quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Velho Professor

As madrugadas não são as mesmas, até porque o tempo também é diferente. Dizem que o mundo está em guerra e que o Brasil irá participar. Estou vivendo o ano de 1940, parece que foi ontem que vi a mudança do século. O meu mundo está em paz, ou melhor, a minha vida caminha com o tempo. Já vivi muito para ficar preocupado com as coisas que independem de mim. Não faz muito tempo que o mundo estava em guerra, era a primeira grande guerra. Agora é a segunda guerra mundial, e, mais uma vez, a Europa briga com os demais países.
O melhor é ficar onde estou, jogando a rede ao mar, pegando a canoa e navegando à procura de peixes. Os meus filhos estão criados e vivem longe, talvez até tenham esquecido o pai, que tanto lutou para criá-los. A minha mulher faleceu há cinco anos e desde então, vivo esperando a morte bater à porta.
Pedro, professor aposentado, 78 anos, homem que apanhou muito do destino, tem inúmeras histórias para relatar, uma mais triste que a outra. Desde que veio de Blumenau para Florianópolis, ainda jovem, trabalhou incansavelmente para sustentar a família. Depois que se aposentou, adquiriu uma propriedade no sul da Ilha, e vive da pescaria. Para manter-se informado, vai uma vez por semana ao centro da cidade, para comprar jornal. Dorme cedo, no mesmo horário das galinhas. Antes, porém, ouve notícias do Brasil e do mundo no radinho de pilha.
A casa onde vive fica no Pântano do Sul. É simples, com apenas dois cômodos. Em volta da mesma, uma horta com as mais variadas hortaliças ajudam na alimentação e embelezam a morada. Nos dias de chuva e frio, senta na frente do fogão a lenha para se esquentar, tentando afugentar o vento sul que castiga sem dó a região. Com dificuldade, ainda consegue ler um livro emprestado na Biblioteca Pública. Ele não perdeu o costume de ler romances russos e franceses, assim, consegue se transportar às terras europeias. Já devia ter trocado os óculos, pois os que usa já perdeu a qualidade. Quando não está lendo, escreve, num velho caderno, as lembranças do passado, com muito cuidado e esmero, pois ainda não perdeu o capricho de professor de português. Assim, vai montando as frases de histórias de uma longa vida.
Foi num desses momentos de magia existencial que ouviu passos se aproximando da casa. Pensou que fosse Margarida, vizinha de longa data. Levantou-se da cadeira, e foi até a porta. Abriu, e, para a sua surpresa, era Juliano, amigo e diretor da Biblioteca Pública.
- Pedro, meu grande amigo, tenho boas notícias para você!
- É mesmo? Então, que bons ventos o tragam!
- Os teus manuscritos foram aceitos pelo editor do Rio de Janeiro. A tua história será publicada no mês que vem.
- Eu não acredito! Depois de cinco anos de espera, vou ver a história do pescador Fernando sendo publicada e lida pelo Brasil inteiro.
- É isso mesmo! – disse o Diretor da Biblioteca Pública.
Os dois amigos conversaram o resto da tarde, trocaram ideias sobre como seria o lançamento do livro. O dia já ia embora quando Juliano rumou em direção ao centro da cidade. Naquela noite, o velho professor não dormiu, até parecia uma criança, de tanta felicidade. Chegou a esquecer da rede que tinha colocado no mar para pegar algumas tainhotas.
No dia seguinte, bem cedo, quando o sol estava nascendo, pegou o barco e foi ver a rede. O mar estava agitado com muitas marolas, dificultando o trabalho. Enquanto observava se a rede tinha peixe, o pensamento viajava longe. A história do pescador Juliano, escrita há muito tempo, que desapareceu em alto mar, ia ser publicada em forma de livro. O velho professor, agora um pescador aplicado, não estava com sorte, não tinha nenhum peixe na rede. Mesmo assim, resolveu deixar a rede armada para o dia seguinte.
Ao voltar à praia, Pedro olhou para o alto, e viu que uma grande tempestade estava se aproximando. Não perdeu tempo, acelerou as remadas para escapar do temporal. Mas, alguma coisa começou a dar errada. Quanto mais remava para a terra, mais o barco se afastava. Nesse momento, um vento forte carregou de vez o barco para o alto mar.
A história estava se repetindo. Assim como o pescador Juliano, Pedro caminhava para o centro da tempestade. Não podia ser! A sua história ia ser publicada, mas ele estava seguindo o mesmo destino do seu personagem. Pedro lutava bravamente contra as ondas que tentavam de todas as formas virar o pequeno barco. Pediu ajuda aos céus e ao arquiteto do universo, mas de nada adiantou. De repente, uma grande onda veio e engoliu o barco, levando para o fundo do mar o velho professor. A morte veio buscar o professor Pedro de uma forma inusitada. Assim como o temporal surgiu, desapareceu no horizonte. O corpo foi encontrado boiando na praia do Pântano do Sul quatro dias depois do desaparecimento. Depois da tragédia, tudo voltou ao normal na vila.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NÃO VOU ADORMECER SEM DEGUSTAR OS MEUS SONHOS

Ninguém prende um pensamento. Ninguém aprisiona uma alma ou um coração. O amor é livre e o gostar caminha junto com a liberdade. O desejo ...