quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Reencontro das Sombras da Noite

Os meus fantasmas, que na calada da noite aparecem para conversar comigo, querem matar a saudade de um tempo de uma situação, ou, quem sabe, de um futuro que não veio. Enquanto a noite é intensa, as bitucas queimam, as imagens deles surgem com toda força, deixando os meus olhos embaçados. Estou aqui bebendo e com muita vontade de ficar até o fim da noite. Com esse clima e com essa visão de uma boemia sem fim, olho para as estrelas à procura de um sinal, mas nada aparece, somente a certeza de que ainda viverei muito para prestar contas de tudo. Sou filho da angústia e parente da incredulidade.
Para cada fantasma, uma história desfila serenamente. É o reencontro das sombras, que passam por mim com olhares assustadores. Olho para eles como se estivesse olhando pelo retrovisor do meu carro, na medida em que o tempo vai passando, a distância vai aumentando. Mas não me importo, eu também sou um fantasma. Eu também sou um louco em busca do nada. Não posso escolher com quem conversar, porque não existe prioridade, todos têm uma razão, e todos querem reafirmar algum desejo não realizado. Estão cobrando um tempo, uma dívida que a existência teima em não esconder. Conheço todos os fantasmas, e com eles vivi uma bela época, uma contagiante emoção que cravou fundo no meu coração, mas deixou trilhas e descaminhos difíceis de serem apagados. Nem todos são amigos e amantes de um tempo. Alguns fantasmas são, para mim, como hienas, ficam à espreita, escondem-se atrás de arbustos, esperando o momento adequado para atacar e destruir o meu caminho.
Hoje quero dedicar o meu momento de boêmio e poeta a Você, que por razões desconhecidas teimou em permanecer ao meu lado um longo período. Não foi uma hiena, mas sim uma sugadora amorosa. Atravessou pântanos e tempestades noturnas, grudada nos meus passos. Chorou nos meus braços, e soluçou meigamente de desejos nas escuras madrugadas. É difícil dizer o porquê de tudo, somente os andantes da noite conhecem as nossas vidas, porque somos como vagalumes, nos alimentamos da escuridão, do prazer e do álcool.
Não foram poucos os momentos que discutimos e brigamos. Aliás, perdemos a conta. Você negou o meu amor por duas vezes, e por duas vezes neguei o teu amor. Convidei você para morar comigo duas vezes e duas vezes você não quis. Isso foi a prova de tudo, principalmente, de que queria somente sexo e belas noitadas. No fundo, eu fui e você foi a válvula de escape de nossas frustrações amorosas. Vivemos como duas andorinhas, voando de canto a canto, voltando para casa muitas vezes com as asas quebradas, mas felizes.
Enquanto o meu pensamento se transportava e navegava pelos mares revoltos da existência amorosa, o vento sul assobiava violentamente, demonstrando insatisfação com alguma coisa que se aproximava de mim. Toda vez que algo está para acontecer, o vento sul surge para avisar. Sou amigo dos mistérios do mundo e da noite. Cativo e sou cativado pelas sombras da vida. E naquele momento senti uma profunda saudade de algo que não sabia explicar.
Nesse meio tempo, chamei o garçom e pedi mais uma bebida. Olhei para o lado e vi uma linda morena sentada, que me observava atentamente. Trocamos alguns olhares, e aos poucos, senti necessidade de convidá-la para sentar-se a minha mesa. Antes, porém, pedi ao garçom informação sobre a referida mulher.
- Quem é essa mulher, que nunca vi?
- É a Rose. Não é sempre que aparece. Está à procura de um grande amor. – respondeu Gelson, o garçom de longa data.
- Todos nós estamos à procura de um grande amor. – acrescentei.
- Diga a ela que talvez eu não seja quem está procurando, mas que posso lhe dar alguns momentos de alegria e, quem sabe, até prazer.
- Poeta, meu amigo poeta, ela é especial e você não vai se arrepender de conhecê-la.
Conversamos muito, aliás, ouvi mais do que falei. Ela falou da sua vida, mostrando as feridas que ainda não cicatrizaram.
Rose, mesmo aos seus 34 anos, parecia que já tinha vivido meio século de vida, não pelo físico, e sim pela experiência. Viúva, mãe de dois filhos, ela era uma linda mulher, com um corpo que poderia colocar qualquer menina de 18 anos fora de disputa. Durante a nossa conversa bebeu quatro cervejas, mas parecia que o álcool não afetava o seu comportamento. A música que tocava nos convidou para uma dança, e a dança que nos emocionou foi a valsa. Dançamos um bom tempo, colados e, colados permanecemos até o fim da música. Ela era uma mulher fogosa e demonstrou desejo em viver emoções mais fortes. Antes de levá-la à mesa, nos beijamos loucamente. Foi o início de tudo, que somente o tempo soube tão bem mostrar.
- Você dança bem, querida! É uma excelente dançarina. – disse.
- Adoro dançar e ficar nos braços de um homem como você, a gente, se não sabe dançar, acaba aprendendo.
- A dança é uma terapia ou um consolo para os solitários da noite. – acrescentei.
- Conversamos muito, e até agora você não me disse qual é o seu nome, e o que faz na vida. – lembrou.
- Meu nome é Lucio, e sou poeta. A única coisa que sei fazer na vida é escrever.
- Você acha pouco? – perguntou.
- Para mim é pouco. Gostaria de fazer mais, ser mais útil. – revelei.
- A tua arte já é útil para o mundo. O mundo precisa dos poetas. – assinalou.
Já estávamos tomados pelo álcool, e a madrugada nos convidava para algo mais intenso, e adormecer com ela. O garçom, sentindo o clima entre nós, colocou mais uma valsa para tocar. Lentamente, fomos para o centro do salão, que àquelas alturas estava vazio. Senti o seu corpo tremer de desejo. A sua boca queria mais, talvez uma noite de prazer. As coxas, grossas, no passar dos passos da dança, sutilmente se abriam para mim.
- Não podemos continuar assim e aqui. Precisamos satisfazer os nossos corpos que querem algo mais profundo e intenso. – disse ao seu ouvido.
- Concordo com você, até porque não sou dormente. Já não consigo mudar os passos! A minha vontade é fazer do chão deste salão uma imensa cama! – acrescentou.
- Mas não é possível. Até que poderia ser. Imagina, agora, nesse momento, com esse clima de profundo desejo, fazermos do chão, uma grande cama. – assinalei com imensa vontade de levá-la a minha casa.
Paguei a conta e nos dirigimos para a casa de Rose.
No caminho, enquanto eu dirigia, Rose, com sei jeito gostoso e meigo de uma mulher felina, me acariciava de todas as formas. Por duas vezes encostei o carro numa estrada sem saída e nos acariciamos selvagemente. Só não fomos para os finais porque estávamos merecendo um momento mais trabalhado, e não ligeiro. Mesmo assim, ela tirou a calcinha vermelha e colocou-a no bolso da minha calça.
- Guarde com você. É o troféu e a lembrança do nosso primeiro encontro. Não vou precisar mais dela. Sou totalmente tua e quero ficar nua para que você me faça do jeito que quiser.
Eu já não estava resistindo mais. Como ela morava longe, resolvi entrar no primeiro motel da BR 101, no município de São José. Coloquei o meu carro na garagem e não esperei para entrar no quarto. Como ela estava sem calcinha e usando uma pequena saia, joguei-a em cima do capô do carro e sem lero-lero, penetrei-a com força. Fizemos amor durante um bom tempo na garagem do motel. Como estávamos cansados, resolvemos entrar no quarto. Tomamos um banho e tiramos um bom sono. Pela manhã, agora em cima da cama, fizemos amor mais uma vez.
Fiquei umas três semanas sem aparecer. Na quarta semana, resolvi dar as caras. A minha intenção não era encontrar Rose, mas não foi isso que aconteceu. Ela estava lá a minha espera. Fiz de conta que não a conhecia. Fui para a minha mesa, e não demorou muito, ela se aproximou dizendo:
- Foi tão ruim assim, que você desapareceu e não deixou nenhum recado, ou mesmo o número do seu telefone?
- Ao contrário, querida. Foi tão bom que fiquei assustado. Você é demais. – respondi, meio sem jeito.
- Você é estranho. Quem gosta, quer ficar junto e repetir os encontros. – acrescentou.
A minha relação com Rose durou um longo tempo. Ela era uma mulher encrenqueira de primeira hora. Ciumenta por tudo e por todos, mas na cama, gozava inúmeras vezes. Éramos dois loucos amantes, isso eu nunca reclamei. Sabia amar e ser amada. Na hora do amor, conhecia as minhas fraquezas sexuais. Eu sabia onde pegar no seu corpo. Quando saíamos, ela sempre ia sem calcinha. Era a minha tara, pegar nas suas coxas, no seu bumbum sem nenhum obstáculo. Mulher de primeira!
Agora, depois que tudo acabava, a realidade era outra. Brigávamos por qualquer coisa. De quinze em quinze dias, nós terminávamos. Na quarta semana, como de costume, reatávamos. E assim permanecemos durante oito anos. Ela não tinha vergonha na cara, eu também não. Éramos dois amantes, dois loucos por sexo, dois vagabundos e dois adorados namorados.
O tempo passou, e como tudo passa na vida, a loucura também cansou e teve o seu tempo. Ainda me lembro da última vez que fizemos amor. Foi na casa de Rose. Ela fez tudo o que mais odeio na vida: permaneceu travada o tempo todo, demonstrando preocupação com a filha que dormia com o namorado no quarto ao lado. Coisa que nunca aconteceu durante todo o tempo da nossa relação. Para mim, foi a pior noite da minha vida. Ali, naquele dia, tudo terminou. Resolvi desaparecer da vida de Rose sem dizer nada, de forma serena e definitiva. Saí, lembrando nossas existências, daquelas noites, daqueles momentos após baile, daqueles instantes em que o prazer tomava conta de nossos corpos.
Rose, na verdade, foi mais um doce fantasma na minha existência, que às vezes, perambula pelo meu pensamento e ainda vai perambular por muito tempo. São imagens que aparecem e desaparecem. Ela foi importante no meu caminho, soube me amar e ser amada. Era boêmia e deleitava-se nas noitadas. Há certas coisas na vida que é melhor não esquecer, e essas coisas, foram os tempos de Rose.
- Como vai meu amigo? Quanto tempo! Você continua aqui. Ainda vai morrer sentado nessa mesa. Engraçado que ninguém senta nela, somente você. Jamais imaginei que iria te encontrar.
Era o meu amigo garçom, que tinha ido embora da casa noturna. Ele arrumou outro emprego durante o dia. Abandonou a noite. Estava ali apenas para matar a saudade.
- O meu destino é morrer abraçado com a noite. Sou viciado na boemia. – relembrei.
- Eu sei. No mês passado procurei por você.
- Por quê?
- Você não assistiu ao programa policial?
- Não assisto essas coisas. Não gosto de cenas de violência, mas me conte. - fiquei curioso.
- Lembra-se da Rose? Ela foi encontrada morta no banheiro, com uma faca cravada no peito. Dizem que foi coisa de um antigo namorado, que não se conformou com a separação. Rose sempre foi apaixonada por você, muitas vezes saiu daqui totalmente bêbada, chorando de saudade. Depois de você, ela nunca mais quis ter alguém, simplesmente ficou ou passou alguns momentos, para apenas alimentar o grande amor de sua vida.
Gelson, amigo de longa data, não deixava de ser também um fantasma, que apareceu para dar notícia de uma mulher que alimentou profundamente a minha vida noturna. Depois da notícia, continuei até o fim da noite bebendo e dançando. Sai dali e fui direto para o cemitério levar uma rosa vermelha para Rose, mulher que nunca deixou de habitar o meu coração.

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