitar um padre. Ele é forte com os anjos dele. Amanhã mesmo vá até lá e resolva a situação. Agora, venha até aqui. Hoje faça de conta que sou a tua noiva. – se insinuando, vestindo somente uma calcinha vermelha. Como estava sendo totalmente dominado por essa força dos quintos dos infernos, mais uma vez obedeci. Por incrível que pareça, Miriam me satisfez totalmente. Deixou-me alucinando. Era coisa de doido eu estar dizendo isso, mas, para mim, foi tudo real. No dia seguinte, fui até a casa de Maria e tivemos uma conversa. Ela não disse nada. Apenas, falou: - Vou para onde você quiser meu amado noivo. Sou totalmente tua, em todos os aspectos da minha vida. Precisamos ir logo, antes que os meus pais venham. Eles foram até a igreja, estão trazendo o padre Vilson. Acham que estou possuída pelo demônio. Na primeira noite que Maria dormiu comigo, Miriam permaneceu do meu lado, fazendo carinho. A presença dela foi tão forte que num determinado momento Maria questionou: - Querido, engraçado, parece que tem outra mulher aí do teu lado. - É impressão tua querida. Isso está acontecendo porque é a primeira vez que você dorme na minha casa. - Será? Não sei não, a mulher que estou sentindo aí do teu lado, eu já senti inúmeras vez lá em casa. Até já sonhei com ela. - Deixe de ser boba! Quem tem bipolaridade aqui sou eu, não você. – brinquei com ela. - Ela já me sentiu e isso é ótimo. A minha presença na vida de vocês dois está a cada dia aumentando mais. – acrescentou Miriam satisfeita com a nova situação. Durante um ano a relação com Miriam e Maria estava indo bem. Nenhum crime foi necessário executar. Até mesmo o remédio não tomava mais. Mas, no outro lado, no mundo normal da sociedade, eu era considerado um louco e uma pessoa perigosa. Os meus colegas de trabalho evitavam-me de todas as formas. O medo e o receio se faziam presentes. A mesma coisa acontecia com Maria. Os seus pais fizeram de tudo para resgatá-la de dentro da minha casa e não conseguiram. Certo dia, ao caminharmos pela Rua Conselheiro Mafra, numa noite de sexta-feira, eu e Maria, encontramos o padre Vilson. Ele parou a nossa frente, com um crucifixo na mão, ameaçando: - Vocês são filhos do demônio! Precisam sair da cidade e morar no inferno! Saímos em disparada, sem olhar para trás. O padre continuou gritando palavras que, para nós, era tudo besteira. De repente, Miriam surgiu a nossa frente e disse: - Vocês não podem fugir daquele padreco de merda. – gritou com severidade. Nessa altura Maria já sentia e via Miriam totalmente. Até já era sua amiguinha. - Temos que fazer alguma coisa para calar de vez esse padre! – afirmou Miriam, olhando para mim. Com o olhar de raiva de Miriam, eu já tinha entendido tudo. Mais um crime haveria de cometido. Mas, matar o padre Vilson? A situação estava indo para o abismo. A cada dia a minha cabeça doía mais e a Maria falava sozinha o tempo todo e não tirava a minissaia. O meu médico encaminhou um parecer para que eu fosse internado. Ele dizia, pela terceira vez, que o meu caso era gravíssimo e a internação seria a solução. Naquela mesma noite, Miriam me colocou na parede. Agora com a ajuda de Maria. As duas queriam ver o padre vivendo distante de nós. Eu tremia da cabeça aos pés. Não tinha coragem para matar o padre. Depois de mais uma orgia entre nós, coisa que se tornou corriqueira, Miriam disse: - Você, no sábado à noite, vá até a Casa Paroquial, inventa uma história de arrependimento e finca um punhal no peito do padre Vilson. - Não posso fazer isso! Vou para o inferno. – ponderei. - Você já está no inferno há muito tempo. Faça o que eu estou mandando, eu e a Maria vamos te ajudar no plano. - A polícia vai descobrir. Ontem de manhã, percebi que um homem de óculos escuros estava vigiando o nosso prédio. Perguntei para o Zé da Esquina, e ele disse que era um agente da policia. - Mais um motivo para agirmos rápido. Não adiantaram as minhas ponderações. No dia marcado fui até a Casa Paroquial para matar o padre. Chegando lá, o padre Vilson estava sentado na varanda lendo a bíblia. Olhou para mim e perguntou: - O que você quer aqui, na casa de Deus? - Vim pedir perdão. – respondi. - Não acredito nas palavras do filho do demônio. – disse com ar de descrédito. - Mas, o Senhor precisa acreditar em mim. – insisti. - É difícil acreditar nas sutilezas do mal. – olhando com desconfiança para mim. Nesse momento, Miriam se aproximou de nós. O cheiro de mofo tomou conta da varanda da Casa Paroquial. As folhas secas das árvores ao redor caíram no chão, mostrando que alguma energia estava presente. O padre Vilson segurou a bíblia na mão e exclamou: - Senhor me ajude: o demônio está aqui e quer levar a minha alma. Ajude-me. por favor! - O teu Deus não vai ajudar um padre que abusou e ainda abusa de jovens e crianças. Você abusou do meu irmão! Conheço os teus segredos! Esqueceu-se de mim? Sou aquela menina de dez anos, que você colocava no colo aproveitando-se da situação para bolinar. As tuas mãos são sujas, tanto quanto as minhas. – revelou Miriam com os olhos vermelhos de ódio. Não perdi tempo. Peguei o punhal e enfiei no peito do padre Vilson, que gritou violentamente e caiu morto no chão. Com a morte do religioso, tudo se acalmou. Olhei para Maria e Miriam que estavam sorrindo em ver o padre já sem vida, e disse: - Vamos embora daqui, logo a policia vai chegar. Passaram-se dois anos e ninguém nos perturbou. Tudo corria normalmente. Os pais de Maria foram embora de Florianópolis. Eu estava encostado, com atestado médico. Ficava o dia inteiro dentro do apartamento, só saía para fazer compras. Durante a noite, Miriam se juntava a nós. Chegou um momento que eu não sabia o que era coisa da minha cabeça ou coisa do outro mundo. Misturei totalmente realidade com fantasia. Numa noite que jamais foi esquecerei, a porta do apartamento foi arrombada com um pontapé. Era a Polícia na pessoa do Delegado Jacinto. - Vocês estão presos pela morte do comissário Paulo e do Padre! Fiquem em silencio e tudo que disserem será usado contra vocês. Fomos algemados. Maria ria como uma louca. Estava de calcinha e de calcinha foi levada presa. Miriam, com um largo sorriso nos lábios nos acompanhou até a Delegacia. Prestamos depoimento durante uma semana na presença de dois psiquiatras e um advogado. Até um espirita foi chamado para nos ouvir. Para eles nós estávamos sendo obsidiados, e, para os psiquiatras, éramos doentes mentais, precisávamos ser internados num hospital psiquiátrico. O julgamento foi marcado para dali a seis meses. Fomos condenados a passar o resto de nossos dias internados na Colônia Santana, como loucos e perigosos. A pobre Maria, não suportou a nova vida, acabou se suicidando com um lençol. Foi fazer companhia para a Miriam. No meu caso, continuo aqui, tecendo as minhas loucuras. Todas as noites, os fantasmas da Maria e da Miriam vêm me fazer companhia. E a orgia corre solta. Na verdade, eu não sabia onde estava, ou melhor, em que mundo vivia. Às vezes, pensava que tinha morrido há muito tempo, e em outros momentos, me sentia uma pessoa atormentada pelos demônios. Os médicos me encheram de remédios, sem solucionar o meu problema. Eu deveria ter sido preso desde a morte da menina Miriam. Mas, não foi isso o que aconteceu. Deixaram-me solto para cometer outros crimes. Como eu, existem milhares de doentes perambulando por aí, colocando em risco várias pessoas. A partir de hoje não vou escrever mais nada. Vou esquecer esse mundo, quero curtir a loucura para sempre. Amanhã cedo vou entregar este diário para o agente da colônia, quem sabe, ele mostre para algum escritor que possa transformar os meus manuscritos em livro.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

HARMONIA PERDIDA

Parece que foi ontem... O tempo caminhava lentamente... A vida era mágica...Não se ouvia falar em violência... A única novela que se via era aquela da vida, contada pelos nossos pais... Havia respeito entre as pessoas... As drogas não estavam nas vitrines à disposição dos jovens... Nos meus dez a quinze anos de idade, achava que o futuro seria tempo de alegria e felicidade... Como era bom viver naquela época, que ficou distante nas nuvens do tempo... As músicas tocadas falavam da terra e do amor de gente simples... Hoje, a música é feita para mostrar sexo e violência... A simplicidade reinava em todos os sentidos... Hoje, as ditaduras do consumo e da beleza violentam os seres humanos... A riqueza e a aparência valem muito mais que a honestidade... As pessoas conversavam mais e as famílias se encontravam todos os domingos... Os natais e os aniversários eram datas que se comemoravam de forma carinhosa... Os filhos respeitavam os pais... A esposa era fiel ao marido... E o marido respeitava a esposa...A alegria contagiava a família. Diferente dos dias de hoje, onde o ódio predomina no meio familiar... Beber álcool e fumar era para poucas pessoas... Os idosos eram amados e respeitados... Hoje, são vítimas de violência e jogados nos asilos... As crianças viviam num mundo profundamente infantil... Hoje, são estupradas e usadas como peças de propaganda na área da sensualidade... Belo mundo em que vivíamos! A raça humana perdeu o sentido do amor... do perdão... da tolerância... da solidariedade... Não existem sistemas políticos honestos... Tanto na direita como na esquerda vemos a corrupção campeando... Acredito que temos várias vidas; portanto, como poeta e humanista, jamais voltarei para este mundo repleto de violência... Quero viver numa morada onde reine o amor... a paz... o respeito... a humildade... a sinceridade e, acima de tudo, a solidariedade entre os seres...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O PUNHAL

A rua estava deserta e profundamente melancólica, até parecia dia de finados. A Rua João Pinto da velha Desterro, com seus paralelepípedos lisos de tanto receber transeuntes, carroças e carros ao longo da história, estava totalmente encharcada pela intensa chuva que caía aproximadamente há trinta dias. Essa rua guardava inúmeros segredos, vários amores que se iniciaram, e brigas que ainda hoje fazem parte do imaginário das pessoas. Com seu casario em sua volta, a João Pinto possuía certo ar de nostalgia e mistério. Caminhar por ela na década de 1950 fazia bem em todos os aspectos, exceto à noite. Mesmo com lua cheia e o céu repleto de estrelas, e com o barulho do mar, deixava qualquer um com os sentimentos à flor da pele. Era inverno de 1957, o vento sul assoprava sem parar, o frio era intenso, fazendo com que as pessoas nem pensassem sair de casa, principalmente durante a noite. O mês de julho prometia, seria um dos mais friorentos da história climática da Capital. No primeiro domingo do mês, numa noite gelada e de chuva, a prostituta Vânia precisava fazer ponto na Rua João Pinto, pois no dia seguinte tinha que pagar o aluguel da pensão. Isso porque Francisco, esposo da rica Fernanda, seu amante, morrera no ano anterior, numa briga com um marinheiro. Vânia era considerada a mais bela prostituta da cidade, só saía com homens ricos e poderosos. Mas fazia tempo que essa fama já não estava mais trazendo dinheiro e sim desamores. Para ajudar, aquele domingo, chuvoso e frio, não iria trazer grandes expectativas financeiras. Quem iria ter a coragem de sair à noite, atrás de uma prostituta para fazer um programa? De qualquer maneira precisava arriscar. Quem sabe alguma esposa se negasse a fazer amor com algum marido e assim, ele iria desafogar as mágoas com ela. Com esse pensamento Vânia colocou um sobretudo feminino de cor preta , por baixo usou somente um pequena calcinha vermelha. Assim, estaria pronta para qualquer posição sexual que o cliente exigisse. A chuva era fina e caía lentamente, acompanhada de um forte vento. A Rua João Pinto parecia a boca do inferno, pronta para engolir qualquer um que se atravesse a caminhar sobre ela. Vânia andava de um lado para o outro, à espera de alguém para fazer um programa. Naquele dia até que ela estava com vontade de fazer sexo, não acontecia sempre, mas quando acontecia, Vânia se realizava profundamente. Já passava da meia noite, quando enfim, um homem se aproximou dela dizendo: - Boa noite Vânia. Como vai você? - Olá, boa noite! Quanto tempo! – Respondeu. Era o médico Paulo, grande amigo do falecido Francisco. Fazia tempo que ele não aparecia, era respeitado na cidade, mas vez por outra procurava os serviços sexuais de Vânia. Sempre generoso financeiramente com ela, exigindo sexo de todas as formas, principalmente um lado que ela não gostava. Isso porque ela tinha um belo traseiro, despertando imenso prazer em Paulo. - Faz tempo sim, como você sabe, hoje é dia apropriado para uns momentos de sexo, e da forma que aprecio. - Você de novo querendo o meu traseiro. A tua mulher não deixa fazer? - Não deixa. Para fazer sexo com ela tem que ser com a luz apagada e pela frente. Na verdade foram poucas as vezes que fiz sexo com a luz acesa. Deixemos de conversa e vamos lá para o teu quarto. Adoro o teu traseiro, que, aliás, é o mais bonito da cidade. Vânia obedeceu ao médico e o levou para o quarto da pensão. Como sempre, Paulo foi bondoso com o dinheiro. Chegando lá, Vânia levantou o sobretudo feminino, tirou a calcinha, ficou de quatro e deixou o médico penetrá-la do jeito que ele mais gostava. Não foi dessa vez que ela se satisfez, porque a forma que o cliente gostava não era a sua. Depois de ter acabado, Paulo pagou Vânia e foi-se embora. A noite continuava escura, chuvosa, fria e cúmplice dos amantes. Alguma coisa estava no ar. Alguém iria morrer de forma violenta. Os olhos negros da morte estavam à espreita, e o silêncio reinava na cidade, exceto pelas prostitutas e velhos marinheiros que se atreviam a andar pelas ruas. A Praça XV parecia um grande bordel, onde homossexuais e putas circulavam à procura de prazer. Vânia não estava contente e necessitava acabar a noite feliz, como mulher. Paulo não fora homem o suficiente. Lavou-se e desceu para a rua. A sua noite tinha que terminar bem gostosa. E foi isso que ela fez. Ao sair do prédio de dois andares onde morava, Vânia deu de cara com um cachorro preto, que ao vê-la, latiu furiosamente. Nunca tinha visto aquele animal. Ficou assustada e saiu correndo. O cachorro ainda deu algumas latidas e desapareceu noite adentro. Esse episódio quase fez com que ela desistisse de procurar alguém para fazer sexo. Com vontade de ser possuída de qualquer jeito, Vânia prosseguiu a sua procura. Quando chegou à Praça XV, ouviu uma voz: - E aí Vânia! Está difícil encontrar algum cliente? Para uma mulher gostosa como você não será complicado encontrar. - Não será, mas o tempo não está ajudando. Eu saí com o Paulo esta noite, mas quero alguém para me satisfazer sexualmente. - O Doutor não deu no coro? - Ele dá no coro sim. Mas gosta do meu traseiro. Eu preciso de um homem que queira fazer a minha “coisinha” e assim ficarei feliz. A conversa estava sendo travada com o marinheiro Douglas, que estava de folga. Ele tinha um belo porte físico, acostumado a exercícios pesados em alto mar. De cor escura, Douglas era pau para toda obra no que diz respeito a sexo. Famoso por ser pé de mesa, o marujo pegava qualquer mulher e até mesmo homossexual que aparecesse na sua frente. Ele nunca tinha feito sexo com Vânia porque ela cobrava caro. Mas naquela noite iria provar do corpo que muitos homens da cidade se babavam. - Vânia, se você cobrar barato eu quebro o teu galho, apesar de já ter pegado a ricaça Fernanda. - Como assim? Que dizer que você traçou a mulher do falecido Francisco, o meu querido amante? - Isso mesmo! Ela me procurou há pouco lá no cais querendo um momento de sexo com um pé de mesa. Ela me pagou bem. Deixei-a toda esfolada de tanto sexo. Agora tem uma coisa que me deixou cabreiro. - O que ela disse? - Sei lá. Achei estranha a conversa dela. Quando acabei o serviço, a ricaça levantou a calcinha dizendo que mataria todas as prostitutas da Rua João Pinto e iria assumir o papel delas, dando para todos sem cobrar nada e que, se for preciso até pagaria para ser comida. A conversa preocupou Vânia, mas deixou o assunto para trás e pegou o marinheiro pelo braço, levando-o até o seu quarto. Ela não tinha sentido a força e o tamanho de um membro tão grande quanto o dele, mas sentiu-se realizada completamente. Depois de uma hora de sexo selvagem, Vânia abriu a porta do quarto e dispensou o amante negro, pois a essas alturas só queria dormir. A madrugada já estava chegando. Tudo estava quieto na Rua João Pinto, exceto os passos da viúva misteriosa. Nua por baixo do sobretudo feminino, e sentindo-se molhada nas coxas, devido ao vigoroso ato sexual com o marinheiro, encaminhou-se até o prédio onde Vânia dormia o sono tranquilo das prostitutas. Cada passo que dava, Fernanda imaginava quantas vezes o marido dela tinha subido aquelas escadas para ter intimidades com a vagabunda da Vânia. Seria o seu primeiro crime, outros estavam a caminho. Iria limpar a rua e a cidade. Ela seria a única prostituta, isso sem cobrar nada de nenhum cliente. Fernanda era filha única de um rico imigrante alemão e herdou uma grande fortuna. Casou-se com o pobretão do Francisco na esperança de constituir uma família exemplar. Não foi isso o que aconteceu. Ele ou ela não podiam ter filhos. Logo após o casamento, Fernanda foi violentada pelo irmão de Francisco. Contou para o marido, mas ele não acreditou. Isso sem falar do episódio que aconteceu quando ela tinha dez anos de idade: um amigo de seu pai, aproveitando-se da ausência de familiares, estuprou-a de todas as maneiras. Essas imagens vinham a sua mente na medida em que subia os degraus da escada. Lá fora o silêncio era total, somente o demônio reinava. Não bateu à porta, ela já estava semiaberta, costume da época. Olhou para Vânia, deitada, enrolada em coberta quente, dormia um sono profundo, nem iria sentir a penetração do fino punhal no peito. Fernanda cursou anatomia no Rio de Janeiro, sabia onde ferir mortalmente com o punhal. Levantou suavemente o cobertor e chegou a admirar o belo corpo de Vânia, que dezenas de vezes fora instrumento de prazer do canalha do Francisco. Sem esperar muito, penetrou fortemente o punhal no peito de Vânia, que deu um suspiro, tremeu um pouco, e parou de respirar. Pegou a coberta e cobriu totalmente o corpo da prostituta. Nada atrapalhou o silêncio da noite, somente a morte fazia o seu trabalho. Fernanda desceu suavemente as escadas, perdendo-se na noite. A notícia da morte de Vânia percorreu a cidade inteira. O delegado Juarez fez perguntas para várias pessoas, mas ninguém indicou alguma pista que o levasse até a viúva assassina. O marinheiro Douglas embarcou no seu navio. Ele poderia dar alguma pista sobre a assassina da João Pinto. O inverno acabou e logo chegou a primavera e consequentemente o verão. Nada de novo aconteceu na cidade. Tudo corria normalmente à espera do próximo inverno, momento onde o diabo descia para a terra. O frio fazia com que as pessoas não saíssem de casa, somente em casos excepcionais. O crime de Vânia já estava caindo no esquecimento, até porque era apenas mais uma prostituta que tinha sido morta. Douglas voltou da viagem que realizou pelos grandes mares e estava ansioso para sentir um corpo sendo subjugado sexualmente. O outono logo iria embora, e as noites frias e chuvosas com o vento sul assobiando na ilha de Santa Catarina, seriam os cenários dos próximos crimes. O marinheiro saiu à procura de alguém e foi até a rua João Pinto, local indicado para as belas aventuras amorosas. Douglas já sabia do assassinato de Vânia, mas não havia lembrado das ameaças de Fernanda. A única coisa que passava pela sua cabeça era sexo e mais nada. Ao dar os primeiros passos em direção à Rua João Pinto, Douglas defrontou-se com uma bela loira, nova, de olhos verdes. Uma joia de menina. Colocou os olhos nela e disse: - O que faz uma linda menina a estas horas da noite? Não tem medo do bicho papão? - Não tenho medo. E não sou uma menina. Tenho 18 anos e já sei o que é ser devorada por um bicho papão. Pietra tinha vindo de Blumenau há dois meses, atrás de emprego. Logo que chegou à rodoviária na Rua Hercílio Luz, não sabendo para onde ir, pediu informações a um taxista. Este, por sua vez, levou-a até a casa do Juanito, um gigolô que morava na Rua Major Costa. Ela saiu dali empregada, mas, não sem antes ter que dormir uma noite com o seu novo patrão. Era o teste do emprego. Daquele dia em diante Pietra trabalhava à noite para aumentar a riqueza do espanhol Juanito. Juanito era procurado pela polícia da Espanha por ter assassinado o Delegado de Madri. Com a ajuda da máfia italiana fugiu para o Brasil no ano de 1954, refugiando-se em Florianópolis. Logo que chegou aqui, fez o que sempre soube fazer: trazia meninas do interior do Estado para se prostituírem e assim ganhar muito dinheiro. Pietra era mais uma, fisgada no seu anzol. - Hoje eu sou o teu bicho papão e quero você inteirinha... - falou Douglas, já imaginando a bela noite que teria com Pietra. - Mas, primeiro você precisa pagar pelos meus serviços. - adiantou a menina de Blumenau. - Isso é de menos. – respondeu Douglas, pronto para mais um gostoso embate sexual. Naquela noite tudo correu como o marinheiro e Pietra tinham combinado. Nenhum dos dois imaginava que algo pairava no ar. Certa noite, quando Douglas saía do quarto de Pietra, esbarrou com Fernanda, que disse: - Por onde andavas velho marinheiro? Estou com saudade da tua grande ferramenta. Está comendo carne nova? Douglas sorriu e falou: - A minha ferramenta está sendo usada no corpo de uma linda menina, que chega a ser coisa de outro mundo. Tudo nela é pequeno, delicia de mulher! Fernanda não disse nada, simplesmente pegou o marinheiro pela mão e o levou até sua casa. Durante todo o restante da noite, eles fizeram sexo e mais sexo. Ela já não aguentava mais, mas, Douglas era insaciável. Enquanto ele a penetrava, ela perguntou: - Quem é essa menina que tem tudo pequeno? Onde ela mora? O marinheiro no auge de seu tesão, falou: - Ela reside no mesmo prédio onde morava a Vânia, assassinada no ano passado e, por incrível que pareça, no mesmo quarto. A viúva do “sobretudo feminino” ouviu tudo, deixou o marinheiro terminar o serviço e foi-se embora. No dia seguinte, ou melhor, na próxima noite, Fernanda foi ao quarto de Pietra e mais um assassinato virou notícia. O fino e longo punhal comprado no oriente entrou mortalmente no lindo corpo de Pietra, que nem sentiu o perfume da morte. Douglas soube do assassinato da menina de Blumenau e não se conformou. Ele estava gostando da menina e até pensava em tirá-la da rua, quem sabe constituir uma família. Caminhando pela Praça XV, lembrou-se das palavras de Fernanda quando transaram pela primeira vez. Não havia nenhuma razão, Vânia e Pietra terem sido assassinadas brutalmente. Alguma coisa estava errada e era preciso tomar alguma providência. Para Douglas, o crime deveria ser desvendado e vingado da mesma forma. A Rua João Pinto já não era mais a mesma. Depois das duas mortes, os frequentadores da noite ficaram mais precavidos. Mas, Douglas matou a charada: Fernanda era a responsável pelos assassinatos. Certa noite, quando o silêncio tomava conta da cidade, o velho marinheiro resolveu sair para investigar as razões dos crimes. Permaneceu um longo período na frente do prédio onde vivia Fernanda, queria observar os movimentos dela. Já passava da meia noite, quando ouviu o barulho de alguém descendo as escadas. Não teve mais dúvidas, era a Fernanda que saía para aprontar mais uma. Ele tentou escapar ou se esconder, mas não conseguiu. A viúva ficou a sua frente e disse-lhe: - Meu adorado marinheiro, está fugindo de mim? - Não estou! Apenas não sabia que era você. – desconversou o marinheiro. - Fiquei sabendo que andas fazendo perguntas sobre o assassino das duas vagabundas que foram mortas? – perguntou Fernanda. - Preciso saber quem foi o bandido ou a bandida que tirou a vida das meninas. Por sinal, eu estava gostando de Pietra e queria montar uma família com ela. - Montar uma família com uma puta que se deita com qualquer um? – questionou Fernanda. - E você? Por acaso não abre as coxas pra todo mundo? – perguntou Douglas A conversa entre os dois estava tomando um rumo perigoso. Douglas queria dar um fim em Fernanda, sabia que era ela a assassina das duas prostitutas. Fernanda percebeu no olhar dele que estava em perigo. Era necessário tomar uma providência. No mundo da noite da Rua João Pinto, tem um momento que existe um limite. Ele entendia as razões de Fernanda, soube que ela fora violentada quando mocinha, mas, fazer disso uma ponte para a vingança vai um longo caminho. Com determinação, numa mistura de ódio e prazer, Douglas encostou Fernanda contra a parede, levantou o “sobretudo feminino” preto, tirou a calcinha vermelha, numa só estocada penetrou a assassina de forma violenta. Com os olhos arregalados, sentindo o cheiro de mofo da parede, Fernanda tremeu de dor e prazer. Não era a primeira vez que sentia o tamanho da ferramenta do marinheiro. Enquanto a noite e a névoa da escuridão reinavam na Rua João Pinto, o casal, entre gemidos e sussurros, esqueciam vingança e ódio, deixando o prazer tomar conta de tudo. Logo após terminarem a selvagem relação sexual, Fernanda, com as pernas bambas, cansada, abaixou-se para levantar a calcinha. Sem perceber, ela sentiu uma dor profunda no lado esquerdo do abdômen. Percebeu que estava sendo golpeada por um punhal fino, longo e afiado. Era o seu punhal sendo usado contra ela. A lâmina entrou no fígado, rasgando-o totalmente e indo na direção do coração. Fernanda, conhecedora de anatomia humana, sabia que o golpe era fatal, mas levaria alguns minutos para morrer e muito sangue iria escorrer. Deixou-se cair suavemente, como se estivesse se arrumando para o leito da morte. Encostou-se na parede, olhou para o chão e viu uma grande poça de sangue se formar. Douglas estava de pé, ainda com as calças no chão, segurava o punhal coberto de sangue. Ele havia roubado o punhal de Fernanda no momento que faziam sexo. Parecia feliz por ter desfechado o golpe final na mulher que matou cruelmente as suas duas amantes. Nesse instante chegou a ver as imagens de Vânia e Pietra sorrindo para ele, como num gesto de agradecimento. O mar, que estava calmo, criou ondas e tornou-se violento. As estrelas desapareceram do céu e nuvens escuras se formaram. O vento que não tinha dado o ar de sua graça assoprou levando os papéis da Rua João Pinto. Ele olhou para Fernanda e disse: - Eu sempre soube que foi você. Agora vai descansar no inferno, numa mistura de prazer mortal. Você não merece viver na terra e sim ser a esposa do demônio, ou melhor, a puta dele. – sentenciou o velho marinheiro. - A morte até que está sendo gostosa. O ferimento no fígado não traz dor e sim desfalecimento. Mas, por que você? – perguntou Fernanda, já com a voz engasgada pelo sangue. - Porque tinha que ser. Não tenho ninguém que chore por mim e já matei várias pessoas ao redor do mundo. Nos portos que desembarquei já tive inúmeras amantes e muitas delas me contratavam para assassinar os maridos em troca de dinheiro. Sou como um animal selvagem, que se alimenta com a dor dos outros. Mas nunca tive a intenção de fazer isso com você. E você não precisava ter matado Vânia e Pietra. - Eu só queria ser a única prostituta da Rua João Pinto. A única forma de atingir o prazer era sendo uma vagabunda, penetrada por qualquer homem, principalmente da forma que acabamos de fazer. A riqueza nunca me trouxe prazer. Fui casada com um homem que nunca se preocupou em me oferecer algum momento de alegria na cama. As damas não são felizes, são apenas instrumentos de seus maridos, cornos e incompetentes. Estou morrendo feliz, atravessada por um punhal que comprei quando visitei o Marrocos há cincos anos. Dizem que esse punhal foi feito para matar os amantes traídos. - Agora está tudo acabado para você. Descanse na Rua 66, no centro do inferno, onde o teu futuro amante vive. Com essas palavras, Douglas despediu-se de Fernanda. Fernanda sorriu com as últimas palavras de Douglas. Sentiu um gosto de sangue que escorria pelo canto da boca. A morte estava descendo a mando do diabo, o seu futuro marido. Douglas levantou a calça, limpou o punhal na roupa de Fernanda e saiu caminhando, desaparecendo em direção à Praça XV. Logo o dia iria nascer e ele precisava embarcar para mais uma longa viagem, só que desta vez, não voltaria nunca mais.

NÃO VOU ADORMECER SEM DEGUSTAR OS MEUS SONHOS

Ninguém prende um pensamento. Ninguém aprisiona uma alma ou um coração. O amor é livre e o gostar caminha junto com a liberdade. O desejo ...