sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A Voz do Poeta

É hora de seguir a voz do meu canto...Acompanhar o grito da liberdade...Olhar e caminhar com a sombra dos passos de bravos desbravadores...Deixar de lado o presente...Avançar rumo a outros cantos...Esquecer o recanto que aprisiona a alma deste poeta...Tem momento na vida que é necessário derrubar barreiras e construir outras estradas...Os poetas são seres especiais que precisam alegrar constantemente o coração...Vivo da dança...Das corridas...E dos poemas...Que juntos...Formam a energia que preciso para viver a presente existência...Nada tenho contra o passado...Até porque passou...Sinto profunda necessidade de mudar certos caminhos...Hoje...As vezes me vejo chorando...As minhas lágrimas são solitárias...O coração aperta...Tenho vontade de rever a minha terra...Sentar na esquina e conversar com o silencio que maltrata a minha alma...Quero questionar os responsáveis pela minha construção que virou uma grande desconstrução...Talvez tenha sido bom demais...Ou quem sabe ajudei os outros a construir o caminho...E esqueci de construir o meu...Como ainda tenho o grande tesouro que se chama saúde...Vou seguir o canto e a dança da voz que sai da garganta...Aprendi com as dificuldades em saber a hora certa de parar e mudar...Que os guerreiros e os poetas do universo me ajudem nessa nova jornada...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Escuro da Boemia

OBS: O poema "Escuro da Boemia", faz parte da obra EMBRIAGANTE MAGIA DA NOITE", que será lançada em 2015 e foi escrito em julho de 2004, num momento de pura energia espiritual... Já fiz tanta coisa/ Troquei ideias com o silêncio/ Amei o nada/ Matei a sede/ Bebendo as gotas da neblina/ Que cobria a cidade em dia de inverno/ Frio e silencioso/ Sentei no meio fio/ Olhando os habitantes noturnos/ Que andavam de um lado para o outro/ A procura de um canto para dormir/ Fiquei observando os pássaros migratórios/ Que voam de continente a continente/ Para se acasalar/ A buscar novas fontes de alimento/ Vida!/ Como é grande a sensação / De fazer parte do ciclo da existência humana/ Tentar descobrir os mistérios da mente/ As contradições que reinam nos boêmios/ Fui à procura de uma nuvem escura/ Que se escondeu atrás de uma montanha/ Mostrando que por mais longo que seja o inverno/ A primavera sempre surge/ Florindo o que era triste e melancólico/ Ouvi o cantor / Cantar a melodia dos amantes/ Durante uma noite inteira/ Tomei todas as bebidas que o garçom ofereceu/ Chorei grudado numa mesa/ No final.../ Fui levado pela encantadora madrugada/ Sou um Poeta/ Que se alimenta do mistério/ Da noite.../ Embriaga-se com lindas palavras proferidas/ Pela mulher amada/ Num momento de puro encantamento amoroso/ Penso que vim ao mundo/ Para apenas escrever poemas/ Sem compromisso com os “ismos”/ Muito menos com alguma escola literária/ Simplesmente vivo procurando algo que ainda não sei/ Como é gostoso/ Ver o escuro da noite/ Luzes coloridas por todos os lados/ Mulheres de programa caminhando/ Mostrando seus lindos corpos/ Aos fracassados do casamento/

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Lua dos Meus Sonhos

OBS: O poema abaixo, foi escrito num domingo de inverno de 2005, quando a lua cheia batia na minha porta, me convidando para sair, época em que morava em Cacupé. Ele faz parte da obra: "EMBRIAGANTE MAGIA DA NOITE", que será lançada em 2015. A referida obra é o mais forte e profundo testemunho da minha vida nas noites, nos bailes e nos corações das dançarinas... LUA DOS MEUS SONHOS A claridade entra pelas frestas do meu quarto... A madrugada está fria... O vento Sul assobia ... Batendo forte nos rochedos... Lua das minhas eternas noites... Que imensa alegria...! Veio convidar-me... Para sairmos para mais uma grande Noitada... Estou com saudade da tua companhia... A brisa do teu olhar... Refresca meus olhos... Esquenta meu corpo... Não posso deixar de amar Você... Lua amada Lua...! Quantas noites... Fostes cúmplice das minhas... Loucuras amorosas... Nunca falou para ninguém... Escondeu os meus segredos... Somente ria das minhas vontades... De amante insaciável... Sou teu eterno namorado... Amante das mil e uma madrugadas... Agora mesmo... Ao olhar para Você... Percebo que está sorrindo para mim... Meigamente revelando... Que a razão de ser bela... É a paixão que tem pelo poeta das noites... Que nunca deixará de te amar... Lua cheia... Nova e minguante... As tuas fases... São mostradas sensualmente... De forma nua e clara... Brilhante nos noites estreladas... Não existe coisa mais bela... Que é ter a tua companhia... Caminhar pela areia... Ver o brilho da tua beleza... Fotografando o mar... Tendo como testemunha a... Mulher amada... Hoje não poderei ir com Você... Companheira de grandes jornadas siderais... Visitar os locais de boemia... Nem mesmo percorrer os salões de baile... Quero que fique ao meu lado... Fortaleça meus sentimentos... Converse com os segredos da alma... Necessito que... Esparrames a tua luz nas estradas... Escuras do meu coração... Talvez na próxima vez... Acompanharei Você... Vamos matar todas as saudades que uma noite... Proporciona aos amantes... Perdidos na escuridão... Da madrugada... Tenho que apagar as mágoas... De seresteiro... Andando ao teu lado... Assim a sofreguidão se acalma... Não importa... Lua da minha vida... Se este poeta... Seja solitário nas suas andanças amorosas... Somos criaturas com a mesma alma... Criados no alvorecer do universo... Caminhantes apaixonados... Pela paixão... Que belisca a face... Dos aventureiros que tanto te amam... Foi acompanhando a claridade da tua beleza... Que encontrei a boemia... E as mulheres que tanto amei... Que não as encontro mais... Talvez estejam em outros recantos... Amando outros seres da noite... Sendo motivo de desespero... Ou de alegrias incontáveis...

Morena Encrenqueira

Eu fui até "lá" e não encontrei você...Mesmo que estivesse acompanhada...Não me importaria...Queria simplesmente olhar nos teus olhos...Somente matar a saudade...Resgatar imagens do passado...Fiquei por "lá" um longo tempo e você não apareceu...Percebi então que o teu "adeus" foi pra valer...Morena encrenqueira...Você foi embora e deixou uma profunda encrenca no meu coração...O tempo passa...Chega amarelar as imagens de outrora...Fica sempre o sentimento que nunca desaparece...Apenas adormece em nosso coração...Sentir saudade não é pecado e nem feio...É sinal de que o amor foi profundo e sincero...

terça-feira, 25 de novembro de 2014

FLORES DO LAMAÇAL

Nós somos como flores do lamaçal.../Têm momentos que exalamos profunda podridão.../Em outros exalamos perfume do campo.../Pendemos muito mais para o lado podre da vida.../Dependendo da situação somos muito mais violentos que os felinos.../Os animais matam para saciar a fome.../Nós matamos por vingança e ódio.../Tristes seres humanos...!Se esquecem que a sepultura será o final de todos.../Enquanto a alma residirá no lodo do umbral ou numa imensa planície de girassóis...Mesmo assim acreditamos que no final da estrada.../As flores do lamaçal exalarão somente o perfume do campo e dos mais belos jardins...

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Embriagante Magia da Noite

A noite tem uma magia e um grande mistério que emociona a mente e o coração das pessoas que frequentam as noitadas. Cada noite tem um segredo que pouca gente consegue saber e entender. As pessoas se transformam. Mudam de atitude. São mais livres e libertinas. Tudo acontece e tudo vira um mito ou mesmo uma lenda. Os poemas da “Embriagante Magia da Noite” foram inspirados nos memoráveis momentos noturnos deste poeta. Ali desfilam personagens que se perderam pela madrugada, morreram de tanto amar ou desfaleceram agarrados em copos de bebidas. Dançarinos que ainda hoje dançam sem parar, procurando o par que fugiu, ou mesmo morreram abraçados com a saudade. Cada noite era um novo dia e cada dia era uma nova noite. Nos anos em que passamos casados com os amantes da vida noturna, a existência parou no tempo. O relógio foi jogado fora porque os ponteiros quebraram de tanta emoção. Ao chegar aos bailes, na porta de entrada, este poeta dizia: - “boa noite meia noite! Cá estou para te namorar e, se for preciso, morrer nos teus braços”. É também uma homenagem que faço aos boêmios e aos desatinados que enlouquecem as embriagantes noites. É fundamental lembrar que para tudo na vida há um tempo e enquanto esse tempo não acabar, que seja intenso, sem medo de degustar todos os momentos. Esta obra, que será lançada em 2015, tem o objetivo de mostrar o coração da noite e as várias nuanças que permeiam os seus frequentadores. Portanto, quando ler, poderá adentrar e viajar sem receio de ser censurado pela hipocrisia.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Bento Maurício e Letícia

Há pessoas que nascem para alguma missão na vida, ou para transformar o caminho de outras pessoas. Outras vêm para provocar nos seres humanos, momentos de tragédia e angústia. Cada pessoa carrega na bagagem, grandes e pequenos projetos, que ao colocarem em execução mudam a trajetória dos seus semelhantes. É a roda da vida que gira, determinando as noites e os dias dos habitantes da Terra. São seres especiais porque fazem a diferença por onde andam. Atraem grandes multidões, através da voz, ou de um dom artístico, ou mesmo pela magia da sua presença. Ao mesmo tempo em que são admiradas, amadas, são também invejadas e odiadas por pessoas que não admitem o progresso dos outros. Nasceu no dia em que o mundo cantava e as cigarras encantavam, com o seu canto, os transeuntes. Ele possuía brilho nos olhos, com uma imensa vontade de cantar e fazer da sua voz o símbolo da alegria. Não era rico nem pobre, simplesmente tinha o necessário para viver. Desde que colocou os olhos nas luzes da vida, sentiu que sua missão era cantar em cima de um palco, num baile, ou mesmo nas paradas de ônibus, pelo interior, para fazer as pessoas mais alegres. Quando completou seis anos de idade, ganhou do pai um violão, e com este presente fez dos seus dias, tempos de aprendizagem. Quem o via tocar, imaginava que nasceu com o dom musical, pois conhecia bem o instrumento. Não possuía vaidade pela sua capacidade de arregimentar pessoas em sua volta para ouvir o som do violão, ou de outro instrumento musical. Na visão do artista que era, percebeu que a cidade onde morava estava ficando acanhada, precisava mudar de endereço, ou mesmo de ares. Depois de uma despedida repleta de emoção e lágrimas, onde cantou a canção “Chalana”, Bento Maurício embarcou em direção à capital, para subir na escada artística. Na nova morada teria condições de aprender e mostrar ao mundo que nasceu para brilhar. No meio da viagem, na medida em que o ônibus avançava na direção do destino, Bento Maurício, adormeceu e teve um sonho. Nesse sonho, recebeu a informação que sua vida já estava desenhada, enquanto permanecesse vivo, teria que cantar nos mais diversos pontos isolados das estradas. Os hotéis de beira de estrada, as rodoviárias, os bares, seriam o palco, onde os versos e os cantos poderiam ser apresentados aos ouvintes solitários e desgarrados da vida. A cada passo que dava, não estava se despedindo, apenas caminhando para o futuro. O presente se alongava, porque a emoção exigia que assim o fosse. Percebeu que o sonho foi um recado, quem sabe, um aviso dos donos do destino, ou um compromisso assumido em algum ponto das existências. No coração e na alma de Bento Maurício, o som musical sempre foi o companheiro da longa caminhada. Nos momentos de sofreguidão, quando o caminho se tornou solitário, foi na música e nos instrumentos musicais que buscou a certeza de melhores dias. Ao parar para abastecer numa pequena cidade do interior, o motorista do ônibus, olhou para Bento Maurício e disse: - E aí violeiro, não vai descer para tomar um café? - Boa ideia. É isso que vou fazer. – respondeu Bento Maurício. Enquanto os demais passageiros foram fazer lanche, Bento Maurício pegou o violão e ali mesmo, na Rodoviária, cantou uma linda melodia, despertando a atenção dos transeuntes noturnos. Era quase meia noite, soprava um leve vento frio, tornando o local propício para ouvir canção romântica, ou mesmo aquela que leva a alma a descansar. Após cantar algumas músicas, Bento Maurício embarcou no ônibus, deixando para trás uma imensa saudade nos habitantes da rodoviária. A madrugada reinava silenciosa, e pela janela do ônibus, Bento Mauricio ia observando a paisagem do interior, fazendo com que seu coração ficasse cada vez mais triste. Porque foi no interior que ele cresceu e, naquele momento, grandes emoções o aguardavam; talvez profundamente diferentes de tudo o que já tinha vivido. No final do corredor do ônibus, uma jovem, com pouco mais de 18 anos, observava o violeiro e sua viola. Ouviu atentamente as músicas tocadas por ele e, silenciosamente, deixou que seu coração abrisse a porta para que a musicalidade adentrasse na alma. Para conhecer melhor Bento Maurício, a moça se aproximou, dizendo: - Boa noite, cantador! Adorei ouvir as tuas melodias, cheguei a viajar pelo tempo. Fiquei atraída por tua cantoria, que deixou meu coração apertado. - Obrigado, minha jovem. Que bom que você gostou. – respondeu Bento Maurício, feliz em ouvir as palavras elogiosas. - Achei bonito você ter parado na rodoviária e cantar para os passageiros que aguardavam a chegada do ônibus. Você parece ser alguém especial, pela forma que canta, passa uma energia forte e bela para as pessoas. – acrescentou a moça. - Você é jovem e já tem esse pensamento sobre a vida. Desculpe, mas como é o seu nome? – perguntou Bento Maurício, com os olhos vidrados na linda moça a sua frente. - Eu sou Letícia, estou indo para Florianópolis visitar parentes que faz tempo que não vejo. – Revelou, com interesse em aprofundar a conversa com o violeiro. - Bento Maurício, às suas ordens. Na verdade, sou natural de São Miguel do Oeste e pretendo conhecer todas as cidades do nosso Estado, e depois seguir viagem pelo Rio Grande do Sul. Quero cantar em todas as cidades, de bar em bar, de salão em salão, pretendo fazer da minha vida uma longa apresentação musical. – afirmou ele, abrindo o coração para Letícia. - Humm... Que coisa linda! Quando ouvi a tua voz lá rodoviária, senti que estava prestes a conhecer uma pessoa diferente e especial. Muitos jovens, na nossa idade, não têm esse tipo de pensamento. Querem apenas fazer da vida uma viagem sem nenhum significado. E você, assim como eu, que gosto de escrever poesia, temos uma relação profunda com a existência humana. Enquanto o ônibus trafegava suavemente pela rodovia, a conversa entre Bento Maurício e Letícia rolou por um longo tempo, cantaram várias melodias, riram, e se olharam como dois velhos conhecidos. Não restou nenhuma dúvida que ali estava acontecendo algo extraordinário entre duas pessoas. Parecia que era um reencontro de almas que marcaram encontro para continuar a jornada na Terra. Um novo dia estava surgindo quando chegaram à Lages. Bento Maurício pegou o violão, e disse para Leticia: - Eu vou parar um tempo aqui. Quero cantar para esse povo. Depois, vou continuar a viagem. - Bento Maurício, gostaria de ficar com você. Sinto em minha alma imensa necessidade de continuar ao teu lado, para formarmos uma dupla, onde posso fazer a segunda voz. Quem sabe você compõe música escrita por mim. Você me ensina a tocar violão e vamos vivendo, alegrando as pessoas tristes dos vales e das planícies da nossa terra. É assim que meu coração pede e almeja... Quero voar na música e no canto, sempre ao teu lado. Conhecer o mundo, despertar a alegria nas pessoas. – revelou Letícia, totalmente envolvida nas garras da paixão pelo violeiro. - Letícia, eu também fico profundamente honrado com a tua proposta. Até parece que já nos conhecemos há muito tempo. Não conheço nada no sentido espiritual, de reencontro das almas e dos seres que já viveram em outras estações da vida, mas sinto um aperto muito grande no coração só em pensar que você possa embarcar e que nunca mais possamos nos ver. Fique comigo e vamos viver a vida cantando, sem nenhum compromisso, apenas alegrando as outras almas entristecidas. Também quero conhecer todos os recantos do mundo e voar junto com você, como dois passarinhos sem ninho, assim como fazem as aves de arribação, que embelezam as montanhas. – acrescentou Bento Maurício, agradecido por ter conhecido a sua cara metade. - Bento Maurício, no domingo passado, sonhei que estava na rodoviária esperando por alguém que sentia grande saudade. Agora, entendo o significado desse sonho. Nada vai nos separar. Você é dois anos mais velho e tem mais experiência do que eu e, assim, poderemos formar um lindo casal, onde o respeito e o amor serão o norte de nossas vidas. – afirmou Letícia, com os olhos cheios de lágrimas. A vida e o destino não são escritos por nós no momento do caminhar. Tudo é montado em algum lugar que nós não sabemos. Cada um de nós tem uma trajetória, que em certo ponto se junta a alguém para construir uma obra de envergadura existencial. Bento Maurício e Letícia, depois daquele dia, nunca mais se separaram. Casaram, tiveram dois filhos, fazendo do canto e da música, a esperança para outras pessoas nas mais diversas cidades que se apresentaram. Foram dois pássaros que saíram do ninho para, lá na frente, formarem uma dupla de seres destinados a encantar os caminhantes. Conheceram todos os recantos, sempre deixando emoção, saudade e apertos nos corações dos transeuntes. Fosse nos bailes, na TV ou no Rádio, a dupla contagiava, pela forma linda e alegre com que se apresentava, mostrando que a vida, por mais difícil que possa ser, sempre tem um grande significado. As letras, escritas por Letícia, trazia um caminho para as almas viventes da Terra. Nunca entraram em discussão com outras pessoas, eram carinhosos um com o outro. Nasceram para viver juntos; fazendo da jornada uma bela composição musical. A musicalidade e a energia acalmavam o mais triste e raivoso dos seres. Ao completarem 60 anos de carreira artística e 82 de vida, quando seguiam viagem para Dionísio Cerqueira, para se apresentarem, o carro que viajavam se perdeu numa curva indo bater de frente com um ônibus, que seguia para Chapecó. Não viram e não sentiram nada, porque dormiam no momento da colisão. Suas almas, agora, estavam cantando no céu, pois no momento da morte, os anjos fizeram da travessia, um longo sono; sem dor, apenas, a ruptura de uma mágica vida. Para a polícia, o culpado foi o motorista, que também dormia ao volante. Nas rodoviárias do interior, no silêncio da espera do próximo ônibus, alguém ligou o radinho de pilha, e a voz de Bento Maurício e Letícia adentrou nos corredores, transformando a tristeza em momentos de alegria. Já no baile do Pacheco, em São Miguel do Oeste, o gaiteiro João, relembrou a famosa música “Canta Coração”, de autoria de Letícia e Bento Maurício. Lá nas alturas, onde o paraíso é o reino das almas felizes, o casal de violeiros canta as suas melodias, alegrando as almas que viveram na Terra. Por mais melancólica que possa ser uma alma, nesse momento de cantoria, essas almas saudosas ficam felizes, porque tudo passa, até mesmo os instantes de infortúnios vividos na Terra. Nas moradas do Eterno, Bento Maurício e Letícia são criaturas amadas e respeitadas, porque já viveram em diversos mundos, sempre levando o amor e a alegria aos viventes.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O MISTÉRIO DA PEDRA

OBS: O poema abaixo foi escrito em 2003 e faz parte da obra "EMBRIAGANTE MAGIA DA NOITE", a ser lançada em 2015. Ninguém deve saber da existência/ Da pedra mágica/ O local dos nossos encontros/ O segredo é a doce paixão dos andarilhos/ Da noite.../ Guarde com Você/ Que um dia/ Encontrou o verdadeiro prazer/ Não fale nem mesmo para a tua sombra/ Que sou o teu amor proibido/ E Você é o meu doido amor/ Que somos dois aventureiros/ Sem medo de sermos insaciáveis.../ Não diga para ninguém/ Sobre as fantasias de mulher casada/ Nem todo mundo pensa como nós/ Guarde com Você/ No canto do coração/ O imenso mundo/ Do prazer de uma linda mulher/ A estrada é longa e larga/ A paixão é infinita/ Tem gosto da madrugada/ Perfume de quarto e lençóis/ Convidativos.../ Se sentir saudade dos meus fortes abraços/ Procure-me na calada da noite/ Terei o máximo prazer/ Em ter Você nos braços/ Fechar os teus lábios com/ Molhados beijos/ Acender e apagar o fogo/ Nem que para isso precise/ Ficar uma noite inteira/ Saciando o teu desejo.../ Guarde o sabor/ De uma fogosa mulher/ Não deixe ninguém experimentar/ A doçura do teu corpo/ Deixe que o teu amante da noite/ Seja o único/ A saborear as gotas de suor/ Que cai toda vez que transamos.../ Não telefone para mim/ Você sabe onde me encontrar/ Não vou procurar/ Sei que precisas dos meus carinhos/ Sabe que sou viciado nos teus gemidos de felina/ Enquanto isso/ Vamos viver a nossa paixão/ Saboreando os prazeres das nossas vidas.../

A MORENA DO POETA

OBS: O poema abaixo foi escrito em 2006 e faz parte da obra: "EMBRIAGANTE MAGIA DA NOITE", a ser lançada em 2015. Hoje gostaria de estar nos teus braços/ Ficar uma noite inteira/ Beijar cada parte do teu corpo/ Ouvir a nossa música/ Dançar lentamente/ Fazer do silêncio dos amantes/ Uma eternidade.../ Esquecer que o mundo está girando/ Que existem guerras/ E a economia está deixando muita gente em pânico/ Lembrar apenas que/ Apesar de tudo/ É ao teu lado que realizo as minhas fantasias.../ Sei que sou homem da noite/ Fui levado por inúmeras circunstâncias/ Das quais não condeno/ Reconheço que foi na berlinda da escuridão/ Que encontrei a calmaria que tanto necessitava/ Nesse tempo/ Sempre procurei viver intensamente/ Sem fechar nenhuma porta/ Ao contrário/ Abri várias janelas/ Deixando entrar a luz da lua cheia/ Diante de tudo/ Que bom seria/ Se hoje/ Nesta noite/ Você estivesse ao meu lado/ Curtindo os prazeres dos loucos amantes/ Bebendo a nossa bebida/ Esquecendo das intermináveis brigas/ Dos ciúmes de adolescente/ Das tuas juras de mudança/ Não cumpridas/ Das diferenças que existem entre nós/ Enfim... Sentir os teus lábios molhados/ Grudados nos meus/ Fazer amor inúmeras vezes/ Cansando gostosamente/ Dormir ao teu lado/ Acordar com o sol do meio dia/

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Sob o Jugo do Umbral

Ao ouvir a música “Sonata ao Luar”, de Beethoven, sabia que estava sendo levado para algum lugar desconhecido, mas que era bom. A minha alma, outrora destemida e guerreira, estava sendo levada tranquilamente para o descanso, onde todos querem e sonham em ir. As nuvens do céu bailavam ao sentir o meu caminhar. O mundo é vasto e o universo vai muito além de nossa curta imaginação. A calma que eu estava sentindo era irrestrita, fazendo com que meu coração batesse gradualmente, quase parando. Cada segundo da viagem parecia uma eternidade, somente ouvia a música comandar as minhas emoções. As dores e os sofrimentos estavam ficando estacionados no tempo, talvez sendo arquivados na memória espiritual. Tinha a certeza de que a morada da minha alma seria outra, aquela imaginada nos momentos de prece. Junto comigo, dois seres caminhavam, tranquilos e certos do que estavam fazendo, quem sabe, acostumados com esse tipo de trabalho. Os nossos passos não deixavam marcas, parece que estávamos volitando. O caminho era repleto de flores vermelhas e brancas, plantadas em volta de pedras redondas, parecia que foram projetadas por algum arquiteto com uma visão romântica da vida. O perfume exalado pelas flores era embriagante e, ao mesmo tempo, servia de tranquilizante. Depois de uma longa jornada terrena, onde tudo foi profundamente raivoso, triste e melancólico, os passos que eu estava dando parecia um sonho, e, para ter a certeza de que não era sonho, perguntei à moça que estava ao meu lado: - Onde estou e para onde vou? - Cristiano, você está caminhando pela planície do revigoramento espiritual. Aqui as tuas energias serão revitalizadas para o passo seguinte. Depois de um longo tratamento, ocasião em que as tuas feridas serão curadas e cicatrizadas, você estará pronto para assistir ao filme da tua vida espiritual. Todos os dias, durante um longo período, você vai ver onde errou e porque errou. Tudo será realizado com acompanhamento de um psiquiatra, que vai explicar a necessidade da reencarnação e dos resgates. – respondeu a jovem, com autoridade do que estava dizendo. - Será que vou ficar curado das minhas chagas? As dores do meu corpo não existirão mais? Os meus inimigos virão atrás de mim? Voltarei a ser o que eu era? – fiz várias perguntas a ela, me esquecendo de perguntar o seu nome. - Antes de continuarmos a conversa, eu sou Leda, e o meu companheiro de jornada, é Luís. Para cada pergunta, terá um tempo, ou melhor, o seu tempo para a resposta. Não se preocupe que aqui nada vai te acontecer de errado. Você foi retirado do poder dos chefes do umbral, por uma equipe comandada por Juliano, mentor maior dessa Colônia. Tudo vai depender da tua fé e da tua determinação em colaborar. Você permaneceu no reino das sombras do Quinto Umbral por mais de trezentos anos. No início, trabalhou intensamente contra a luz e, aos poucos, vendo as injustiças cometidas e outros atos bárbaros, resolveu abrir uma dissidência. Foi aí que os chefes do umbral colocaram você na masmorra vermelha, próximo do Sol. Portanto, aos poucos, você vai entendendo os caminhos que irá percorrer e as razões de estar em tratamento. – explicou Leda, demonstrando um grande conhecimento da Colônia. Antes de adentrarmos a um grande prédio, todo azul, Luís disse: - Cristiano, vamos sentar um pouco aqui nesse banco dessa pracinha, precisamos conversar sobre o que você vai fazer dentro desse prédio. Esse departamento cuida de todos àqueles que são resgatados das mãos dos chefes do umbral. Também acolhe os próprios líderes das sombras, que resolverem mudar de lado, ou deixar de praticar atos insanos contra as divindades celestiais. O irmão Juliano, antigo imperador romano, hoje comandando essa Colônia, tem um apreço especial por todos aqueles que estão em tratamento. Como você pode bem observar, ele é todo azul por fora e cinza por dentro. Todas as salas possuem flores do campo, dando uma visão angelical, que acalma os desorientados que aqui chegam. Não fique ansioso com o tempo. Relaxe, e procure deixar que as coisas caminhem naturalmente. Nós sabemos que é difícil. Eu também fui resgatado e hoje estou trabalhando como tarefeiro. Depois dessas explicações de Leda e Luís, fui levado para dentro do prédio. Como bem disse Luís, o perfume das flores do campo relaxava e, ao mesmo tempo, servia como calmante para as minhas dores. As minhas chagas, aos poucos, começaram a parar de sangrar. Subimos dois pavimentos e no final do corredor, do lado direito de quem entra, fui colocado numa cama totalmente branca. Adormeci por um bom tempo, nem sei quantos dias e horas. Ao acordar, dois enfermeiros me levaram para tomar banho numa banheira de água escura. Segundo eles, essa água servia de remédio para as minhas doenças. Após o banho, fui levado, pela irmã Leda, para conhecer os demais aposentos, onde observei os detalhes e a organização. Ali, tudo tinha um sentido, e nada se parecia com os departamentos de saúde da Terra. A começar pela higiene e a limpeza, o extremo cuidado com o manuseio dos equipamentos médicos deixavam qualquer um de boca aberta. Tudo era feito com carinho, pelos trabalhadores da instituição. Ao passar pelo departamento feminino, uma jovem me chamou à atenção. Era ruiva, e tinha os cabelos raspados. Perguntei para a irmã Leda quem era. Fui informado que a referida moça tinha ficado vários séculos como noiva do principal chefe do Terceiro Umbral, nas profundezas da Terra. Ela, no passado, foi filha do irmão Juliano que, por muito tempo, tentou, em vão, resgatar a filha das mãos do Chefe do Terceiro Umbral. Após a explicação sobre a moça ruiva, voltei a perguntar à Leda por que a classificação de umbral e ela disse: - Os chefes do Grande Umbral fizeram essa classificação de acordo com o grau de endividamento dos seus servidores e escravos. Essa hierarquia também serve para os próprios líderes que pretendem seguir carreira na organização do mal. A nossa Colônia fica entre o Segundo e o Terceiro Umbral, para que possamos atender todos aqueles que querem sair da lama da escravidão, ou mesmo se redimir dos seus erros. Eu, há muito tempo, também cansada de viver e servir aos chefes do umbral, pedi ajuda ao irmão Juliano, que prestava socorro na região onde eu estava. Na ocasião, foi realizada uma grande guerra entre os guardiões da luz e os soldados da escuridão. No final, foi feito um acordo e eu vim para cá. Segui todos os caminhos de recuperação e, hoje, estou muito feliz em trabalhar pelo lado da luz. - Por que você trabalhava com o mal? – perguntei, com surpresa, pois Leda parecia ser uma pessoa extremamente bondosa. - A vaidade, Cristiano! Eu era filha única de um grande minerador das Astúrias, hoje Espanha. Muito linda e cheia de pretendentes, acabei me envolvendo com o filho de um general sanguinário. Mistura de vaidade, orgulho e prepotência, segui o caminho do mal e ao desencarnar, de forma violenta, fui recepcionada pelo grande Chefe do Umbral Segundo. Fiquei ao lado dele por muitos séculos. Participava de orgias, era usada sexualmente por todos os tenentes do chefe do Umbral Segundo. No início, me achava uma rainha, sendo a predileta de homens poderosos. Nós, mulheres, nesses momentos, somos levadas pela vaidade do poder e do dinheiro. Como tudo cansa e enjoa, esses chefes da escuridão, começaram a me colocar de lado. Fiquei raivosa e por muitas vezes tentei agredir as prediletas deles. As surras foram muitas, e violentas. Depois, já cansada, nos momentos de silêncio, quando as lembranças do amor do meu pai e da minha mãe me vinham à memória, chorava copiosamente. Até que um dia, ao observar o irmão Juliano atender uma senhora, senti que era o momento da minha transformação. O resto você já sabe. Pelo que estava vendo e sentindo, todos os moradores da Primeira Colônia - agora eu já sabia que onde morava tinha um nome – possuíam uma bela história existencial. E que todos tinham passado pelas mãos dos chefes do Grande Umbral. Será que todos nós precisamos sofrer uma dor profunda, para depois caminhar para o bem? Será que a dor ensina o caminho da verdade e da luz? O tempo tem o seu momento e caminha inexoravelmente para uma direção, sempre sob o comando do Plano Maior. Eu estava bem, pronto para assistir aos meus filmes onde fui o principal ator. A irmã Leda, certa manhã da primavera da nossa Colônia, veio ao meu quarto e disse: - Cristiano, a tua hora chegou. Vamos ao Departamento de Filmes e Fotografias de Reencarnação. Você vai ter todo o tempo que necessitar, para ver as fotos e assistir aos filmes da tua existência espiritual. Essas fotos e filmes são depois da tua chegada de Capela. É importante que vejas e assistas a tudo. Depois, irás, como já dissemos, passar por um tratamento com um psiquiatra de vidas passadas, onde poderás tirar as dúvidas. Após essas demandas, o irmão Juliano irá te chamar para discutir as tarefas que irás desempenhar. Adianto, que tudo leva a crer, que teu trabalho se desenvolverá no Quinto Umbral, nas profundezas do território muçulmano, região que, há séculos, vive em guerra. Aqui não se tem pressa, mas não podemos parar. Antes de seguir para o Departamento de Filmes e Fotografias, o irmão Luís me ofereceu uma xícara de ervas, para servir de calmante nos momentos de emoção que eu iria passar. Segui os caminhos e as orientações dos referidos irmãos da luz. No primeiro ano, foi muito difícil, por alguns instantes caía em lágrimas, gritava pedindo perdão, sendo socorrido por assistentes do Departamento. Com muito trabalho, fé e humildade, vi o meu passado. Sabe, fica difícil transcrever as cenas, os horrores de todos os tipos. Não vou detalhar, até porque não precisa. Imaginem cenas das mais violentas possíveis. Imaginaram? Então, agora, vejam como o Plano Maior é bondoso conosco. Mas tudo tem o seu preço. Irei trabalhar arduamente, para pagar todas as minhas dívidas, e não escolherei tarefa. O importante é seguir em frente, com profunda humildade e sem nenhuma arrogância e prepotência. Depois de muito tempo no Departamento de Filmes e Fotos, fui levado para conversar com o irmão Fiodor, sobre as dúvidas e as sequelas das minhas reencarnações. Tivemos várias horas de diálogos. Ele era engraçado e muito gentil. Para tudo tinha uma razão de sorrir e rir das coisas. Fiodor dizia que todos ali na Colônia eram condenados e exilados de algum lugar e por algum motivo. Portanto, ninguém poderia se arvorar em afirmar que não tinha praticado erros violentos. Como bom paciente que estava sendo, cumpri rigorosamente mais uma etapa do meu tratamento. Estava no início do inverno astral, e a Colônia estava passando por uma transformação. Uma grande leva de espíritos vindos da África, em decorrência de uma febre mortal, estava chegando. Eram criaturas que reencarnaram para resgatar dívidas de outros tempos, exatamente no mesmo local que praticaram seus erros. Segundo informações colhidas com os assistentes do portal da colônia, essas criaturas eram senhores feudais que sacrificaram e mataram centenas de pessoas. Receberam tratamento na Colônia, e retornaram para cumprir as suas missões. Agora, mais uma vez em tratamento, passariam para outro tipo de encaminhamento. Segundo a irmã Leda, eu já estava na nova morada, há exatamente 20 anos, isso tudo em tratamento. Mas, para mim, parecia bem mais, porque o tempo demorava a passar, mesmo assim era dignificante em todos os sentidos. Senti que a minha hora estava chegando e o encontro com o irmão Juliano era eminente. Certo dia, numa bela manhã, quando as flores dos jardins da Colônia estavam com toda a sua exuberância, irmã Leda e o irmão Luís vieram ao meu encontro, dizendo: - Cristiano, caro irmão, venha conosco, vamos até o gabinete do irmão Juliano para conversar. Numa mistura de alegria e expectativa, segui a indicação dos referidos irmãos. Chegando lá, o irmão Juliano veio até mim e disse: - Seja bem vindo, Cristiano, há muito que espero por esse momento. - Obrigado, irmão Juliano. – afirmei, um tanto surpreso. - Como você está? – perguntou, carinhosamente. - Estou bem e pronto para novas tarefas. – respondi, muito feliz. - Então. Depois de tudo que passou, é hora de novos ares e novos compromissos. É ajudando que se é ajudado. Você foi resgatado para cumprir uma grande tarefa. No Plano Maior, tudo tem um sentido. Tem alguém muito especial que precisa da tua ajuda. É um espírito que veio contigo, na última leva dos exilados de Capela. Vocês dois se desviaram do caminho e acabaram caindo nas mãos dos chefes do Grande Umbral. Por você ser mais experiente e mais velho, o Plano Maior achou melhor trabalhar contigo primeiro, para depois tentar tirar do atoleiro, o teu neto. Hoje ele está trabalhando no Umbral Primeiro, na crosta da Terra, onde comanda a Legião dos Estupradores Vingativos. Irão contigo a irmã Leda e o irmão Luís. Não importa o tempo que levem, desde que tragam para o nosso meio, esse querido irmão que está nas garras dos chefes da escuridão. - Como se consegue ficar tanto tempo preso nas teias do mal? – perguntei, porque sempre achava estranho e, ao mesmo tempo, muito forte, o domínio que exercem os chefes do mal. - Caro Cristiano, todos nós temos fraquezas e mazelas. E são nessas fraquezas que somos dominados. Você tinha uma fraqueza, por bebidas e jogos. Logo, foi por esse caminho que você caiu na rede. Já o teu neto, Marcos, foi na área sexual. É a Lei da Sintonia, que funciona em todos os graus do universo, tanto do lado do bem quanto do lado do mal. Eu vou estar em sintonia com vocês e, em qualquer dificuldade, mandarei reforços para ajudá-los. E assim aconteceu. No dia seguinte, volitamos até ao Primeiro Umbral. Não foi fácil, as armadilhas estavam em todos os lugares. Do meu lado, sempre vinha quadros de mesas com jogos e bebidas, mostrando que estava a caminho de um luxuoso cassino. Consegui suportar as tentativas dos irmãos das sombras, sempre sintonizado com o Plano Maior, fui caminhando ao lado de Leda e Luís. Eles também tiveram suas dificuldades, cada um segundo as tendências do passado. Enfrentamos todas as vicissitudes para chegar até as redondezas da cidade do Umbral Primeiro. Ao nos aproximarmos de um grupo de homens gritando, ouvimos uma mulher, que chorava muito, pedindo ajuda. Estava sendo estuprada de todas as formas. Para mantermos a sintonia em alto, a irmã Leda disse: - Imaginem que todos estão doentes e nós somos os médicos. Imaginem que teremos que levá-los numa maca, porque estão necessitados. Não entrem magneticamente no quadro que estamos vendo, transformem o quadro com amor e carinho. As coisas ficaram complicadas. O homem mais alto e violento, olhou para mim e disse: - Conheço você de algum lugar. Venha participar da nossa festa. Essa mulher precisa de castigo. - Ele é da luz. – revelou outro homem próximo de nós. - Então, o que vocês querem aqui? – perguntou o que tinha feito o convite para eu participar da festinha. Naquele momento, senti que aquele era o meu neto. Os nossos olhos se cruzaram e as sensações do passado começaram a chegar. Ele saiu de cima da mulher e se aproximou de mim dizendo: - Será que você é quem eu imagino que seja? – perguntou, assustado. - Sou sim. – respondi, demonstrando muito amor e saudade. - Não é possível. Disseram-me que você voltou para Capela. Fiquei com raiva, e me voltei contra os homens da luz. Nesse momento, quando estava quase sensibilizando o meu Neto, dezenas de soldados dos Chefes do umbral Primeiro nos cercaram. A irmã Leda pediu ajuda pelo pensamento ao irmão Juliano, que respondeu prontamente. Não demorou muito, e o local ficou repleto de soldados da luz. Não precisou de luta, o meu Neto se jogou nos meus braços, pedindo socorro. Conseguimos cumprir a missão, levando mais de vinte criaturas que estavam nas mãos do mal. Há várias primaveras que meu neto faz tratamento. Eu, feliz, agradecido pela ajuda, continuo trabalhando na Colônia. Segundo o irmão Juliano, serei, no futuro, um dos responsáveis pela criação de outra Colônia, próxima à Colômbia. E, assim caminham os trabalhadores da luz, levando a paz, o amor e o perdão aos que precisam.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

À Beira do Rio Volga

O sol me acompanha há muito tempo, desde o início das minhas existências. A luz sempre me procurou, eu é que fiz de tudo para fugir dela. Os raios do sol, no amanhecer de vários dias, às vezes conseguia me alcançar, mas só ficava nisso. Os descompassos das minhas existências sempre foram intensos, nunca fiquei por muito tempo na Terra, era abatido em plena caminhada, porque quem procura acha. Eu sempre procurava o embate e o duelo, com a dor. No emaranhado da minha memória, não tenho lembrança se em algum momento consegui envelhecer, acabava caindo nas armadilhas da morte. Sempre me vi, morrendo de forma violenta, ou matando alguém, cruelmente. Hoje onde vivo tudo é escuro, úmido e frio. Quase sempre fico sentado numa pedra vendo as imagens do meu passado. Guerras, revoluções, estupros violentos, assassinatos, golpes de estado, roubos, cenas em que eu era protagonista. A última existência, talvez a mais violenta de todas, foi durante a Segunda Grande Guerra, onde vivi o papel de um oficial alemão, responsável por milhares de mortes. Como sempre, aos 49 anos voltei para a escuridão em consequência de uma cilada, patrocinada por oficiais superiores, que me viam como uma ameaça. Eles tinham medo das minhas crueldades. Às vezes, eu também ficava com medo dos meus impulsos violentos. Nas minhas contas, estou assim, desempenhando papéis cruéis há mais de dois mil anos, desde o apogeu do Império Romano. Se fosse contar a história das existências, precisaria dezenas de depoimentos. Hoje, vamos ficar nesse. O mais difícil de tudo é que me lembro de todos os acontecimentos, talvez seja essa a parte mais cruel das minhas vidas. Nunca esqueci, até mesmo quando estava na Terra, nas longas noites sem dormir, as imagens passam na frente, sem nenhuma censura. Acredito que tenha sido a forma que os céus encontraram para mostrar os meus erros, deixando o lençol descoberto para me punir. Determinada tarde, quando algumas pessoas de branco, caminhavam entre os desgraçados, uma linda moça se aproximou de mim e disse: - Como vai Calil? - Como você está vendo, agarrado na podridão e no lamaçal. – respondi sem dar muita atenção a ela. - Gostaria de conversar com você, posso? – perguntou a referida moça. - Podemos conversar desde que você não venha com cobranças. – respondi fugindo do olhar dela. - Eu sou a Talita, filha do Pavlov, aquele russo que você assassinou em 1780, na cidadezinha de Urla, na costa Rio Volga. - Sim eu lembro, faz tanto tempo, que até parecem cenas de um sonho macabro. – revelei, um tanto atordoado. - Eu vim aqui para conversar e não cobrar nada de você. Até porque, quem está nas condições em que você vive, não teria sentido. A justiça foi feita e continua sendo executada. – acrescentou Talita, sem nenhum ódio, apenas meiguice. - O que a filha do todo poderoso Pavlov quer comigo, assassino confesso? – perguntei sem entender nada, muito menos as razões da vinda dela no mundo podre em que vivo. - Calil, escute, a tua memória existencial nunca foi apagada para que sinta profundamente as dores dos erros cometidos. Mas tudo tem um momento para começar e terminar. O teu tempo acabou. Eu vim aqui para resgatar você do lixo e da dor. Sou a tua luz e o teu caminho, que muitas vezes fugiu. Não consigo deixar alguém muito importante, para mim, perdido no vale repleto de miséria e podridão. – revelou Talita, com ar de profundo amor e compaixão. Esse momento foi forte. Pegou meu coração na contra-mão. Fiquei tonto, viajei no tempo, indo a algum lugar das minhas existências, me vi caminhando de mãos dadas com uma linda jovem. Eu, rapaz, forte, bonito, e ela, loira, bela, com longos cabelos, como toda camponesa russa. Éramos dois jovens apaixonados. De repente, ouvi o tropel de cavalos vindo em nossa direção. Três cavaleiros se aproximaram e um deles desceu do cavalo e me agrediu com uma espada. Senti o golpe e caí no chão. Mesmo ferido, vi as cenas que se desenrolavam. A minha amada foi brutalmente estuprada até a morte. Depois dessa existência, nunca mais amei o mundo e as pessoas. Em todos os momentos, a vingança era o meu alimento, e fazia da raiva a minha bebida. Matei, estuprei todas as mulheres que encontrava pelo caminho. Perdi o amor da minha vida. Amava tanto Talita, que mesmo nos distantes locais em que vivi, a imagem dela, sorrindo para mim, surgia na minha frente. Enquanto essas imagens dançavam na memória, Talita disse: - Volte querido. Estamos aqui. Precisamos parar com o circuito de vingança. O homem que me estuprou naquele tempo em que vivíamos aquele grande amor, foi o meu pai que você assassinou enquanto dormia. Hoje, ele está aqui. Quer o teu perdão, para que possamos voltar a ser a bela família dos Karazontov do início da civilização Russa. Esqueça tudo e venha para a luz. Não vale à pena viver fugindo da luz e nos braços da escuridão. Preciso que você aceite. Quero caminhar ao teu lado. Chega de distância e de saudade. Vamos ao encontro da paz e do perdão. – exclamou Talita, com profunda emoção. - Não posso e não devo. Como poderei perdoar o homem que acabou com todas as minhas existências? Estou nesse lamaçal de vingança, ódio, rancor e outros crimes bárbaros há mais de dois mil anos. Nunca consegui viver em paz. E agora, querem que o perdão seja mais forte que a vingança e o ódio. Isso não vai acontecer. Foram muito tristes as minhas existências, até hoje não sei o que é sorrir, amar e ser amado. Fiz do rancor o meu alimento. Matei inocentes, com alegria e sem nenhuma piedade. – acrescentei, chorando muito. - Calil, meu amado, você e eu, precisamos terminar os nossos sonhos. Lembra quando você dizia que gostaria de morar numa dacha à beira do Rio Volga? Então, quem sabe, poderemos viver esse sonho, termos filhos, formar uma linda família. Você disse uma vez, que gostaria de ser pai de um menino e que ele seria um grande general russo. Quem sabe poderemos ser instrumentos, para que Pavlov reencarne, e desta maneira, mostrar que tudo é possível no reino do perdão. – ilustrou, de forma amorosa, a minha amada Talita. - Tenho medo de que alguém venha novamente destruir o nosso sonho. Receio que esse mundo que você está vivendo seja uma ilusão. Sempre vivi escondido nas ruelas e nas sombras. – falei, já com o coração mais brando e ansioso para que tudo seja diferente. - Ninguém mais vai destruir os nossos sonhos. Agora é outro tempo, evoluímos, somos melhores, compreendemos o que é crescer com a dor e o sofrimento. Aceite o meu pedido! Quero que você venha. Deixe esse mundo que nunca te pertenceu, porque você sempre foi meu, mesmo nesse tempo todo, nunca deixei de te amar. Você será levado para tratamento num hospital, onde será curado das enfermidades adquiridas ao longo do tempo. Depois de um estágio na Terra, como surdo-mudo e aleijado, voltará, para aí sim, completarmos a nossa vida, interrompida tragicamente. Seguirei os teus passos, como sempre fiz nesse tempo todo. Serei o teu anjo de guarda, segurarei firme a tua mão, para que não cometas nenhum erro, serei a tua ponte nas águas turbulentas. Se for preciso, carregarei você nos braços, para que possas avançar rumo ao nosso reencontro. – assinalou Talita, com energia, mas ao mesmo tempo, com profunda doçura na alma. Aceitei viver outra realidade. Saí dali carregado por ela. Segui a sua recomendação. Cumpri todos os passos para resgatar os meus erros. Depois de um longo tempo, após sentir na mente e no corpo as dores, voltei para a espiritualidade. Hoje estou pronto. Eu e Talita vamos reencarnar na beira do Rio Volga, para viver um casal de médicos, que atenderão pessoas necessitadas e com deficiências físicas. Teremos um filho, que virá com várias deficiências e que necessitará de todo cuidado. Nada é mais lindo e grandioso que chegar ao fim da estrada e ouvir o canto que um dia foi interrompido. Como é bom e gratificante saber que somos eternos, que temos alguém em algum lugar, que nos ama e quer que sejamos vitoriosos. As tempestades não são eternas, assim como após uma longa noite escura, sempre haverá um novo dia repleto de luz.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Así se Baila el Chamamé

De canto a canto de um salão...A gaita chama e o gaiteiro grita...O casal dança chamamé num bailado encantado...Tudo em volta gira...O salão fica pequeno para que o chamamé seja evidenciado...A beleza da dança está na forma que o casal expressa o sentimento corporal...O resto não é dança é lambança de passos truncados...É preciso deixar de lado os olhares da plateia para focar os passos e os compassos dos corpos em movimento...A sensualidade do chamamé vem de longe... Onde os deuses da dança nasceram...De lá pra cá o chamamé direciona o ponto central de um baile...Porque asi se baila el chamamé nos pampas portenhos...

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A Minha Alma Está Enterrada na Curva do Rio

Ao atravessar o rio não tenha saudade...Deixe que as águas levem as emoções...Olhe o teu jardim que a cada dia está mais florido...A alma de um poeta é como um jardim...A cada dia que passa encanta cada vez mais...Porque é abençoado pelo Universo...Ele é como um barquinho...Deixa ser levado pelas águas de um rio caudaloso...O poeta é também um instrumento musical que os anjos utilizam para cuidar das almas em tratamento...Ele sempre esta afinado com os mestres do céu...

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A Chuva

Dia de chuva...É quando lemos as cartas guardadas dentro do coração...A chuva deixa a pessoa introspectiva...Somos levados ao mundo que um dia foi criado por nós...Em momento que a nossa vida era uma eterna primavera...Cada gota de chuva que cai no telhado é o som da saudade que respinga nas emoções...Na estrada que caminhamos...Tudo encontramos e tudo passa por mais escura que seja a noite...A chuva também tem o seu momento de chegar e ir embora...

domingo, 14 de setembro de 2014

Roupagem da Alma

Entre o lago e o mar, construiu uma casinha de madeira com capricho e amor. Em volta dela, plantou um imenso campo de girassol, tornando a paisagem deslumbrante e ao mesmo tempo, repleta de uma magia transcendental. Quando o vento soprava do norte, os girassóis faziam um bailado, jogando o aroma para as planícies e vales da região. Ao amanhecer, os raios do sol se confundiam com as imagens da plantação de girassol, e no meio passava um pequeno rio, que desembocava num lago, tornando a paisagem ainda mais linda e aconchegante. Distante da cidade e perto da natureza aceitou viver e aprender as lições da solidão e da saudade. Para uns, Mané era um caboclo destinado a morrer agarrado às coisas do sertão e para outros, não passava de um nômade fugindo do progresso ou de um grande problema nunca revelado. Entre uma opinião e outra, na verdade, ele era uma pessoa feliz, porque entendia a razão e os motivos da sua situação, não reclamando dos infortúnios. Nessa bucólica paisagem, morava Mané, refugiado da vida, que escolheu um recanto para viver. Ele guardava no coração passagens vividas, quase sempre como protagonista. A vida para Mané não foi nada boa, fez dele um laboratório, onde as experiências eram colocadas em prática, sem piedade. Mesmo assim, nunca se importou com as dificuldades, fez das mesmas, escola de aprendizagem. De tudo que passou, nunca reclamou, sempre teve senso de humor, ria dos problemas e continuava vivendo, sempre acreditando que um dia tudo iria mudar. Tinha claro na mente, que alguma coisa sempre tem sentido nas ondas do destino. Nunca teve sorte com mulher, talvez pela sua aparência física, um pouco desajeitada. Mané, em alguns momentos, até achava engraçada a sua situação. Nas noites de lua cheia, Mané pegava a gaita de boca e tocava melodias caboclas, que aprendeu quando era moço lá na sua terra natal. As estrelas, com o brilho cintilante, jogavam raios de luz sobre o seu rancho, que numa mágica serenata, atraía os pirilampos. Parecia um mundo criado para acalentar a sua alma. Muitas vezes adormecia sentado na varanda, quase sempre acompanhado pelo olhar sereno da lua... Depois de um sono repleto de sonhos, acordava cedo, ligava o radinho para ouvir os clássicos caipiras e, junto com os raios do sol, pegava a enxada para trabalhar no campo de girassol. Criava algumas galinhas e patos e, junto com eles, formava a sua família. Com barba longa, pele morena e massacrada pelo tempo, Mané tinha as mãos cheias de calos, porque trabalhou a vida inteira no pesado. Ao dormir conversava com o Pai do Céu, agradecendo o dia, a saúde e acima de tudo, a vida. Era figura serena, bondosa e alegre, que atraía imagens e energias de pura tolerância. Com essas qualidades, Mané tornou-se o conselheiro da região e do campo. Todos gostavam de conversar com ele nos finais de tarde, na frente da sua casinha simples e ao mesmo tempo protegida pelas energias benéficas do universo. Era uma casa abençoada, onde a natureza se curvava pela simplicidade que irradiava do campo de girassol. Nas janelas da casa, colocou floreiras de gerânios de todas as cores, que mostrava a beleza em sua plenitude. O sol, depois de iluminar os homens na Terra, estava se preparando para ir embora, quando Mané recebeu uma visita inesperada. Era o Padre José, que estava em frente a sua casinha e queria conversar com ele, para pedir alguns conselhos. - Boa tarde, Mané! Desculpe por não ter avisado que viria, mas preciso da tua ajuda. – disse o Padre. - Boa tarde, Padre! Que bom receber a visita do Senhor na minha casa. Não tenho muita coisa para oferecer, a não ser a minha companhia e amizade. – avisou Mané. - Bondoso Mané, você tem a maior riqueza do mundo, que poucos têm. É o tesouro da bondade e do amor ao próximo; coisas que eu nunca consegui ter, mesmo falando em Deus em todos os momentos. – revelou o Padre José, feliz por estar conversando com Mané. - O Senhor é uma pessoa boa e vive dentro da casa de Deus, enquanto eu vivo distante, sozinho, sem nunca ter colocado o pé numa igreja ou em outro templo. – disse Mané, tentando se desculpar por nunca ter assistido missa. - Mané, escute! Tem gente que não sai da igreja, mas vive fazendo mal para os outros e com ódio no coração. São os lobos com pele de cordeiro, como dizia Jesus. – revelou o Padre José. - O Senhor acha? Será que tem gente assim? – questionou Mané, surpreso com a declaração do Padre. - Tem sim, Mané. Usam o nome de Deus para prejudicar os outros. Muitas guerras são e foram feitas em nome de Deus. Às vezes, acredito que o mais importante na vida é a prática. – explicou o Padre. - Tudo bem, quem sabe eles estejam plantando, para colher um dia. Eu acho que Deus não precisa de nós, mas nós precisamos Dele, porque foi Ele que nos criou. – disse Mané, com fisionomia serena e brilho nos olhos. - Concordo com você. São essas compreensões que eu ainda não tenho, por mais que faça oração todos os dias. Não consigo entender o comportamento humano. Por isso eu vim aqui para pedir a tua ajuda. Preciso dos teus conselhos. – assinalou o Padre. - Pode falar Padre, estou a tua disposição. Se puder ajudar, ficarei feliz. – respondeu Mané. - Eu sou Padre há mais de 30 anos e sempre procurei ajudar os outros, sem olhar a quem. Para mim, todos são filhos de Deus. Acontece que na semana passada, o Coronel Vidal veio me procurar dizendo que eu estava proibido de aceitar as prostitutas na Igreja, porque são filhas do demônio. Ele afirmou que se eu aceitá-las irá conversar com o Bispo para me tirar da Paróquia. Tentei convencê-lo do contrário, mas nada adiantou, inclusive, me ameaçou dizendo que os seus comparsas poderiam fazer uma visita surpresa na calada da noite. Desde aquele dia eu não consigo dormir. Qualquer barulho penso que são eles que estão vindo para me matar. Aí veio uma voz ao meu ouvido, dizendo que eu lhe visitasse. O que você me diz? – perguntou Padre José, com ar de amargura, medo e insegurança. - Meu amigo, não conheço nada de religião e nunca li coisa alguma a respeito da vida de Jesus Cristo. A única coisa que aprendi, na escola primária, foi que Ele foi morto pelos romanos, porque pregava o amor, o perdão e a tolerância entre os homens. O Coronel Vidal, para mim, está sendo igual aos romanos, quer comandar a vida dos outros, tirar a liberdade e não deixar que todos assistam à missa aos domingos. Não tenha medo, você tem o exemplo de Jesus. Quem sabe é o momento de você provar a sua fé. Não só aceite as ditas “mulheres da vida” na missa, como dê hóstia e faça a confissão. Assim, você estará mostrando que Deus é de todos e não dos poderosos. E ainda, um dia será recebido pelas mãos do Pai Eterno. – mostrou Mané, com profundo pensamento no infinito... - Se eu fizer isso o Coronel vai me matar. – disse o Padre, com muito medo. - O Senhor tem medo da morte? – perguntou Mané. - A morte é o fim de tudo e me parece ser um túnel escuro. As religiões fizeram da morte um grande tormento. – respondeu o Padre. - Eu acho que não. Talvez seja uma ponte, uma travessia, um sonho, que nos leva para outro mundo. Às vezes sonho que a vida continua e que aqui nada mais é do que uma escola. O importante é estar de bem com Deus e Jesus. – mostrou Mané, com profunda certeza do que dizia. - Está vendo? Não sei de onde você tira essas ideias. Lindas palavras, com profundo sentido. Eu também, às vezes, no momento de oração, sinto que realmente a morte é uma travessia... – lembrou o missionário, abrindo o coração ao seu amigo Mané. - Que bom que o Senhor pensa assim. Acho que tudo tem um sentido e uma lógica na vida. Isso não importa de onde venha e de quem esteja mandando, porque as coisas de Deus são diferentes, serenas e eternas. – disse Mané. - Quem sabe você conversa com o coronel Vidal. Ele tem uma grande admiração por você. Ele mesmo me disse certo dia. – ponderou o Padre. Mané, caboclo do interior, sem nenhuma instrução, mas com uma sabedoria extraordinária, aceitou o desafio para conversar com o Coronel. Alguma coisa lhe dizia da importância de ir à casa do Coronel, pois o momento era aquele. A sua alma sempre apontou na direção de uma conversa que iria mudar muita coisa na vida do Vidal e da sua filha. O coronel Vidal morava numa linda casa, nos fundos de um grande lago. Dali, com seus empregados, comandava a politica do Estado, sem nenhuma compaixão. Tudo tinha que ser de acordo com a sua vontade e de mais ninguém. Era temido até mesmo pelos seus amigos mais próximos. Era acostumado a bater e humilhar as mulheres, assim como as pessoas humildes. A primavera estava chegando e Mané admirava a plantação de girassol, regando todos os dias, pois há um bom tempo não chovia. Ao olhar para o lago, viu que vinham em sua direção, três cavaleiros. Quando se aproximaram, percebeu que um deles era o Coronel Vidal. Largou as ferramentas e ficou aguardando a chegada dos visitantes. - Boa tarde, Mané! Como tem passado? Está bonita a tua plantação de girassol. Toda vez que venho aqui, parece que estou entrando no paraíso, se é que existe. – revelou o Coronel Vidal, com alegria em estar envolvido no aroma do campo de girassóis. - Boa tarde, Coronel. Estava pensando no senhor agora mesmo. – respondeu Mané. - É mesmo? – perguntou o Coronel Vidal, surpreso com a declaração do caboclo Mané. - Então, as nossas vontades se uniram. Eu também preciso dar uma prosa com você. Gostaria que conversasse com o Padre José, para que ele não aceite as prostitutas na missa de domingo. É o dia que todas as famílias se encontram e não fica bem que essas filhas do demônio sejam recebidas na casa de Deus. – disse o Coronel Vidal, com ar de arrogância e mágoa. - Coronel Vidal, escute uma coisa: eu não sou ninguém, apenas um simples caboclo, que não entende nada das coisas da igreja e da religião, mas acho que Deus é pai de todos e não faz distinção. - Entende sim. Você tem sabedoria que poucos têm. Eu sei que você é ignorante nas leis dos homens, mas inteligente no conhecimento da vida. E não se faça de desentendido, porque eu já sei que o Padre esteve aqui na semana passada para pedir conselhos. – afirmou o Coronel Vidal, com olhos de tigre nervoso. - Coronel, ele esteve aqui sim, e pediu para que eu conversasse com o senhor para convencê-lo em aceitar as “mulheres da vida” na Igreja. Eu disse que iria conversar, mas o senhor acabou vindo antes. – ponderou Mané, com tranquilidade. - Nem tente me convencer, porque eu já não estou gostando do início da nossa prosa. Eu não quero ser convencido. Estou determinando! – disse o Coronel, falando alto. - Coronel, sente aqui nesse banco e vamos conversar com tranquilidade. Com uma boa conversa tudo se resolve. Tire o ódio do coração. Olhe o mundo com amor, veja as pessoas como irmãs e não como inimigas. – mostrou Mané, com imensa serenidade. - Eu até sento, porque gosto do teu jeito. É diferente, mas às vezes esquisito, mas me deixa calmo. Você tem uma forma que mexe muito com o meu coração. Não consigo ficar com raiva. – disse o Coronel Vidal, demonstrando que estava diante de alguém muito superior. - Primeiro, me diga, porque tem tanto ódio contra as pobres mulheres? – perguntou Mané. Nesse momento o ambiente se tornou mágico. O Coronel, antes autoritário, aceitou sentar-se no banco. O céu se tornou azul, sem nenhuma nuvem escura, e os pássaros ficaram em silêncio, como se estivessem querendo ouvir a conversa. A garça embalou um belo bailado no lago, tudo para tornar o momento de embriagante magia espiritual. - Eu vou responder a você. Não revele nada para ninguém da nossa conversa. Leve para o túmulo as coisas que vou dizer. Eu guardo um profundo remorso no coração. Faz cinco anos que a minha única filha resolveu se entregar para um negro, descendente de escravos. Engravidou dele. Não tive alternativa a não ser matar o negro e o filho que a minha filha tinha parido. Ela ficou profundamente raivosa e resolveu me enfrentar. Peguei o cinto e dei-lhe uma grande surra. No outro dia, ela desapareceu. Mais tarde, fiquei sabendo que ela é uma das prostitutas da cidade. A vergonha e o ódio são grandes. Pensei em matá-la, mas não tive coragem. – relatou o Coronel Vidal, com o coração estraçalhado. - Depois do erro, não adianta lamentar. Agora é preciso que o Coronel se perdoe, depois peça perdão a Deus e que Ele lhe dê uma segunda chance. – afirmou Mané. - Jamais irei fazer isso. E sou o Coronel Vidal! – disse o Coronel, mostrando os últimos resquícios de prepotência. - Todos nós somos filhos de Deus, tanto o negro que você mandou matar, que era o grande amor da filha que você jogou na perdição, como o seu neto, filho do negro e da tua filha, que você também mandou matar. – exemplificou Mané. Na medida em que a conversa ia avançando, o Coronel Vidal ia demonstrando que tinha algo de bom no fundo do coração. - Sabe, Mané, eu tenho outros segredos. Já que estamos conversando, vou contar outra coisa horrível que fiz e que até hoje me arrependo profundamente. Eu estou com 60 anos e tinha outro irmão, que se chamava Paulo José, e acredito que deve ter hoje 45 a 50 anos. O meu pai faleceu e colocou a maioria dos bens em nome dele e pouca coisa em meu nome. Não aceitei o testamento. Falei com Miguel, meu capanga, e ele montou uma emboscada para assassinar meu irmão e com isso toda a herança iria ficar para mim. Certa noite, quando Paulo José vinha da igreja, Miguel se aproximou dele para disparar o revólver e não conseguiu. Segundo me disse, um clarão apareceu na sua frente, fazendo com que os seus olhos fechassem de repente. Depois do episódio, nunca mais vi Paulo José, a não ser nos sonhos, onde aparece sorrindo, dizendo que me perdoa. - E você, não tentou encontrá-lo? – perguntou Mané. - Eu não teria coragem. A consciência pesa. – respondeu o Coronel. - Mesmo assim, você continua praticando erros, sem nunca mudar. Acredito que você ainda tem tempo para rever a filha e procurar o teu irmão. – mostrou Mané. - A minha filha vive na prostituição. Deve ter muita raiva de mim. Depois, não levaria ela para morar comigo. – ponderou o Coronel, já com o coração mais leve. - Impossível não é, desde que você os procure e peça perdão. – disse Mané. - Você vai me ajudar a resolver essa questão? – perguntou o Coronel Vidal. - Não sei. Preciso pensar, por que afinal, quem sou eu, para servir de ponte entre você e a sua filha? - Converse primeiro com o Padre José. Ele é uma pessoa boa. – assinalou Mané. - Engraçado, Mané, parece que conheço o Padre há muito tempo. Às vezes fico pensando e algumas imagens aparecem. Talvez seja a minha consciência que esteja reagindo. – revelou o Coronel Vidal, perdido no tempo. - Então, quem sabe não seja a oportunidade de aprofundar o conhecimento, ou até mesmo descobrir essas impressões? – revelou Mané. - Tenho medo e vergonha, fiz ameaças a ele. – lembrou o Coronel Vidal. - Não se preocupe, Coronel, quando a gente tem boa vontade para resolver algum problema que aflija a alma, os anjos ajudam. – disse Mané, mostrando ao Coronel que tudo é possível no reencontro das almas. Na simplicidade em que vivia Mané, de repente se via diante de uma situação de profundo conflito familiar. Numa conversa franca com o Coronel Vidal, mostrou da importância da conciliação e do perdão. Já o Coronel, após esse diálogo, sentiu no fundo do coração, que o caboclo Mané tinha razão e era o momento de procurar o Padre e sua amada filha. Não podia adiar mais, precisava ir ao encontro do Padre, e foi o que ele fez. - Boa tarde, Padre. Como vai o Senhor? – cumprimentou o Coronel. - Boa tarde, Coronel! Eu não tenho boas notícias para o senhor. – respondeu o Padre. - Padre, eu vim em paz, preciso pedir perdão. Desde que o Senhor veio para esta paróquia, sempre o ameacei. Eu não sei qual o motivo do ódio. Depois de uma conversa com o caboclo Mané, minha visão da vida mudou radicalmente. – revelou o coronel Vidal. - Coronel Vidal, fico profundamente feliz com a sua vinda. Sempre esperei por esse momento. – revelou o Padre, com lágrimas nos olhos. - Por que sempre esperou por esse momento? – perguntou o Coronel, bastante surpreso. - Coronel Vidal, eu uso barba desde que entrei no Seminário. Há muito tempo que perdoei você. Na verdade, eu sou o teu irmão Paulo José, que um dia você mandou matar. Naquele dia que o capanga Miguel fez a emboscada, estava indo à tua casa, para informar que estava liberando a herança para você. Eu fiz opção pelo caminho de Deus. Não preciso de riqueza. Mas você se adiantou e tentou me assassinar. Depois daquele dia, fui embora para nunca mais voltar. Nas noites de lua cheia e o céu estrelado, quando colocava a cabeça no travesseiro para dormir, pedia a Deus que cuidasse de você, meu amado irmão. Eu estou te perdoando. Agora temos uma família. Falta mais uma coisa que precisamos resolver, para que tudo seja realmente divino. – revelou o padre José. O Coronel Vidal, não suportando a emoção, caiu de joelhos. Ali, no chão, pediu perdão a Deus e ao seu irmão. A vida dá suas voltas e o Pai Eterno conhece o momento dos reencontros de almas, que num passado se desviaram do amor. É a plenitude da paz, do amor e do perdão, que Deus promove aos seus filhos. - Por favor, meu irmão, me perdoe! O que devo fazer para que você me perdoe? – indagou o coronel Vidal, de joelhos no chão e chorando como criança. - Vamos juntos resgatar Justine da vida que leva. Vamos trazê-la para junto de nós. Assim, estaremos montando uma família, que um dia foi destruída pelo orgulho e pela ganância. - concluiu o Padre José. - É isso que mais quero nesse momento. Preciso do amor de Justine. A minha filha amada, que ainda me lembro de quando ela era pequena quando sentava no meu colo, ficava olhando a boiada passar e nos domingos à tarde saíamos para passear nos campos. Tenho imensa saudade daquele tempo. Sabe, meu irmão, lembro também dos dias que brincávamos nos riachos das nossas terras. – disse o coronel Vidal, que naquele momento, parecia outra pessoa, com a alma mais leve e feliz. A vida na prostituição, no tempo dos coronéis, era profundamente cruel. Justine ainda mantinha a beleza de uma mulher nova e com cabelos loiros, pele branca, olhos verdes, voz suave; era a predileta dos homens ricos do interior. Desde que veio para a prostituição, guardava na alma a mágoa pelo que o Coronel Vidal, seu pai, havia feito. Ainda mais que matou seu amor e seu filho... Nunca iria perdoá-lo pelo que fez, desgraçando a sua vida. O sol ainda não tinha ido embora, a noite já jogava os raios de escuridão, Justine estava se preparando para mais uma noitada. De repente, ouviu duas batidas na porta do seu quarto. Abriu a porta para dar uma bronca, pois não estava na hora de trabalhar. - O que vocês querem aqui? Saiam da minha frente. Não quero ver aquele que desgraçou a minha vida. – determinou Justine com raiva. - Justine, minha amada filha, eu vim até aqui para pedir o teu perdão. Não vou embora sem que você me perdoe. – afirmou o Coronel Vidal. - Jamais darei o meu perdão. E você, padre, outro que odeio. Proibiu-me de assistir à missa, obedecendo às ordens desse assassino. Saiam os dois, ou chamarei os donos dessa casa maldita. – esbravejou Justine, com profunda revolta. Enquanto acontecia o áspero diálogo entre pai e filha, Mané caminhava na direção do quarto de Justine. Com sua energia de paz, se aproximou e disse: - Justine, como vai você? – cumprimentou Mané. - Agora estou bem, Mané, com a tua chegada. Estou tentando mandar embora esses dois canalhas do meu quarto. - Escute Justine. Você tem toda a razão do mundo para sentir e pensar assim do teu pai. Ele foi conversar comigo, para que eu intercedesse junto ao Padre, para proibir a presença das mulheres da vida na missa. Depois de uma longa conversa, mostrei a ele a necessidade do perdão entre vocês. Ele procurou o Padre José para pedir perdão, pois, na verdade, Justine, o Padre é irmão do teu pai e, portanto, teu tio. Eu sei que você tem um coração bom e vai aceitar o perdão do teu pai. Justine, aos poucos foi mudando a fisionomia. Estava cansada da vida que levava, sendo explorada de todas as maneiras. Sempre, antes de dormir, pedia ajuda aos céus para que ajudasse a mudar a sua vida. O seu amigo Mané sempre falou da importância da reconciliação entre os inimigos. De repente, abaixou a cabeça e disse: - Mané, meu amigo, eu me lembro da nossa conversa no natal passado. Você veio me procurar e nós dois fizemos uma linda ceia, onde trocamos um monte de conversa. Foi o natal mais lindo da minha vida. Você disse que um dia o meu pai iria me procurar para pedir perdão. – revelou Justine, mais calma, já com o coração mais aliviado. - Então, minha amiga, ouça esse caboclo simples. Abrace o teu pai e o teu tio. Construam uma linda família, onde o Pai Eterno se faça presente em todos os momentos. – conclamou Mané, com brilho nos olhos. Ali, na presença de energia do universo, pai, filha e tio se abraçaram longamente e deram adeus ao ódio, à vingança e à intolerância. Justine, a partir daquela noite, não mais dormiu na boate, foi dormir na sua casa, no mesmo quarto onde vivia. O padre José foi transferido para outra paróquia, e nos natais vem ao encontro de Justine e do coronel Vidal. Mané continuou sua vida simples, cuidando do campo de girassóis, até que numa noite de uma linda primavera, foi morar na eternidade, deixando muita saudade aos que conviveram com ele. Muita coisa mudou na vida dessas pessoas. O tempo passou, muitas noites esconderam o sol, expondo a lua. O coronel Vidal morreu num domingo de chuva, deixando a riqueza para Justine administrar. Lá, no outro lado do tempo, Mané esperava pelo Coronel, para fazer-lhe uma grande revelação. Em algum lugar do passado, o Coronel foi seu filho, que num momento de raiva, tirou-lhe a vida. A motivação foi riqueza, terra e dinheiro. Depois de ter assassinado o pai, matou também, sem piedade, a sua mãe, que nesta vida era a própria Justine. Mané veio para mostrar ao coronel Vidal, que tudo passa e que é fundamental o perdão e a reconciliação. Assim, o crescimento espiritual acontece, mesmo que sejamos cruéis e descrentes. No emaranhado das vidas, temos muitas coisas em comum e nada é por acaso. Hoje, pai, mãe, irmão, irmã, em outras existências com roupagens diferentes, mas sempre o mesmo espirito. Pela Bondade Divina, temos oportunidades de seguir em frente, amando e sendo amados, perdoando e sendo perdoados. São os laços existenciais determinando os destinos das almas.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Lágrimas do Céu

O céu está triste.../E o coração do Poeta aperta cada vez mais.../As nuvens da beleza não escurecem mais a terra onde mora os lindos amores.../No final da longa estrada dois corações se despedem.../Um dia irão se encontrar/Até lá, as lágrimas do céu cairão para refrescar a imensa saudade dos amantes.../Os anjos tocarão lindas melodias para acalmar os corações dos apaixonados.../Não lamente a despedida.../Porque o amor nunca morre...ele é eterno.../Jamais esquecerei o sabor dos teus beijos.../Se viajar antes de mim...me espere na estação da eternidade...

segunda-feira, 14 de julho de 2014

PAIXÕES DE HELENA

Nos confins do pensamento de Helena tudo tinha sentido, exceto os últimos acontecimentos, que aconteceram sem dar tempo para que ela pensasse numa saída honrosa. Até então tudo parecia tranquilo. Até mesmo o tempo estava contribuindo, o sol brilhava depois de duas semanas de chuva e a noite brilhava com a presença da lua cheia e as estrelas cintilavam no firmamento. Há momentos em que a vida é igual a uma longa estrada, sem curva perigosa. Quando acostuma-se com a calma, essa mesma estrada, antes tranquila torna-se traiçoeira. Foi um grande temporal e desmontou as emoções de alegrias, transformando-se em decepção e lágrimas. Quando se pensa que a felicidade existe, ela sinaliza que não. As duas paixões de sua vida viraram dois tormentos. A imagem a sua frente virou um tango triste, uma melodia que cortava o coração. Estavam no chão, as paixões que lhe deram momentos inesquecíveis. Dançarina de boate, durante a noite ela procurava viver a vida de acordo com o momento. Mas com os acontecimentos, a sua vida se transformou num profundo desastre sentimental. Desde os 15 anos, Helena trabalhava de noite e dormia de dia. Aprendeu a dançar tango com Camorra, dançarino argentino, em Buenos Aires. Foi ele que ensinou a arte da dança e da sensualidade, nos salões da capital argentina. Nesse período, foi amante dele e de seus amigos. Isso porque ela era dividida com os demais dançarinos de tango. Sempre depois das apresentações nos teatros, Helena e Camarro iam beber nos cabarés e depois acabavam a noite fazendo amor de todas as formas. Quando a rotina ficava muito tediosa, eles traziam o professor Marco Antônio para brincar de sexo a três. Helena, linda, magra, morena, olhos pretos, lábios carnudos, sabia os passos do tango, jamais errava um passo. Já Camarro, quando bebia demais, os passos se misturavam, dando a impressão que ia cair. Mas ela, conseguia fazer do erro um acerto com suas coxas sendo expostas aos olhos dos clientes. Muitos esperavam por esse momento, porque não era somente as lindas pernas que ela exibia e sim as partes intimas, pois não gostava de usar calcinha e nos giros dos pés, ao som de “Por Una Cabeza”, de Carlos Gardel, os clientes iam à loucura. Isso também foi ensinado por Camarro, um voyeur e conhecedor dos olhares sensuais da plateia dos cabarés. Buenos Aires, 1930. Ano do Golpe de Estado, conhecido também como Revolução de Setembro, que envolveu a derrubada de Hipólito Yrigoyen. Esse movimento foi conduzido por José Féliz Uriburu e Juan Domingos Perón. Enquanto o mundo político fervia, o tango era o remédio para as angústias e alegrias do povo argentino. Nas ruas e avenidas largas da capital argentina, com seus cafés, cabarés e alguns dos teatros mais importantes de Buenos Aires, Helena era conhecida e admirada por todos. O bairro San Telmo, um dos mais antigos e preservados de Buenos Aires, possuía uma atmosfera boêmia e era o local escolhido por artistas. Era nesse bairro que Helena, Camarro e Marco Antônio, viviam. Tudo fazia parte de um mesmo mundo. Enquanto Uriburu e Perón articulavam uma nova Argentina, o tango mostrava ao mundo a beleza dos passos e a sutileza dos corpos em movimento. Vários generais foram amantes de Helena, a mais linda dançarina portenha. Ela fazia da noite o maior acontecimento da sua vida e de quem estivesse nos seus braços. A magia contaminava o mundo intelectual de San Telmo e nada era mais sublime que ver um casal dançar tango, enquanto o som quebrava a suavidade e o silêncio das ruas. Quando a força do tango avançava nos corações e mentes, vários artistas iam para as ruas de San Telmo para transformar ruelas em grandes salões de apresentações. Todos eram contaminados pelo veneno transcendental da música e dos passos que os dançarinos, embriagados, mostravam. Cada passo obedecia o olhar das pessoas que procuravam penetrar na essência da musicalidade do tango. Ali, Helena viu a grandeza e ao mesmo tempo a beleza de se deixar envolver pela música que fazia do coração uma ponte para a morte. Entre um gole de vinho e o requebrado dos corpos, muitos corações deixaram de bater para voltar a reviver nos porões do além. Marco Antônio, em momentos de êxtase musical, costumava dizer que “morrer dançando tango seria um presente de Deus aos dançarinos...” Dentro desse contexto, de pura adrenalina existencial, Helena se entregava totalmente à arte da dança dos deuses, porque assim era chamado o tango nas décadas de 20,30 e 40, na Argentina. A emoção era tão forte que até mesmo na hora de fazer amor, os amantes sentiam uma profunda emoção em ouvir o som das cordas de um violão, entre um orgasmo e outro, nas madrugadas sem fim. O tango começou a ser tocado e cantado mundo afora. Os ricos europeus vinham passar as férias em Buenos Aires, para fazer parte do mundo mágico do tango. Tudo conspirava para que Helena, dançarina dos grandes teatros e cabarés, fosse a mulher dos sonhos de todo homem com poder e riqueza. Com 26 anos de idade, ela sabia que tinha um tempo, um prazo de validade. Logo as marcas do tempo iriam fazer dela uma velha dançarina e somente os cabarés de baixo padrão iriam lhe dar emprego ou guarida. Tudo isso martelava na sua cabeça, porque não conseguia guardar dinheiro para quando esse momento trágico da vida de todos os seres chegasse. Camarro, dançarino que nunca soube ter uma vida glamurosa, não tinha essa preocupação. No início, todos o chamavam de maricas, pois vivia dançando e rebolando pelas ruas de San Telmo.Até que um dia Marco Antônio resolveu lhe dar oportunidade, levando-o para a sua academia de dança no centro de Buenos Aires. Lá aprendeu de tudo, até como conquistar uma mulher nas noites alegres da vida dos encantados dançarinos. Marco Antônio disse-lhe, num certo momento da sua juventude: - Camarro, meu amigo e parceiro das noites, faça da tua vida uma eterna dança. Mesmo que teu coração esteja amargurado, não demonstre, ria e dance. Quando a morte bater a tua porta, não fique com medo, convide ela para dançar. Assim você irá transformar esse momento triste numa dança que até mesmo a morte se tornará tua amante. - Por que você está dizendo isso, Marco Antônio? –perguntou Camarro, sem entender nada. - Porque você precisa aprender algumas regras dos dançarinos. Relaxe e deixe o tango guiar os teus passos. Sinta o som musical penetrar no teu corpo e na tua alma. Nós somos artistas, criaturas especiais, seres que a divindade cuida e abençoa. Nascemos para alegrar as pessoas e fazer da dança um momento sublime, mesmo que por dentro estejamos estraçalhados. As palavras do Marco Antônio ficaram gravadas para sempre na mente de Camarro. Quando Helena ficava triste e sem vontade de dançar, ele repetia o que tinha ouvido de Marco Antônio. Helena, por mais que estivesse envolvida com os dois, nunca os conheceu profundamente. Marco Antonio, mais velho e mais rodado que Camarro, nunca foi casado, simplesmente viveu com a dança e fez do tango uma estrada sem endereço fixo. Ela jamais iria entender o que se passava com os seus dois amantes. Muitas noites, quando o frio de Buenos Aires tomava conta das ruelas de San Telmo, Marco Antonio e Camarro desapareciam uma semana inteira, para reaparecerem sem dar nenhuma explicação. Pareciam cansados, mas com forte brilho nos olhos... Helena, mulher e dançarina de tango, tinha pelos dois um imenso amor que beirava a loucura. Exigia que fosse possuída pelos dois nos camarins dos teatros e nos quartos de cabarés. Ela dizia que só poderia participar das apresentações se fosse tocada intensamente por eles. Como mulher, sabia que os dois faziam dela a deusa dos desejos carnais. Em julho de 1932, numa sexta-feria fria, perto da meia-noite, no principal teatro de San Telmo, cinco generais do novo sistema, expoentes da Revolução de Setembro, assistiam sem piscar os olhos, a dança onde Helena sentiu pela primeira vez o seu corpo tremer ao perceber que tinha chegado ao orgasmo ao ver que eles estavam observando as suas coxas sendo acariciadas num requebrado frenético de Camarro. Depois dessa apresentação, tanto ela quanto Camarro, tornaram-se convidados especiais dos militares nas orgias dos quartéis. Ela virou a queridinha do poder militar. Por mais forte que seja uma emoção, por mais longa que seja uma noite de pura magia sensual, tudo passa. Foi assim que aconteceu. Ao chegar no apartamento na praça de San Telmo, Helena viu um grande movimento. Aproximou-se e percebeu que alguma coisa tinha acontecido no seu prédio. Para sua surpresa, as pessoas entravam e saíam do apartamento onde morava. Foi abrindo passagem entre curiosos e, no quarto, dois corpos estendidos esperavam para ser levados para o IML. Na sala, um Senhor, com uma arma na mão, chorava copiosamente. Ela perguntou: - O que se passa? - Eu matei os dois. Fui amante do Marco Antonio durante muitos anos. Ele me trocou por esse rapaz. Agora acabou tudo. – disse - e abaixou a cabeça, continuando a chorar. Helena ouviu o que jamais gostaria de ter ouvido na vida. Nunca passou por sua cabeça que os seus dois amores eram maricas. No decorrer dos dias seguintes algumas imagens vieram a sua mente. Começou a entender o passado dos dois. Ela ainda tem no pensamento uma frase dita por Marco Antonio para Camarro numa noite de 1929, “me gusta tomar tequila blanco...soy un hombre que mora nu corazón de la tango. Tu corazón tiene gusto a miel”. Hoje, Helena consegue entender que Marco Antônio estava se declarando a Camarro. Ela amava dois hombres e não dois maricones. O destino estava sendo cruel demais com Helena. Esses acontecimentos fizeram dela uma outra mulher. Abandonou o tango, e a dança morreu no seu coração. Largou San Telmo e Buenos Aires para sempre. Foi morar numa cidadezinha da Patagônia. Quando o frio chegava, velha e cansada, Helena olhava para as fotos de Camarro e Marco Antônio, tentando reviver os momentos que passaram juntos nas noites de tango, mas não adiantava, tudo tinha terminado. Esperou o fim chegar e, como toda dançarina, fez da morte uma dança, onde o coração para de bater de forma lenta e com glamuor.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

AVE DE ARRIBAÇÃO

Sessenta e cinco anos de uma longa vida, muitas estradas percorridas, noites sem fim e a certeza de que ainda tem que continuar a viver. Desde cedo, quando ainda era criança, sentia que iria cansar de caminhar pela estrada do tempo. Na infância sofreu vários abusos, fome e frio foram as suas companheiras. Filho do acaso, não teve oportunidade de receber uma educação adequada, somente aquilo que a escola da existência ofereceu, nada mais. Os pais fugiram das responsabilidades e o deixaram à mercê da sorte, sendo criado pela irmã mais velha, que também lhe deu somente o que tinha. Foi aluno das escolas da vida, da rua, dos boeiros imorais, guetos sexuais e outros parasitas que a sociedade oferece aos deserdados. Enfim, uma criança criada no lodo do sistema. Cresceu numa cidade pequena, distante de tudo, conheceu somente meia dúzia de pessoas que lhe deram certa confiança. Mundo pequeno para uma criança repleta de sonhos, imensa vontade de sair, avançar para um lugar onde pudesse mostrar os seus dons trazidos no fundo da sua alma. Ao seu redor, pobreza, injustiças, brigas e vinganças mostravam a ele que, por mais sonhador que seja alguém, é difícil quebrar essas barreiras, sair da lama, voar para outros lugares mais dignos para viver. Com extrema dificuldade estudou o primário e o ginásio, depois, o mundo foi a sua escola. A corrente do destino acabou levando-o para outros pontos, distante daquele mundo pequeno em que foi criado. Como pedra que rola, rolou por todos os recantos, sem conseguir fixar raiz em algum lugar. Foi estudante das contradições do sistema econômico e da exploração. Carregou nas costas as marcas de uma infância dominada pela falta de orientação que mostrasse o caminho do sol e do norte da vida. Esse é Pedro, que depois de tudo, depois de perambular pelas noites e loucas caminhadas, tornou-se professor de literatura moderna de uma faculdade particular. Isso só aconteceu porque foi amante de uma mulher casada, rica e poderosa, pertencente à elite abonada. Ela custeou seus estudos e pagou várias despesas. Após a formatura, ele abandonou a ricaça, que não suportou ser descartada e acabou se suicidando. Pai de vários filhos, que foram deixados ao relento, e amante de belas mulheres, que também deixou pelo caminho, depois de usá-las. Como nunca foi levado a sério, levou consigo o pensamento de que uma vez que tinha apanhado tanto no passado, podia bater também. Dizia sempre que assim como foi abusado, iria abusar no presente e no futuro. Prometeu que se vingaria de todas as injustiças praticadas contra ele, quando ainda era criança e adolescente. Mesmo com sangue envenenado pelas injustiças, Pedro era uma pessoa comunicativa, alto, de olhos pretos, trazia no coração e na alma a determinação dos imigrantes italianos. Nas horas livres pegava seu violão e tocava lindas canções. Ele também só aprendeu a tocar violão porque namorou uma professora de música. Em tudo que fazia, a sensualidade estava presente. Quando a noite chegava, sozinho na varanda da sua casa, ao observar o nascimento da lua cheia, tocava a canção dos amantes, que dizia que “o amor é uma coisa forte, se parece com a lua, ilumina a alma...” Mesmo com esse dom maravilhoso, Pedro era um desajustado para a sociedade. Com seu talento de sedutor, separou inúmeros casamentos, sem nunca ter piedade. Num domingo do verão de 2009, no dia do seu aniversário, ao completar 65 anos, no momento em que tocava violão, uma jovem aparentando 22 anos se aproximou e disse: -Que linda música o senhor está tocando! -Obrigado, mas não gosto que me chame de Senhor. -Desculpe. Como é seu nome? – perguntou a jovem. -Pedro. E o seu? -Letícia. Eu gostaria de conversar um pouco com você. Posso? -Com toda certeza! Hoje é um dia especial para mim, e mesmo sendo um dia especial, me encontro comemorando esse dia sozinho. – acrescentou Pedro, com certa melancolia. -Não sou muito boa em tornar as pessoas alegres. Como não tenho nada a fazer, posso ficar algum tempo com você, para conversarmos. - Então, entre e sente-se nessa cadeira. Enquanto apreciamos o vale, que a cada dia está mais bonito, vamos trocando palavras. A conversa sempre nos traz ensinamentos, acalma a alma, suaviza a mente e abre os horizontes. – sinalizou Pedro, já mais descontraído. Pedro e Letícia conversaram por um longo tempo. Cada um falando de suas experiências nos seus mais variados aspectos. Ele, por ser mais velho, conversou mais, e ela falou sobre a sua juventude. Durante seis meses eles trocaram informações e se conheceram melhor. Acontece que tanto Pedro quanto Letícia sentiram que alguma coisa estava ocorrendo, porque a situação começou a ficar diferente. Se no início havia certo controle, aos poucos o contato físico foi avançando e ultrapassando os limites. De um simples beijo, foi a um beijo quente e sempre nos lábios, deixando que a sensualidade dominasse os seus corpos. Pedro começou a entender a situação e resolveu parar com tudo. Determinado dia disse à Letícia: - Preste atenção: nós devemos parar de nos encontrar. Eu sirvo para ser teu avô e já tenho uma vida repleta de relações mal resolvidas, que não levaram à nada. Você é nova e tem uma vida inteira pela frente. – ponderou. - Eu não me importo. Desde o início eu já sabia que iríamos chegar onde chegamos. Quero viver o momento como fosse o último. Também sei quem é você. – acrescentou Letícia. - E quem sou eu? – perguntou Pedro, demonstrando certo constrangimento. - Você é um homem que nunca amou ninguém. E não será agora, aos 65 anos, que irá amar. Se esse é o motivo, para mim está tudo certo, até porque ainda não aconteceu o que eu quero que aconteça. – revelou Letícia, resolvida em aprofundar a relação com ele. Pedro resolveu deixar que as coisas chegasse até ao que ela queria. Agora, tudo claro no que dizia respeito às emoções amorosas, o mundo da sensualidade tomou conta deles. Ainda era início da primavera, as flores estavam começando a florir o vale onde Pedro morava e Letícia queria se tornar mulher. Os pais de Letícia estavam viajando e sendo filha única, ela não tinha ninguém para atrapalhar os seus planos com seu amado. Após Pedro tocar uma música em que fazia com que o violão acalentasse os corações dos amantes, eles não resistiram às profundas carícias e foram para a cama. Com sua longa experiência de amante, Pedro fez de Letícia uma mulher feliz no sentido mais sensual possível. Ela viu o mundo mudar. Agora era uma mulher pronta para a sociedade. Não era mais aquela virgem à espera de um príncipe encantado. A noite estava terminando e a madrugada iniciando a sua jornada para desaparecer dos olhos do mundo. Os raios do sol estavam apontando no alto da montanha e os passarinhos cantavam à procura de alimentos e saudar o novo dia. Pedro levantou da cama, lentamente, para não acordar a sua amada. Sentou na varanda para observar os primeiros movimentos de um novo dia. Letícia dormia o sono de uma mulher plenamente satisfeita. Ele se indagava sobre os motivos que levaram uma moça linda a se apaixonar por um homem bem mais velho e cafajeste. O pensamento viajou para bem longe, onde iniciou a vida de aventureiro. Nunca tinha parado para pensar em nada. Fazia da mulher um ser para ser conquistado e deixado para trás, como uma terra onde o mato toma conta sem que ninguém cuide. Para ele, a mulher nasceu para ser assim, usada pelo homem e depois colocada de lado. Com Letícia não estava sendo assim. Talvez a idade dele, o pouco tempo de vida que ainda lhe restava estivesse tornando-o mais cansado das aventuras. Alguém no passado tinha dito que ele era igual a ave de arribação, que nunca permanece num mesmo local, sempre voando para todos os cantos do mundo, e no final morre sozinha no alto das montanhas, sendo isca para as águias de longas asas e bicos finos. Hoje, ele compreende o que foi dito lá atrás. Às vezes olha para o alto da grande montanha e chega a imaginar sendo devorado pelas águias. Depois, volta à realidade e pensa que tudo também tem um momento, mas no fundo percebe que seu momento está se aproximando. Letícia acorda e olha Pedro sentado na varanda. Levanta enrolada no lençol e dirige-se a ele, dizendo: - Não pare para pensar. Deixe que o destino guie você. Imagine que está sendo levado rio abaixo, num pequeno barco. Nós não somos donos do destino, podemos até tentar escrever um, mas não adianta, existe uma força que nos leva a um local já traçado. Venha para os meus braços...Assim você vai sentir que a vida foi feita para ser vivida cada instante... Pedro ouviu as palavras da sua jovem amante e concordou totalmente. Segundo ele, no fundo eram iguais, mas com alguma diferença. Letícia pensa e sabe o caminho que está percorrendo. Pedro não. Ele é guiado pelo vento da paixão momentânea, pela safadeza, imoralidade, irresponsabilidade e se deixa levar sem ter qualquer preocupação de que esteja prejudicando terceiros. Usa as mulheres, e Letícia sabe que está sendo usada. Tem uma visão profunda, mesmo tendo pouca idade. O tempo caminha assim como as águas de um grande rio. Tudo desemboca no grande lago, que todos chamam de oceano. A paixão é assim. Como brasa, no início queima forte e aos poucos vai perdendo o calor e lá na frente, torna-se apenas cinzas, que o vento se encarrega de dissipar pelas montanhas e vales. O amor é diferente. È criado na raiz dos sentimentos humanos. Não morre, viaja através dos tempos, para renascer num outro momento, com outras roupagens, mas o mesmo, como uma vela, que um dia foi apagada num simples sopro, reacendendo no tocar de emoções profundas. Letícia e Pedro começaram a perceber que era a hora do adeus. Ela tinha convivido com ele quatro anos. Enfrentou a ira e a teimosia dos pais, que não entendiam as razões da relação amorosa. Como filha única, eles acabaram deixando que as nuvens da paixão navegassem pelo universo dela. O inverno estava batendo à porta. O frio mostrava que desta vez iria trazer neve ao vale das lindas flores. A montanha, repleta de Flores da Serra, iria se tornar uma graciosa e bela copa colorida. Pedro e Letícia tiveram uma conversa definitiva. Ele, com o coração partido, e sentindo que o seu momento de descansar no alto da grande montanha estava chegando, disse a ela: - Na verdade sempre pensei que nada era eterno entre nós dois. Você me ensinou várias coisas. A principal é que pode existir, sim, sentimento profundo entre um homem e uma mulher e o sexo não é a única vertente num casal. - Pedro, mesmo sendo mais nova que você, sinto que a minha alma não é nova. Parece que vivi essa experiência, só que desta vez não estou sofrendo, apenas levando comigo os lindos momentos que passamos juntos. Assim, podemos viver tendo como base uma relação que acalentou os nossos corações... Conversaram bastante. Cada um deixando as emoções do adeus tomar conta das suas almas. No final, Pedro disse à Letícia: - Amanhã bem cedo gostaria que você viesse aqui em casa. Vai encontrar algo que deixarei para você.. - Venho sim, se é esse o teu pedido...- respondeu Letícia. No dia seguinte bem cedo, ela se dirigiu à casa de Pedro. Chegando lá, encontrou a porta aberta e um bilhete em cima da mesa, que dizia: “vá ao meu encontro no alto da montanha”...Letícia não entendeu bem, mas foi caminhando até o local... As Flores da Serra tomavam conta da encantada grande montanha. As águias voavam de um lado para o outro. O perfume da natureza fazia com que os pássaros cantassem as suas mais lindas canções. A raposa cinza estava sentada numa pedra próxima à vertente de um riacho, observando a chegada de Letícia. O frio mostrava as suas garras, fazendo com que as coisas se tornassem mais aconchegantes no interior das cavernas. Num tronco caído de uma canela, ela viu o corpo de Pedro sendo devorado pelas águias.Tentou se aproximar, mas não conseguiu. As águias olharam raivosamente para ela, como dizendo que estavam cumprindo uma profecia e o corpo de Pedro era o alimento. Em vez do som do violão, ouviam-se os gritos da morte se espalhar pelo vale. A morte veio buscar o homem de pedra, sem coração, o sedutor que jamais teve piedade das mulheres. A morte precisava dele no paraíso da escuridão. Quem sabe nos bailes do inferno, Pedro possa continuar a sua saga, acompanhado das suas amantes infelizes. Com lágrimas nos olhos, Letícia desceu lentamente a montanha sem olhar para trás. Ela foi a última amante de um homem que estava atravessando o vale da vida para entrar no vale da escuridão, do local onde só vivem os seres sem amor e sem perdão. Letícia sabia de quem estava se despedindo... Não se arrependeu de nada, apenas viveu momentos inesquecíveis e que lhe trouxeram belas lições de vida. Nas longas noites dos invernos seguintes, às vezes Letícia ouvia o som de um violão vindo do alto da montanha. Fechava os olhos deixando que o pensamento viajasse... Quem sabe um dia também venha a se encontrar com Pedro, nas engrenagens do tempo...

sábado, 21 de junho de 2014

Mistério Maldito

Tudo está no lugar, nada foi mexido, somente a poeira está tomando conta. Os móveis permanecem intocados e o assoalho, com uma camada de poeira, espera por uma limpeza que nunca vai acontecer. Os quartos, com as lindas camas, estão arrumados do mesmo jeito como foi deixado. No rastro das lembranças, o ar do tempo assume o controle da casa, que outrora foi a residência da alegria, do vício e de uma estranha felicidade. Ao passar pela mansão, pintada na cor branca, ninguém entendia os motivos que levaram os moradores a largarem tudo. Desapareceram para sempre, só permaneceu a beleza de uma linda morada. Projeto sonhado, imaginado por todos de uma família esquisita, mas feliz ao seu modo. Hoje, aos poucos, está desaparecendo, jogada nos braços da destruição. A ação do tempo, a magia das noites e dos dias estão tornando a residência da alegria e das grandes festas, que contagiavam a elite e a cidade inteira, numa mansão da escuridão, talvez de uma podridão eterna. Sem mais nem menos, ela foi abandonada, largada para ser consumida por famílias inteiras de cupins, que trabalham para tornar o belo em coisa feia e melancólica. Os cristais e louças, importados da Europa, estão na cristaleira, adquirida nas lojas finas da Rússia, esperam para ser usados mais uma vez pelos festeiros da casa. A adega, com seus vinhos finos, comprados na década de 80 nos vinhedos de Portugal e Espanha, não foram consumidos, estão envelhecendo junto com a casa. Ao lado da adega, a grande biblioteca, com três mil livros, todos catalogados por ordem de autor. Ontem, local de reunião e acertos de compra e venda, hoje, ninho de ratos. Os transeuntes, que às vezes param para observar a lenta agonia da mansão, ouvem vozes, gemidos de sensualidade profunda, gritos e sussurros. Lá de dentro vem um aroma gelado, frio esquisito, que acaba expulsando as pessoas que teimam em tentar entender os motivos de tamanho mistério, ou fazer parte de uma festa das sombras. As corujas, aves solitárias e protetoras das longas noites escuras, voam de um lado para outro, tentando cuidar do belo jardim, que pouca coisa restou. Mas não adianta, elas sabem e conhecem os motivos do desaparecimento dos proprietários e o porquê do silêncio e da tristeza estarem transformando a linda casa na morada da escuridão Certo dia, Dário, um senhor com várias dezenas de misteriosa experiência nas costas, parou em frente ao portão da casa, olhou para os lados e disse: nem tudo que brilha aos olhos dos homens reflete a verdade, existe muita coisa feia atrás de um par de olhos ou de uma consciência... Nesse momento, passou em frente uma jovem, que vendo aquele Senhor parado em frente ao portão perguntou: - O que o senhor está fazendo parado na frente dessa misteriosa casa? - Estou pensando... O que levou os moradores dessa bonita mansão desaparecerem tão de repente, deixando tudo para trás. – disse Dário com os seus olhos pretos, que escondiam imagens de um passado vergonhoso, tentando atrair a jovem para seu plano maligno... - Alguma coisa de estranho deve ter acontecido, porque ninguém deixa alguma coisa de valor e vai embora. – acrescentou a jovem, com imensa vontade de participar de um enredo repleto de magias. Dário, no fundo, sabia de tudo e tinha um plano, esperado há muito tempo para ser executado. Ele trabalhou na construção da mansão. Conhecia todas as dependências, e sabia que muitas delas, revelava o perfil dos proprietários. Várias vezes perguntava ao mestre de obras por que tantas saídas e entradas secretas, mas nunca obteve resposta. Exceto ele, os demais operários eram colombianos, pessoas que não conversavam, apenas cumpriam ordens. Tinha uma imensa ânsia escondida por trás da sua aparente tranquilidade... Aos 68 anos de idade, Dário trabalhou a vida inteira em obras e, de todas, a mansão era a mais misteriosa. Em muitas ocasiões recebia bronca por fazer tantas perguntas. Durante todos esses anos viveu com muita dificuldade, passou fome e viu a sua família perecer em corredores de hospitais sem poder fazer nada. Esses acontecimentos tornaram Dário um homem com aparência doce, mas com uma alma dura, igual pedra de fundo de rio. Já Vera, recém formada em Direito, tinha na essência, veia investigadora. Desde a construção da casa até as grandes festas que os proprietários faziam, muitas perguntas se formavam na mente da jovem. Ela mesma, quando estudante, foi convidada para participar de uma festa na casa. Não aceitou porque uma amiga sua tinha ido numa festa no último ano e fez alguns comentários de que sexo e droga rolaram solto. No fundo, também possuía um intenso desejo de ter dinheiro, casar com um homem rico e poderoso. Não gostava de rezar e muito menos acreditava em Deus, achava isso uma grande perda de tempo. - Concordo com você. Existem coisas estranhas. Eu procurei saber, mas ninguém quis falar nada. E você, por que está interessada nesse mistério? – perguntou Dário com uma ponta de interesse em colocar logo a jovem no seu plano diabólico. - Quero seguir a carreira policial, mais precisamente de delegada. Eu sinto no ar que tem algo de errado. Quem sabe seja o meu primeiro trabalho. O futuro a Deus pertence. – revelou Vera, que já estava pensando em adentrar nos portões da casa. - Parece que você pretende entrar na casa? – perguntou Dário. - Estou pensando em fazer isso. – respondeu Vera, muito ansiosa. - Mas não agora. Tem que ser de noite. E se prepare, pois será preciso muita coragem. – ponderou Dário, com profundo interesse em descobrir alguns segredos da casa e pegar algo muito precioso. - Eu já ouvi falar várias coisas sobre as festas que aconteciam nessa casa. Tenho uma amiga que nunca mais se aprumou na vida. Era uma moça simples, honesta e de caráter, com um lindo corpo, desejada por muitos homens. Hoje vive nas esquinas vendendo o corpo e parece que está metida com drogas e magia negra. Mudou completamente a vida. Tudo aconteceu depois de alguns finais de semana, ao participar de festas a convite de Rodrigo, filho mais velho do proprietário. - Quem sabe a gente convida ela para nos acompanhar na visita? – perguntou Dário. - Ela não quer nem ouvir falar na casa branca. Chega a mudar de fisionomia. Vamos deixar assim. Eu e o Senhor vamos fazer a investigação. – ponderou Vera. Naquela noite não foi possível fazer a visita, pois caiu uma forte chuva com vento. Resolveram ir no sábado à noite. Era vinte horas quando Dário e Vera entraram pelo portão da casa. No momento em que o portão se abriu, um gemido foi ouvido. Vera parou e olhou para Dário, dizendo: - A coisa vai ficar difícil, temos que ter coragem. – disse Vera, com ar assustado. - Eu falei para você. É só o começo. – assinalou Dário, demostrando certo receio, mas no fundo já conhecia todos os caminhos das sombras... Os dois deram uma volta na casa para fazer uma averiguação mais completa. Foi neste instante que o mistério da casa começou a ser mostrado. No fundo do jardim, ao lado da piscina, existia parte de terra remexida, sinal de que ali tinha sido feito um grande buraco. Cada passo que era dado na imensa propriedade, vozes, gemidos e gargalhadas eram ouvidas. O céu estrelado, de repente, ficou sem nenhuma estrela. Ar de tristeza e agonia tomou conta e tanto Vera quanto Dário, por várias vezes, tentaram voltar, mas uma força estranha não deixava. Parece que eles estavam entrando no reino encantado das sombras. Alguma situação estava para acontecer e somente os dois estavam autorizados pelas sombras a continuar o trabalho de investigação. No final da morada, num canto do terreno, havia uma grande pedra e sobre ela estava uma coruja preta, que com seu canto apontava para o local exato que deveriam cavar. Logo que ficaram de frente com a terra remexida perceberam que ali tinha sido feito um grande buraco. - O que devemos fazer agora? – perguntou Vera. - Não sei, mas parece que devemos pegar ferramentas e cavar para saber o que está enterrado. – respondeu Dário, mostrando o tempo todo certo desconhecimento da principal razão de suas buscas. - Durante duas horas eles cavaram um grande buraco. Para espanto deles, cinco caixões apareceram, sendo dois pequenos e três grandes. Uma dúvida surgiu: chamar a polícia ou continuar a busca. Acontece que, pela lei, eles não poderiam nem ter entrado na propriedade e muito menos fazer escavações. A noite e o silêncio estavam contribuindo para o trabalho que realizavam. Abriram os caixões e encontraram três corpos de adultos e dois de crianças. Todos tinham sido executados com vários tiros na cabeça. Ao lado do corpo de uma criança tinha uma sacola repleta de dólares. Com isso o mistério aumentou. - O que vamos fazer agora? Esse dinheiro era dessa família? – questionou Vera, totalmente confusa e amedrontada. - Primeiro, jamais devemos falar para alguém e segundo, não devemos enterrar o dinheiro. Vamos dividir e colocar terra em cima de tudo. – ponderou Dário, com profunda e incontida alegria, porque seu plano estava sendo executado com inteligência, e ainda usando uma jovem ingênua. - Então vamos fazer isso e vamos embora. – disse Vera, preocupada com os últimos acontecimentos. Tudo aconteceu conforme Dário havia idealizado. O mais interessante é que eles nem chegaram a entrar na casa. O tempo passou, o velho Dário viveu mais uns dez anos, viajando de um lugar para outro com os dólares divididos com Vera. Já Vera, resolveu guardar o dinheiro. Ela ficou preocupada que alguém viesse atrás dele. A casa continuava se deteriorando. No inverno seguinte da ida deles à casa, Vera foi novamente ao local e, para sua surpresa, o buraco tinha sido reaberto e os corpos retirados. Alguém esteve lá à procura de alguma coisa. E os corpos? O que foi feito deles? Por esse motivo ela não gastou nenhum tostão. Não falou nada para Dário, porque alguma coisa dizia que ela não deveria lhe falar nada. Os olhos dele estavam sempre olhando para ela. Talvez ele fizesse parte de algum plano mais profundo e misterioso. Viu Dário mudar de vida, comprando roupas novas, viajando, chegou até a arrumar os dentes. De longe viu e de longe permaneceu, deixando que o tempo mexesse no tabuleiro do mistério. Incrível é que nem mesmo os andarilhos e drogados entravam mais na mansão, todos tinham muito medo. Uma andarilha, numa noite de muita chuva, resolveu dormir na varanda da casa. Pagou para ver. Os vizinhos, acostumados com o silêncio do local, ouviram gritos de pedido de ajuda e risadas. Era a andarilha, que não conseguia abrir o portão para sair. Só saiu quando a noite foi embora. Segundo testemunhas, a velha andarilha tinha visto várias pessoas sendo executadas por homens de preto, que davam gargalhada a cada tiro que disparavam. Outros, disseram que foram as drogas que criaram imagens distorcidas daquela noite. Certo dia, depois de alguns anos, já despreocupada, Vera foi surpreendida com alguém batendo a sua porta, perguntando: - Bom dia! A senhora conhece um senhor chamado Dário? - Conheço, mas ele faleceu há muito tempo. – respondeu, com voz engasgada e olhos arregalados. - A Senhora tem certeza? Porque ele guardou algo muito importante para nós. Esse Senhor trabalhou na construção da casa branca e ficou muito amigo do nosso chefe. Era de confiança e chegou a fazer vários trabalhos para nós, inclusive, participou de um trabalho especial lá na casa. Os proprietários da casa tentaram enganar o nosso chefe e aí tivemos que fazer o serviço, tendo Dário como executor. - É mesmo? Ele parecia uma pessoa tranquila. – acrescentou Vera, com frio na barriga. - Na aparência, mas no fundo, apesar da idade, Dário era um verdadeiro lobo. Por ser assim que ele adquiriu confiança. Eu vou ficar por aqui algum tempo, até descobrir alguma coisa que leve ao que o Dário guardou. – finalizou, indo embora como uma sombra pela estrada. A conversa entre Vera e aquele senhor fez com que ela sentasse numa cadeira por um longo tempo. Não estava acreditando na conversa. O velho Dário era aquilo tudo? A conversa daquele homem estranho tinha alguma verdade? Por outro lado, Dário praticamente encaminhou tudo em direção ao fundo do quintal da casa quando fizeram a visita, mas em nenhum momento pensou em entrar, simplesmente foi direto para o local. Parecia que ele sabia o que estava querendo e fazendo. Aos poucos, Vera foi lembrando da conversa com Dário. Certo momento da remoção da terra, ele disse baixinho: “estamos a procura do tesouro”. Ela fez de conta que não entendeu as palavras e tentou pedir que ele repetisse, mas não obteve resposta. Ao ir para cama, para tentar dormir, Vera começou a elaborar um plano para se livrar do estranho homem. Como ela morava sozinha e ainda possuía alguns requisitos sensuais, poderia atrair o caçador de Dário para sua casa e ali acabar com a vida dele. No dia seguinte, começou a colocar seu plano em prática. Foi até ao hotel onde estava hospedado o estranho, para convidá-lo a ir em sua casa durante a noite. Vestiu uma saia curta e uma blusa com decote de chamar à atenção, e bateu no apartamento dele. - Boa noite, senhor! Estou aqui para convidá-lo a ir lá em casa hoje à noite, para conversarmos melhor sobre o Dário. Eu também não sei o seu nome. Eu me chamo Vera... - Boa noite, Vera! Que bom que você veio, eu estava pensando em dar uma passada na sua casa amanhã de manhã, já que está aqui, aceito o seu convite. Meu nome é Ricardo Dela Rua, moro no Brasil já há algum tempo, mas colombiano de nascimento. - Combinado! Então esperarei você com um vinho, regado com um bom jantar e outras coisas mais que só vai saber no momento certo... - afirmou Vera, com ar de profunda sensualidade. Ricardo entendeu tudo. Aquela mulher solitária e carente, queria apenas uma bela noite de amor, sem imaginar o que aconteceria. Na hora marcada, ele bateu à porta, e Vera, totalmente transformada em mulher sedutora, abriu e recebeu Ricardo com um largo sorriso. Conversaram muito sobre os mais variados assuntos. Entre um assunto e outro, eles se acariciavam, mas Vera sempre segurando para não avançarem demais. Tomaram um litro de vinho. Vera convidou Ricardo para jantar e degustar um filé de peixe com camarão. - Eu fiz um camarão à milanesa, só que não posso comer, pois me faz muito mal. Esse prato é especial para você. Até porque temos a noite inteira... Não é mesmo, Ricardo? - É verdade. Estou adorando você e a sua hospitalidade. Você é uma mulher muito linda e sensual... Eu acho que ficarei nessa cidade por mais algum tempo. - Obrigada pelo elogio e, por mim, você pode ficar quanto tempo quiser. Eles jantaram à vontade, mas o pior estava por acontecer. Vera colocou um veneno muito forte no camarão. Ricardo até que tentou sacar uma arma para matá-la, ou sair da casa para procurar ajuda. Não conseguiu, e acabou morrendo sentado no sofá da sala depois de agonizar por um longo tempo. Vera enrolou o corpo num lençol e carregou até o seu carro, colocando Ricardo no porta-malas. Enquanto a noite comandava o mundo, a casa assombrada, dominada por seres estranhos, continuava com seus segredos. Vera enterrou Ricardo na mesma vala que anos antes tinha sido cavada para enterrar a família. Antes porém, ela teve o cuidado de colocar gasolina no corpo para que se consumisse totalmente. Passaram-se dois anos do acontecimento sem que ninguém reclamasse de alguma coisa, ou sobre o desaparecimento de Ricardo. Vera, no entanto, tinha uma última grande ideia. Precisava entrar na casa para fazer uma completa investigação e achar um jeito de transformar a mansão num monte de cinzas. O verão de 1990, estava iniciando. O mundo estava pegando fogo em todos os lugares, guerras e atentados aconteciam todos os dias. Vera já estava com 40 anos e queria começar a gastar a fortuna que guardara enterrada embaixo da velha figueira no alto do seu terreno. Tinha pressentimento de que lá dentro da casa ainda tinha algum dinheiro. Antes de colocar seu plano em prática, resolveu fazer uma longa viagem pela Europa, era o sonho que rondava sua imaginação desde jovem. Preparou tudo e embarcou na classe executiva de um avião comercial, sem ter qualquer preocupação em economizar. Durante trinta dias Vera conheceu praticamente todas as capitais da velha Europa. Comeu do bom e do melhor, comprou roupas e jóias, parece que vivia num paraíso, sem se preocupar com nada. Até teve uma aventura com um italiano de Milão, mas nada que atrapalhasse a sua alegria. Ao voltar ao Brasil, precisamente para Blumenau, sua terra natal, ela estudou com muito cuidado o plano para entrar na casa. Comprou três galões de gasolina num posto localizado numa cidade vizinha para não deixar pistas. Já passava da meia-noite quando Vera abriu a porta da moribunda mansão. Cada passo que dava parecia que estava sendo observada por vários olhos negros, que lembravam os olhos de Dário. Os morcegos, alguns dos moradores da casa, ao vê-la entrar, voaram baixinho e desapareceram na escuridão da noite. Os ratos, fizeram a mesma coisa. Todos os moradores da noite sumiram. Parecia até que estavam adivinhando que algo iria acontecer. No final, ficou somente Vera com seus pensamentos sinistros. Abriu peça por peça da casa, vasculhou todos os cantos e recantos. Ao lado da biblioteca, tinha um quadro muito bonito que chamou a atenção dela. Ao mexer nele, percebeu que atrás tinha uma saída para uma pequena abertura. Abriu uma pequena trava e para seu espanto, apareceu na sua frente uma pasta preta. Pegou-a e sentou-se numa cadeira. Sem dificuldade abriu a mesma, que estava cheia de dólares. Com imensa alegria, fechou a pasta e colocou em cima do sofá. Jogou gasolina em toda a casa. Neste momento, percebeu alguém chamando por ela. Os olhos negros do velho Dário não paravam de fitá-la, com extrema raiva. Não deu ouvidos e pensou: ”Você já morreu, velho safado!” Antes de riscar o fósforo, pegou a pasta repleta da famosa moeda verde, segurando firme na mão. Sem cerimônia, colocou fogo na gasolina espalhada no quarto de casal. Em seguida, caminhou sem olhar para trás e foi em direção à saída. Tentou abrir a maçaneta da porta, mas não conseguiu. A maçaneta tinha sido feita para ser aberta por dentro somente com chave. Como ela não tinha... Enquanto isso, o fogo ia se espalhando por todas as dependências da residência. Vera gritou....berrou....uivou, mas ninguém ouviu. Pediu ajuda...socorro aos infernos e nada! Queimou junto com os dólares. Quando o dia amanheceu, somente um monte de cinzas aparecia no lugar da mansão, residência da sombra e de criaturas duras e sem alma..

NÃO VOU ADORMECER SEM DEGUSTAR OS MEUS SONHOS

Ninguém prende um pensamento. Ninguém aprisiona uma alma ou um coração. O amor é livre e o gostar caminha junto com a liberdade. O desejo ...