domingo, 25 de dezembro de 2011

A Estrada Fatal

Parece que foi ontem Na cama daquele motel Num motel à beira da estrada Esperando por um casal de amantes Que fizemos amor pela primeira vez Parece que o tempo não passou Ainda sinto o teu perfume Espalhado pelo meu corpo Foi tão louco o nosso encontro Que às vezes me pego Pensando que ainda estou nos teus braços Toda vez que o vento Uiva levando as folhas espalhadas pela estrada Deixo a imaginação viajar E por incrível que pareça Ela pousa sempre ao lado da tua imagem Num belvedere de uma estrada De todas as amantes da minha vida Você foi a única que veio subitamente Permaneceu por um determinado tempo Não cobrou nada Apenas degustou o que tem de melhor Entre dois amores A infinita cumplicidade amorosa Foi na estrada Que encontrei você Na estrada que aprendi a te amar Foi também no descanso de uma estrada Que descansei a minha paixão E foi numa estrada Que vi você pela última vez Quando sinto saudades dos teus beijos Quando o meu coração aperta Quando a solidão dos meus desejos me toma conta Pego o meu carro e procuro uma longa estrada Quanto mais percorro essa estrada Mais sinto a tua forte presença Porque foi numa perigosa estrada Durante uma grande tempestade Que você deixou este mundo E foi morar na eterna estrada celestial

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O Chão e a Cama

O Chão é a cama para o amor urgente, O amor não espera ir para a cama. Sobre o tapete no duro piso, a gente compõe de corpo a corpo a última trama. E para repousar do amor, vamos para a cama! (Autor: Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Mosquito Morreu

Amilton Alexandre, o "Mosquito", amante da liberdade e da verdade, foi encontrado morto na sua residência ontem de tarde. Ele era blogueiro e escrevia no "Tijoladas do Mosquito". Segundo Instituto Geral de Pericia, que acaba de concluir relatório sobre as circunstâncias da trágica morte do jornalista, "99% tratar-se de suicidio". Os técnicos não encontraram qualquer indicio de homicidio. De qualquer maneira foi aberto pela Secretária de Segurança Pública do Estado, inquérito policial para saber a verdade. Conheci Mosquito no final da década de 70 na trincheira oposicionista. Militávamos no movimento de esquerda que combatia a ditadura militar. Pertencemos a uma geração que sofreu profundamente a angústia de viver num regime ditatorial. Ele sempre foi inquieto e combativo. Bateu sem piedade as falcatruas efetuadas pelos poderosos e denunciou violentamente a corrupção que se alastra em todos os recantos do Brasil. Sempre tive por ele um grande respeito e admiração. Segundo Celso Martins, no "Sambaqui na Rede2", outro gigante do jornalismo e dos embates políticos, "é irresistível a tentação em descrer que ele tenha se auto-passado. Somos levados por um impulso inominado a crer na mão dolosa de outrem a arriar a corda no pescoço do Mosquito. Se porventura o sinistro laço foi por ele obrado e ajeitado, isso tem relação direta com a forte pressão a que vivia submetido por conta de denúncias formuladas, com ou sem fundamento." Celso fáz ainda uma inteligente observação sobre a atividade do jornalista Mosquito: "Ele foi envolvido por uma corriola do gênero, encarregada de fornecer meias denúncias, informações pela metade, armadilhas sutis. “Bota que eu garanto!”, e ele punha, escancarada e malcriadamente. Novo no ramo, mas querendo ser jornalista, e de fato tinha um faro (raro) de repórter, um raciocínio rápido, conhecimento técnico em Administração e certa erudição, lhe faltou a experiência para saber que o tapinha nas costas de hoje é a senha do tabefe na face mais tarde. E foi dessa forma que nosso fraternal Mosquito se viu apoiado por meia dúzia de sinceros e evitado pelas dezenas de integrantes das maltas da maledicência. Os mesmos que nesses momentos podem estar brindando com taça nos ambientes de “vítimas” ou “alvos” do Mosquito." Mesmo assim ainda é cedo para tirar alguma conclusão sobre as verdadeiras circunstâncias da trágica morte do Mosquito. Acredito que o tempo vai falar através do vento da sincera justiça e muitas coisas ainda falarão sobre a sua vida. Que o Arquiteto do Universo ambale a alma e acalme e a sua dor. .

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Estação das Folhas Mortas - Anna Karenina

Quando chegar a estação das folhas mortas estarei lembrando de ti. MEU ETERNO AMOR. levantarei meus olhos ao alto das montanhas eternas acharei consolo. acharei chão onde eu possa pisar sem medo dos animais rastejantes que podem me ferir vestirei minha túnica ,esvoaçante de alegrias a saudade já não me faz refém comerei dos frutos ,que plantei pleitearei minha verdade,perante o segredo da vida... enxugarei as lágrimas ,que por ventura me afloram nos olhos seguirei minha estrada. de amargura. mas que agora ,já não mais é... estarei nos braços das arvores centenárias o meu carvalho jogará seus galhos para que eu possa me apoiar cantarei a melodia branca,das folhas amareladas pelo sol sentirei em minha alma um eterno arrebol e levarei meus passos em direção as campinas

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Sonhos de Uma Vida

Eu ainda quero ter uma terra para viver Acordar bem cedo Junto com o sol Revirar o solo Plantar sementes Que um dia irão florescer Sentir o cheiro da terra Cultivar um grande pomar E nos finais de tarde De um belo domingo ensolarado Embaixo de uma bergamoteira Descascar uma fruta Olhando as águas de um riacho passar Ainda quero viver o resto dos meus dias Vivendo numa terra que seja minha Que me dê fruto e alegria Que eu possa ter um terreiro cheio de galinha Saborear ovos fritos Misturado com feijão e farinha Não quero morrer na cidade Onde qualidade de vida não se tem Quero adormecer na sombra de um ipê Ouvindo e sonhando com os cantos dos pássaros Ainda quero ouvir o grito do quero-quero Cuidando do seu ninho Deixar de lado o barulho dos carros Ficar escutando o cair das águas De uma linda cachoeira Peço ao Pai do Céu Que não faça nenhum escarcéu Apenas dê para mim o lugar que imagino ser O repouso de um velho guerreiro Que quer somente um grande terreiro Onde possa viver entre pedras e árvores Aguardando o derradeiro do meu ser

sábado, 26 de novembro de 2011

Lágrimas da Noite

Sinto muito frio e fome. A noite está escura, nublada e parece que está chorando. As lágrimas molham o meu rosto. Não ouço mais nada, apenas o silêncio dizendo que é preciso ouvir o som que vem pelo meio das árvores. A floresta esta úmida e uma pequena neblina toma conta das montanhas que estão em minha volta. Os meus olhos pendem de um lado para o outro, procurando alguma explicação. As coisas estão muito quietas, até em demasia. Chega a dar medo, diferente da noite anterior, quando o barulho era intenso. Reconheço que estou perdido e não vislumbro uma saída. Provavelmente, os meus amigos já estão todos mortos. Ninguém escaparia dos militares. Eles estão mais preparados do que nós. A única coisa que nos move é a esperança e a fé num pais livre. Ao tentar me levantar, percebo que estou ferido na perna esquerda, que está envolta de sangue. Não tenho nenhuma dor. Mesmo assim, com muita dificuldade, me apoiando em árvores que estão ao meu redor, consigo dar alguns passos na direção de um riacho. Aproximo-me do rio e, para minha surpresa, vejo o corpo do companheiro Geraldo, totalmente perfurado de balas. Mais adiante, Marta, com seus lindos olhos verdes e totalmente nua, já não faz mais parte deste mundo. Além de ter sido violentamente estuprada, recebeu inúmeros golpes de facão pelo corpo. Sento numa pedra para descansar. Olho para cada um dos corpos e com eles suas histórias perambulam por minha mente. Conheci Geraldo nas grandes passeatas da USP em 1969. Era um jovem alegre e cheio de esperança. Estudava o quinto período de medicina, pretendia se formar e montar um consultório médico no interior de São Paulo. Éramos ligados ao Partido Comunista Brasileiro, mas descontentes com a orientação do Comitê Central. Enquanto a Direção Geral pregava a luta através do voto, nós queríamos derrubar a ditadura militar com o poder do fuzil. Foi num desses encontros que Geraldo apresentou Marta. Estudante de engenharia civil, ela demonstrou ser uma grande estrategista militar. Tinhas planos de como atacar as guarnições militares do exército, no interior do País. Profunda conhecedora das obras de Marx e Lenin, Marta falava de forma apaixonante como seria o nosso país governado pelos comunistas. Eu, estudante de história, procurava no passado, os ensinamentos para o futuro. No início de 1970, fomos apresentados ao Fernando, dirigente de outra organização de esquerda. O objetivo era a preparação para participarmos de um movimento armado que tinha sido instalado no Pará. Ouvimos atentamente as explicações dele, que pareceram plausíveis. Realmente, montar um movimento armado no Sul do Pará, nos colocava em posição vantajosa. Marta, como sempre, discordou de algumas posições de Fernando, mas acabou concordando. Ficou tudo acertado, no início do inverno daquele ano iríamos embarcar em direção ao município de Altamira. O sol estava quente naquele dia 3 de junho de 1970, época da copa do mundo, ocasião em que a seleção brasileira conquistara o campeonato mundial de futebol. Logo que chegamos à cidade, fomos abordados por um homem barbudo com nome de Miguel. - Boa tarde! - Boa tarde! – respondi. - Vocês devem ser “os amigos do padre”? – perguntou Miguel - Sim somos “os amigos do padre”. - Então me sigam, vou leva-los para conversar com o bispo. A senha “amigos do padre” era a indicação de que esperavam por nós. Caminhamos o resto do dia. No início da noite, Miguel bateu à porta de uma velha casa de madeira, que ficava em frente da Igreja Matriz. Entramos e fomos levados até a presença de Rosângela. - Boa noite companheiros. Sejam benvindos. Sentem-se, porque hoje a noite será longa, teremos muito que conversar. Rosângela, era a comandante da Brigada “Os Comunas”, tinha recebido treinamento militar na Albânia. Ela era loira e muito bonita. Como estudante de medicina, Rosângela, resolveu entrar no movimento armado contra o regime militar, para vingar a morte de seu pai nos porões da ditadura. Presenciou o sacrifício dele, ouvindo os gritos de dor da sua mãe sendo violentada por um major do exército. Tudo isso fez com que ela se tornasse uma pessoa dura e fria. Com ar de mulher corajosa, foi logo dizendo: - Vocês são comunistas como eu. Estão aqui para lutar contra os militares. Precisamos derrubar o regime e implantar uma sociedade livre e democrática. Não quero pessoas covardes na linha de frente. Se algum dia alguém de vocês for preso, não entreguem ninguém. Aguentem firme a tortura e, se for preciso morrer apanhando, que morram. Somos comunistas e heróis de uma grande e bela causa. O comunista convicto não lamenta o leite derramado. As palavras da companheira Rosângela calaram fundo na minha alma. Marta e Geraldo olhavam para mim e sorriam. Na medida em que ouvíamos as orientações, uma imensa força ia adentrando em nossos corações. Era contagiante e encantador escutar uma linda moça, dizer que existia um paraíso e esse paraíso seria construído por nós, e que não estava perdido, apenas esperando que o conquistasse. Já era madrugada quando Miguel lembrou à companheira Rosângela que seria necessário dar uma pausa. Assim foi feito. Fomos levados para o porão da velha casa para descansar. Durante trinta dias e trinta noites, recebemos várias explicações sobre história, geografia, filosofia, sociologia e arte militar. Tudo foi passado a limpo. O inverno tinha acabado e a primavera estava a caminho. No final de outubro, recebemos a última aula da companheira Rosângela. - Vocês estão prontos para a luta. Amanhã bem cedo, irão embarcar numa Kombi que os levará até um acampamento, na beira do Rio Tapajós. Quem vai comandar vocês é a companheira Marta. Ao amanhecer, uma Kombi vermelha estacionou na frente da velha casa de madeira e dentro dela estavam mais quatro companheiros. Eles vinham de Marabá para se juntar a nós. Viajamos durante três dias. No quarto dia, já cansados de tanto viajar por estradas de chão, chegamos ao destino combinado. Marta, agora a nossa comandante de armas, disse: - Companheiros, sou a mais baixa fisicamente, mas sou a comandante de vocês. Estamos numa guerra e quero disciplina e ordem. Descansem, que a qualquer momento vamos atacar uma guarnição do exército. A noite estava estrelada e um leve vento soprava a floresta. A casa onde ficamos pertencia a um professor de história da cidade de Marabá. Ele era simpatizante da causa e queria de todas as maneiras contribuir para a luta. Dormi do jeito que deitei na cama, passando por vários sonhos e pesadelos. Ao amanhecer, fomos acordados pela comandante, que passou as seguintes ordens: - Peguem o fuzil e a mochila, vamos efetuar o primeiro ataque a um destacamento do exército na saída da cidade. Depois desse ataque, iremos nos refugiar na floresta. Lá, montaremos o nosso acampamento. Não tivemos dificuldade no ataque. A sentinela estava dormindo e não conseguiu esboçar nenhuma reação, foi morto com um tiro certeiro, disparado por Geraldo. Em seguida, metralhamos mais três soldados que estavam bebendo na cantina. Fomos até o paiol de armas e lá carregamos várias caixas de fuzis e metralhadoras. Depois, saímos em disparada rumo à floresta. Após aquele ataque, tínhamos a certeza de que não teríamos mais sossego. O exército não daria folga. E foi isso o que aconteceu. Certo dia, quando estávamos ouvindo uma palestra sobre teoria marxista, Paulo, nosso sentinela, veio nos avisar que um comando militar do exército estava se aproximando perigosamente. Montamos uma cilada para atacar. Eles estavam bem armados e com maior número de soldados. Nas nossas contas, eram mais ou menos uns 50 homens, e nós, não mais que 15. No ataque surpresa, conseguimos matar a metade deles. Do nosso lado, cinco companheiros foram mortos. Mesmo assim conseguimos que eles fugissem e voltassem para Marabá. Depois dessa batalha, tivemos que trocar de lugar várias vezes, montar outras estratégias e ficar mais atentos. Andamos uns duzentos quilômetros pelo Rio Tapajós, até encontrar um local seguro. Marta ia à frente com Geraldo. Eu fazia o papel de subcomandante da tropa. Num determinado momento, ouvimos barulho de aviões sobrevoando a região. Construímos uma cabana com bambu e folhas de bananeira. Na primeira reunião do nosso grupo, Marta nos deu a seguinte informação: - Precisamos de mais homens para continuar a luta. Recebi informação de que irá chegar a Altamira um contingente de 18 companheiros recrutados no sul do país. Vou necessitar de um voluntário para buscar esses soldados da causa. - Eu estou à disposição, Comandante. – falou Geraldo. - Você tem certeza que pode conseguir ir e voltar com os novos guerrilheiros? – perguntou Marta. - Comandante, eu conheço bem a região, principalmente o Estado do Pará. Estudei geografia e os igarapés. A Senhora pode ficar tranquila, cumprirei a minha missão. - Não quero que ataquem nenhuma guarnição do exército. Fiquem no anonimato durante o percurso. Preciso de todos vocês para uma grande batalha no próximo inverno. A viagem do companheiro Geraldo até Altamira levou trinta dias. Durante esse tempo, treinamos táticas de guerrilha e arte da guerra. Ficamos sabendo que Marta recebeu treinamento militar durante dois anos na Rússia. Ela nos entregou um manuscrito sobre a grande marcha de Mao, assim como um livro sobre a coluna Prestes. Fiz várias anotações e comparei o momento histórico daqueles acontecimentos. Uma coisa me chamou à atenção: o povo apoiou e lutou junto com Mao, e quanto a nós, o povo não se fazia presente. Estava distante e anestesiado com as propagandas da ditadura militar. Com a chegada dos novos companheiros, foi criada uma nova coluna: “Coluna Vermelha do Norte”. Fui designado comandante da coluna, composta por 20 guerrilheiros. Marta continuou sendo a comandante geral, e Geraldo, o Chefe do Estado Maior de toda a tropa. Ficamos seis meses estudando e ouvindo diretrizes militares. Durante a noite, ouvíamos a rádio Tirana da Albânia. Esse tempo foi de extrema importância para todos nós. Os ensinamentos sobre a realidade econômica do mundo e do nosso País, a história da América Latina e o papel dos Estados Unidos. Tudo isso nos ajudou a compreender a luta que estávamos empreendendo nas matas da Amazônia. Nos finais de semana, Marta declamava poemas de Pablo Neruda, com fundo musical. Geraldo era o músico da tropa, sabia tocar violão de forma impressionante. Num desses encontros, não suportei, e falei para Marta: - Desculpe Marta, mas preciso falar uma coisa que está me atormentando há muito tempo. - Fale Camilo. - Com todo o respeito que tenho pela minha comandante de armas, preciso confessar: estou apaixonado. - É? E por quem? - Por você! Marta engoliu em seco. Olhou nos meus olhos e disse: - Camilo, escute o que eu vou te dizer: eu também tenho uma queda por você. Afinal sou mulher e tenho meus desejos. Acontece que nós não podemos e não temos o direito de deixar de lado a causa. - Revolução rima com paixão. Você não concorda? - Depende. – respondeu Marta. Conversamos muito naquele final de semana. Nada aconteceu de concreto entre nós. Com o decorrer do tempo, chegamos a trocar alguns beijinhos, e nada mais. Marta era muito rígida e conservadora. Seus olhos, seu corpo e sua voz eram o remédio para a minha vida. Já passava de dois anos que estávamos na selva. O exército brasileiro andava silencioso. Os seus guias militares e olhos noturnos, somente nos espreitavam. Para nós, o momento estava perto e com certeza muita gente iria morrer. As ordens do comando geral vinham de São Paulo, e o que chegava até nós era para aguardar melhor momento para atacar o quartel militar de Marabá. Sabíamos que tinha chegado à região mil paraquedistas do Rio de Janeiro. Eram homens que receberam treinamento com oficiais americanos, que participaram da Guerra do Vietnã. Julho de 1973, dia que jamais vou esquecer. Recebemos ordens do Comitê Central do Partido para iniciar o ataque ao quartel militar do exército, em Marabá. Marta fez uma reunião conosco e determinou que a tropa se dividisse em três colunas: a primeira e a mais numerosa, comandada por ela, atacaria a sentinela norte; a segunda, comandada por Geraldo, atacaria a sentinela sul e a terceira, comandada por mim, atacaria a entrada. Tudo foi organizado, e a ordem era seguir em direção ao quartel. A noite estava chuvosa e escura. Alguma coisa pairava no ar. De repente, ouvimos tiros de metralhadora repicando por todos os cantos. O exército ficou sabendo do nosso ataque, e se adiantou. Alguém, em São Paulo, nos entregou, resultado de uma prisão efetuada pelo regime. Foi um verdadeiro massacre. Fomos pegos de surpresa. Marta foi levada para um canto do local onde estávamos. Lá, na frente de inúmeros soldados, foi estuprada e morta com vários tiros de fuzil. Geraldo tentou escapar, juntamente com seus homens, e não teve sucesso, também recebeu inúmeros tiros pelo corpo. Eu, que estava mais distante, consegui trocar tiros com os soldados, mesmo assim, fui ferido e consegui rastejar uns 150 metros dali. Procurei me esconder e esperar o melhor momento para fugir e encontrar ajuda. Aos poucos, e com muita dificuldade, cheguei até a casa do professor de história, permanecendo ali por um ano. O exército não deixou ninguém vivo. Alguns foram presos e levados para Brasília, outros, depois de torturados foram fuzilados. Todos acabaram sendo enterrados como indigentes em cemitérios de cidades próximas de Marabá. Assim acabou o nosso sonho de tornar o Brasil uma nação socialista. Os militares foram cruéis, mas como disse Rosângela certa vez: “comunista não lamenta o leite derramado e nem se acovarda. Não pede arrego aos burgueses”. Eu ainda não voltei ao meu país, prefiro viver longe. Depois de todos esses anos, distante da pátria, escrevendo e lendo muito, com saudades de Marta, deixo o tempo passar. Às vezes, quando o sono não vem, procuro na minha memória a imagem da única mulher que amei na vida, e que não tive a oportunidade de tê-la em meus braços.

sábado, 19 de novembro de 2011

Imersão de Corpo e Alma na Boemia - Por Celso Martins*

Num primeiro momento Carlos se desgruda de Miguel e de Torres e os observa. Depois é a vez de Miguel se deslocar do corpo original e pairar sobre Carlos e Torres. Temos por fim um Torres projetado no infinito a perscrutar as entranhas de Carlos Miguel. Pode parecer um pouco estranho, mas é isso mesmo, sobretudo quando se trata de um triplo acerto de contas com o passado do autor, o mundano e depravado e o de resistência política e convívio familiar com amigos e colegas. É mais ou menos o que temos em “Embriagante Magia da Noite”, obra dedicada aos “amantes da noite” e “dançarinos das madrugadas sem fim”, sem faltar a “linda morena”, a “loira sensual”, as “eternas dançarinas da ‘Bodeguita”, onde aprendeu os primeiros passos. Nele se entrecruzam prostitutas, cafetões, garçons e o poeta apaixonado, munidos da “visão distorcida de uma realidade escura”, navegantes de um “rio que desce para lugar nenhum”. Todos envolvidos numa “madrugada de que não termina” e que “deveria ser infinita”. São temas delicados e de abordagem difícil, onde um pequeno resvalo nos leva a repetir preconceitos entranhados no ser humano, culturalmente construídos mas que parecem “naturais”. O autor aceitou o desafio e penetrou na torrente dos boêmios de “desatinados que enlouquecem as embriagantes noites”. Como se dizia até pouco tempo, esteve com o pé na lama. Só o pé não, quase toda a canela. Foi fundo na coisa, despiu-se do passado, esqueceu a referência, perdeu a noção, seguiu “à procura de uma nuvem escura”, tendo a noite como hospedeira, vivendo como “amante e dançarino”. O autor permaneceu pouco mais de uma década à deriva do mundo, mas não esqueceu de amarrar à cintura a cordinha que poderia usar a qualquer momento para chegar a margem. Ou seja, poeta, escritor, jornalista, exercitou as sensibilidades nos extremos do viver infinito, foi até o fundo do poço para depois voltar e nos falar do que viu, sentiu, cheirou, falou, ouviu e conferiu. Por isso não estamos frente a um acerto de contas qualquer, onde o autor procure sepultar um passado cruel, ou, melhor, ainda, jogue a poeira debaixo do tapete. Ao contrário, estamos frente a reflexões comuns a todo indivíduo, porém tratada com apurada lucidez, sem arrependimentos hipócritas, apenas uma apresentação dos saldos dos viveres, saberes e experiências. Militante comunista nos anos 1970, engajado no único partido de oposição nos tempos da ditadura civil-militar de 1964, o MDB, atuando no jornalismo e vivendo o renascer da produção cultural e do ativismo político nos anos 1980, também não logrou realizados os sonhos e utopias que nos animavam. O ato de sair pelo mundo “batendo na porta de várias paixões” foi sua forma particular de dizer não ao oportunismo e ao carreirismo que acompanharam a redemocratização. Miguel Torres se tornou então um “homem da noite”, “amante” e “companheiro” das prostitutas, um dos tantos “itinerantes no trato da paixão”, amigo dos violeiros e cantadores, aprendiz de dançarino. Pretendeu “descansar e adormecer em todas as calçadas do mundo”, falando somente “com a flor” plantada no coração. Suas reflexões indicam haver quebrado tabus, e deixado, de “queixo caído, a sociedade hipócrita”, além de abolir manuais que infestam a “imunda sociedade” e assumir um discurso pacifista: “Fazer das armas um monte de entulho”, transformando os arsenais e paióis em bibliotecas “onde todos possam ler os poemas, os romances que falem de amor” e de paixão. Em diversos momentos o “fantasma solitário” em que se transformou conversa com as “assombrações do passado”, quando foi “casado com a solidão” e “viúvo do tempo”, “viciado” nas “prostitutas que perambulam pelas ruelas da cidade”. Desta forma, entre percalços familiares e sofrimentos íntimos, pessoais, únicos e universais, que o poeta, “doce marginal das prostitutas”, virou o “cantor das emoções perdidas”. Mirando as lembranças físicas e emocionais da “Bodeguita”, um dia ele anunciou estar “indo embora para sempre”. E foi, traumatizado quem sabe com a “encrenqueira de plantão” da casa noturna. Cumprida a missão de observação e vivência, voltou para o mundo dos “normais”, carregando nos ombros os fardos de matéria-prima colhida entre os convivas notívagos como ele. Caminhou sobre o fio da navalha, capturando a emoção do risco e rompendo convenções, equilíbrio que fica patente na presente obra, meticulosamente construída, verso a verso, quase letra por letra. Sim, pois todas as palavras por ele ordenadas foram arduamente experimentadas, pesadas, avaliadas, submetidas a reflexões e críticas, resultando num raro testemunho do viver boêmio, a descontração e a libido ativa. Momento em que Carlos encontra Miguel que encontra Torres, jorrando a unidade que se chama Carlos Miguel Torres e sua obra. *Celso Martins é jornalista e historiador, autor de “Farol de Santa Marta – A esquina do Atlântico”, “Os comunas – Álvaro Ventura e o PCB catarinense”, “Os quatro cantos do Sol – Operação Barriga Verde” e “Aninha virou Anita”, entre outros.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Fernando Pessoa

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Morre Poeta Espanhol

Tomás Segovia, poeta espanhol, que chegou exilado ao México em 1940, morreu hoje (08), aos 84 anos de idade, vitima de cancer. Segovia é um dos poetas mais importantes das letras em língua espanhola. Com talento e sabedoria, Tomás enriqueceu a vida cultural da América Latina e Peninsula Ibérica. Nascido em Valencia, Segovia desembarcou no México em 1940 e se tornou uma importante figura da vida intelectual mexicana. Entre as suas obras mais conhecidas encontram-se "La Luz", (1950); "Apariciones", (1957); "Cuaderno del Nomada", (1978); "Cantanta a Solas", 1985; "Lapso", 1986; "Noticia Natural", (1992); "Fiel Imagen", (1996) e "Sonetos Votivos", (2007).

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Raios

Autor: Alberto Leal Caiam raios, Desafiem a razão, Mostrem a vida, mostrem a morte, Mostrem o poder da criação. Caiam raios, Desafiem o equilibrio, Mostrem que do caos surgirá a paz, E da solidão surgirá o amor. Caiam raios, Rasgando os céus desafiando a escuridão, Façam tremer corações aflitos e inseguros, Façam com que sintam a chama da paixão.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Dia do Grande Poeta

Hoje, 31 de outubro, data do aniversário do poeta Carlos Drummond de Andrade. Tornou-se o dia D, em que seus versos ganham vida na voz popular. Ele nasceu em 1902 e passa figurar no calendário nacional. Para o Instituto Moreira Sales não existe nenhuma pedra no caminho. A programação, diversificada, se espalha por todas as capitais do país e está envolvendo o maior número de admiradores do poeta. Um dos destaques será a exibição do filme "Consideração do Poema", produzido pelo IMS, justamente para a data, no qual nomes importantes da cultura brasileira leem poemas de Drummond, entre eles Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Hatoum, Fernanda Torres, Marília Pêra, Adriana Calcanhotto e Caca Diegues. Este evento acontece na cidade de São Paulo.

domingo, 23 de outubro de 2011

Partido Comunista do Bolso

É triste ver o que está acontecendo com o PC do B. Está envolvido em escândalos e tem a coragem de negar tudo. Não se faz mais comunista como antigamente. Como militante histórico, estou decepcionado. Marx está tremendo na sepultura.

O PC do B têm eleitores urbanos, estudantes votam no partido e intelectuais de todo o país também são fiéis. Em Porto Alegre a deputado federal Manuela Dávila é favorita nas eleições de 2012.

O ministro dos Esportes, Orlando Silva, indicado por Lula, como sempre, nega tudo. Acontece que as evidências estão ai no relento do sol. Para oposição a presidente Dilma já têm provas para demitir o ministro. Está na hora da faxina atingir os comunistas do PC do B.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Que os Bons Momentos Sejam Eternos

É preciso eternizar o momento
Para que nas noites frias e solitárias
Possamos nos lembrar da alegria
Quando a dor nos atingir
Massacrar o coração
Devemos buscar nos bons momentos
Do passado o remédio para a cura

Quando a escuridão tomar conta
Devemos imaginar que estamos sendo
Guiados pela luz da alegria dos dias felizes
É preciso deixar para trás os piores momentos
Trazer para o presente
A satisfação de que um dia fomos felizes

Se recebermos um não
De alguém que fez parte de nossa vida
Não importa
Um dia
Lá atrás
Esse alguém disse sim
Para a alegria do nosso coração

Só o tempo é eterno
A vida tem um tempo
Vamos então aproveitar o tempo que nos resta nesse
Imenso mundo criado pelo Arquiteto do Universo

Não podemos deixar que a sombra da tristeza se estabeleça
Vamos olhar o colorido das flores
Sentir o perfume da rosa
Apreciar a beleza da orquídea
Que todo o ano renasce
Para fazer do mundo um imenso jardim

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Gaddafi Foi Morto

É o fim de uma era de escuridão na Libia. O ditador Gaddafi foi morto pela revolução. O fim de ditador marca o desaparecimento de um tempo de despotismo e repressão que se estendeu por muito tempo. Hoje, o povo libio está feliz. A primavera chegou de uma vez por todas e a liberdade está nascendo na Libia.

Os escritores e democratas que foram mortos durante o regime de Gaddafi serão lembrados para sempre.

O Conselho Nacional de Transição, órgão político e militar dos rebeldes, afirmou que a Libia pode nesta quinta-feira virar uma página em sua história e empreender um novo futuro democrático.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Reencontro das Sombras da Noite

Os meus fantasmas, que na calada da noite aparecem para conversar comigo, querem matar a saudade de um tempo de uma situação, ou, quem sabe, de um futuro que não veio. Enquanto a noite é intensa, as bitucas queimam, as imagens deles surgem com toda força, deixando os meus olhos embaçados. Estou aqui bebendo e com muita vontade de ficar até o fim da noite. Com esse clima e com essa visão de uma boemia sem fim, olho para as estrelas à procura de um sinal, mas nada aparece, somente a certeza de que ainda viverei muito para prestar contas de tudo. Sou filho da angústia e parente da incredulidade.
Para cada fantasma, uma história desfila serenamente. É o reencontro das sombras, que passam por mim com olhares assustadores. Olho para eles como se estivesse olhando pelo retrovisor do meu carro, na medida em que o tempo vai passando, a distância vai aumentando. Mas não me importo, eu também sou um fantasma. Eu também sou um louco em busca do nada. Não posso escolher com quem conversar, porque não existe prioridade, todos têm uma razão, e todos querem reafirmar algum desejo não realizado. Estão cobrando um tempo, uma dívida que a existência teima em não esconder. Conheço todos os fantasmas, e com eles vivi uma bela época, uma contagiante emoção que cravou fundo no meu coração, mas deixou trilhas e descaminhos difíceis de serem apagados. Nem todos são amigos e amantes de um tempo. Alguns fantasmas são, para mim, como hienas, ficam à espreita, escondem-se atrás de arbustos, esperando o momento adequado para atacar e destruir o meu caminho.
Hoje quero dedicar o meu momento de boêmio e poeta a Você, que por razões desconhecidas teimou em permanecer ao meu lado um longo período. Não foi uma hiena, mas sim uma sugadora amorosa. Atravessou pântanos e tempestades noturnas, grudada nos meus passos. Chorou nos meus braços, e soluçou meigamente de desejos nas escuras madrugadas. É difícil dizer o porquê de tudo, somente os andantes da noite conhecem as nossas vidas, porque somos como vagalumes, nos alimentamos da escuridão, do prazer e do álcool.
Não foram poucos os momentos que discutimos e brigamos. Aliás, perdemos a conta. Você negou o meu amor por duas vezes, e por duas vezes neguei o teu amor. Convidei você para morar comigo duas vezes e duas vezes você não quis. Isso foi a prova de tudo, principalmente, de que queria somente sexo e belas noitadas. No fundo, eu fui e você foi a válvula de escape de nossas frustrações amorosas. Vivemos como duas andorinhas, voando de canto a canto, voltando para casa muitas vezes com as asas quebradas, mas felizes.
Enquanto o meu pensamento se transportava e navegava pelos mares revoltos da existência amorosa, o vento sul assobiava violentamente, demonstrando insatisfação com alguma coisa que se aproximava de mim. Toda vez que algo está para acontecer, o vento sul surge para avisar. Sou amigo dos mistérios do mundo e da noite. Cativo e sou cativado pelas sombras da vida. E naquele momento senti uma profunda saudade de algo que não sabia explicar.
Nesse meio tempo, chamei o garçom e pedi mais uma bebida. Olhei para o lado e vi uma linda morena sentada, que me observava atentamente. Trocamos alguns olhares, e aos poucos, senti necessidade de convidá-la para sentar-se a minha mesa. Antes, porém, pedi ao garçom informação sobre a referida mulher.
- Quem é essa mulher, que nunca vi?
- É a Rose. Não é sempre que aparece. Está à procura de um grande amor. – respondeu Gelson, o garçom de longa data.
- Todos nós estamos à procura de um grande amor. – acrescentei.
- Diga a ela que talvez eu não seja quem está procurando, mas que posso lhe dar alguns momentos de alegria e, quem sabe, até prazer.
- Poeta, meu amigo poeta, ela é especial e você não vai se arrepender de conhecê-la.
Conversamos muito, aliás, ouvi mais do que falei. Ela falou da sua vida, mostrando as feridas que ainda não cicatrizaram.
Rose, mesmo aos seus 34 anos, parecia que já tinha vivido meio século de vida, não pelo físico, e sim pela experiência. Viúva, mãe de dois filhos, ela era uma linda mulher, com um corpo que poderia colocar qualquer menina de 18 anos fora de disputa. Durante a nossa conversa bebeu quatro cervejas, mas parecia que o álcool não afetava o seu comportamento. A música que tocava nos convidou para uma dança, e a dança que nos emocionou foi a valsa. Dançamos um bom tempo, colados e, colados permanecemos até o fim da música. Ela era uma mulher fogosa e demonstrou desejo em viver emoções mais fortes. Antes de levá-la à mesa, nos beijamos loucamente. Foi o início de tudo, que somente o tempo soube tão bem mostrar.
- Você dança bem, querida! É uma excelente dançarina. – disse.
- Adoro dançar e ficar nos braços de um homem como você, a gente, se não sabe dançar, acaba aprendendo.
- A dança é uma terapia ou um consolo para os solitários da noite. – acrescentei.
- Conversamos muito, e até agora você não me disse qual é o seu nome, e o que faz na vida. – lembrou.
- Meu nome é Lucio, e sou poeta. A única coisa que sei fazer na vida é escrever.
- Você acha pouco? – perguntou.
- Para mim é pouco. Gostaria de fazer mais, ser mais útil. – revelei.
- A tua arte já é útil para o mundo. O mundo precisa dos poetas. – assinalou.
Já estávamos tomados pelo álcool, e a madrugada nos convidava para algo mais intenso, e adormecer com ela. O garçom, sentindo o clima entre nós, colocou mais uma valsa para tocar. Lentamente, fomos para o centro do salão, que àquelas alturas estava vazio. Senti o seu corpo tremer de desejo. A sua boca queria mais, talvez uma noite de prazer. As coxas, grossas, no passar dos passos da dança, sutilmente se abriam para mim.
- Não podemos continuar assim e aqui. Precisamos satisfazer os nossos corpos que querem algo mais profundo e intenso. – disse ao seu ouvido.
- Concordo com você, até porque não sou dormente. Já não consigo mudar os passos! A minha vontade é fazer do chão deste salão uma imensa cama! – acrescentou.
- Mas não é possível. Até que poderia ser. Imagina, agora, nesse momento, com esse clima de profundo desejo, fazermos do chão, uma grande cama. – assinalei com imensa vontade de levá-la a minha casa.
Paguei a conta e nos dirigimos para a casa de Rose.
No caminho, enquanto eu dirigia, Rose, com sei jeito gostoso e meigo de uma mulher felina, me acariciava de todas as formas. Por duas vezes encostei o carro numa estrada sem saída e nos acariciamos selvagemente. Só não fomos para os finais porque estávamos merecendo um momento mais trabalhado, e não ligeiro. Mesmo assim, ela tirou a calcinha vermelha e colocou-a no bolso da minha calça.
- Guarde com você. É o troféu e a lembrança do nosso primeiro encontro. Não vou precisar mais dela. Sou totalmente tua e quero ficar nua para que você me faça do jeito que quiser.
Eu já não estava resistindo mais. Como ela morava longe, resolvi entrar no primeiro motel da BR 101, no município de São José. Coloquei o meu carro na garagem e não esperei para entrar no quarto. Como ela estava sem calcinha e usando uma pequena saia, joguei-a em cima do capô do carro e sem lero-lero, penetrei-a com força. Fizemos amor durante um bom tempo na garagem do motel. Como estávamos cansados, resolvemos entrar no quarto. Tomamos um banho e tiramos um bom sono. Pela manhã, agora em cima da cama, fizemos amor mais uma vez.
Fiquei umas três semanas sem aparecer. Na quarta semana, resolvi dar as caras. A minha intenção não era encontrar Rose, mas não foi isso que aconteceu. Ela estava lá a minha espera. Fiz de conta que não a conhecia. Fui para a minha mesa, e não demorou muito, ela se aproximou dizendo:
- Foi tão ruim assim, que você desapareceu e não deixou nenhum recado, ou mesmo o número do seu telefone?
- Ao contrário, querida. Foi tão bom que fiquei assustado. Você é demais. – respondi, meio sem jeito.
- Você é estranho. Quem gosta, quer ficar junto e repetir os encontros. – acrescentou.
A minha relação com Rose durou um longo tempo. Ela era uma mulher encrenqueira de primeira hora. Ciumenta por tudo e por todos, mas na cama, gozava inúmeras vezes. Éramos dois loucos amantes, isso eu nunca reclamei. Sabia amar e ser amada. Na hora do amor, conhecia as minhas fraquezas sexuais. Eu sabia onde pegar no seu corpo. Quando saíamos, ela sempre ia sem calcinha. Era a minha tara, pegar nas suas coxas, no seu bumbum sem nenhum obstáculo. Mulher de primeira!
Agora, depois que tudo acabava, a realidade era outra. Brigávamos por qualquer coisa. De quinze em quinze dias, nós terminávamos. Na quarta semana, como de costume, reatávamos. E assim permanecemos durante oito anos. Ela não tinha vergonha na cara, eu também não. Éramos dois amantes, dois loucos por sexo, dois vagabundos e dois adorados namorados.
O tempo passou, e como tudo passa na vida, a loucura também cansou e teve o seu tempo. Ainda me lembro da última vez que fizemos amor. Foi na casa de Rose. Ela fez tudo o que mais odeio na vida: permaneceu travada o tempo todo, demonstrando preocupação com a filha que dormia com o namorado no quarto ao lado. Coisa que nunca aconteceu durante todo o tempo da nossa relação. Para mim, foi a pior noite da minha vida. Ali, naquele dia, tudo terminou. Resolvi desaparecer da vida de Rose sem dizer nada, de forma serena e definitiva. Saí, lembrando nossas existências, daquelas noites, daqueles momentos após baile, daqueles instantes em que o prazer tomava conta de nossos corpos.
Rose, na verdade, foi mais um doce fantasma na minha existência, que às vezes, perambula pelo meu pensamento e ainda vai perambular por muito tempo. São imagens que aparecem e desaparecem. Ela foi importante no meu caminho, soube me amar e ser amada. Era boêmia e deleitava-se nas noitadas. Há certas coisas na vida que é melhor não esquecer, e essas coisas, foram os tempos de Rose.
- Como vai meu amigo? Quanto tempo! Você continua aqui. Ainda vai morrer sentado nessa mesa. Engraçado que ninguém senta nela, somente você. Jamais imaginei que iria te encontrar.
Era o meu amigo garçom, que tinha ido embora da casa noturna. Ele arrumou outro emprego durante o dia. Abandonou a noite. Estava ali apenas para matar a saudade.
- O meu destino é morrer abraçado com a noite. Sou viciado na boemia. – relembrei.
- Eu sei. No mês passado procurei por você.
- Por quê?
- Você não assistiu ao programa policial?
- Não assisto essas coisas. Não gosto de cenas de violência, mas me conte. - fiquei curioso.
- Lembra-se da Rose? Ela foi encontrada morta no banheiro, com uma faca cravada no peito. Dizem que foi coisa de um antigo namorado, que não se conformou com a separação. Rose sempre foi apaixonada por você, muitas vezes saiu daqui totalmente bêbada, chorando de saudade. Depois de você, ela nunca mais quis ter alguém, simplesmente ficou ou passou alguns momentos, para apenas alimentar o grande amor de sua vida.
Gelson, amigo de longa data, não deixava de ser também um fantasma, que apareceu para dar notícia de uma mulher que alimentou profundamente a minha vida noturna. Depois da notícia, continuei até o fim da noite bebendo e dançando. Sai dali e fui direto para o cemitério levar uma rosa vermelha para Rose, mulher que nunca deixou de habitar o meu coração.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Velho Professor

As madrugadas não são as mesmas, até porque o tempo também é diferente. Dizem que o mundo está em guerra e que o Brasil irá participar. Estou vivendo o ano de 1940, parece que foi ontem que vi a mudança do século. O meu mundo está em paz, ou melhor, a minha vida caminha com o tempo. Já vivi muito para ficar preocupado com as coisas que independem de mim. Não faz muito tempo que o mundo estava em guerra, era a primeira grande guerra. Agora é a segunda guerra mundial, e, mais uma vez, a Europa briga com os demais países.
O melhor é ficar onde estou, jogando a rede ao mar, pegando a canoa e navegando à procura de peixes. Os meus filhos estão criados e vivem longe, talvez até tenham esquecido o pai, que tanto lutou para criá-los. A minha mulher faleceu há cinco anos e desde então, vivo esperando a morte bater à porta.
Pedro, professor aposentado, 78 anos, homem que apanhou muito do destino, tem inúmeras histórias para relatar, uma mais triste que a outra. Desde que veio de Blumenau para Florianópolis, ainda jovem, trabalhou incansavelmente para sustentar a família. Depois que se aposentou, adquiriu uma propriedade no sul da Ilha, e vive da pescaria. Para manter-se informado, vai uma vez por semana ao centro da cidade, para comprar jornal. Dorme cedo, no mesmo horário das galinhas. Antes, porém, ouve notícias do Brasil e do mundo no radinho de pilha.
A casa onde vive fica no Pântano do Sul. É simples, com apenas dois cômodos. Em volta da mesma, uma horta com as mais variadas hortaliças ajudam na alimentação e embelezam a morada. Nos dias de chuva e frio, senta na frente do fogão a lenha para se esquentar, tentando afugentar o vento sul que castiga sem dó a região. Com dificuldade, ainda consegue ler um livro emprestado na Biblioteca Pública. Ele não perdeu o costume de ler romances russos e franceses, assim, consegue se transportar às terras europeias. Já devia ter trocado os óculos, pois os que usa já perdeu a qualidade. Quando não está lendo, escreve, num velho caderno, as lembranças do passado, com muito cuidado e esmero, pois ainda não perdeu o capricho de professor de português. Assim, vai montando as frases de histórias de uma longa vida.
Foi num desses momentos de magia existencial que ouviu passos se aproximando da casa. Pensou que fosse Margarida, vizinha de longa data. Levantou-se da cadeira, e foi até a porta. Abriu, e, para a sua surpresa, era Juliano, amigo e diretor da Biblioteca Pública.
- Pedro, meu grande amigo, tenho boas notícias para você!
- É mesmo? Então, que bons ventos o tragam!
- Os teus manuscritos foram aceitos pelo editor do Rio de Janeiro. A tua história será publicada no mês que vem.
- Eu não acredito! Depois de cinco anos de espera, vou ver a história do pescador Fernando sendo publicada e lida pelo Brasil inteiro.
- É isso mesmo! – disse o Diretor da Biblioteca Pública.
Os dois amigos conversaram o resto da tarde, trocaram ideias sobre como seria o lançamento do livro. O dia já ia embora quando Juliano rumou em direção ao centro da cidade. Naquela noite, o velho professor não dormiu, até parecia uma criança, de tanta felicidade. Chegou a esquecer da rede que tinha colocado no mar para pegar algumas tainhotas.
No dia seguinte, bem cedo, quando o sol estava nascendo, pegou o barco e foi ver a rede. O mar estava agitado com muitas marolas, dificultando o trabalho. Enquanto observava se a rede tinha peixe, o pensamento viajava longe. A história do pescador Juliano, escrita há muito tempo, que desapareceu em alto mar, ia ser publicada em forma de livro. O velho professor, agora um pescador aplicado, não estava com sorte, não tinha nenhum peixe na rede. Mesmo assim, resolveu deixar a rede armada para o dia seguinte.
Ao voltar à praia, Pedro olhou para o alto, e viu que uma grande tempestade estava se aproximando. Não perdeu tempo, acelerou as remadas para escapar do temporal. Mas, alguma coisa começou a dar errada. Quanto mais remava para a terra, mais o barco se afastava. Nesse momento, um vento forte carregou de vez o barco para o alto mar.
A história estava se repetindo. Assim como o pescador Juliano, Pedro caminhava para o centro da tempestade. Não podia ser! A sua história ia ser publicada, mas ele estava seguindo o mesmo destino do seu personagem. Pedro lutava bravamente contra as ondas que tentavam de todas as formas virar o pequeno barco. Pediu ajuda aos céus e ao arquiteto do universo, mas de nada adiantou. De repente, uma grande onda veio e engoliu o barco, levando para o fundo do mar o velho professor. A morte veio buscar o professor Pedro de uma forma inusitada. Assim como o temporal surgiu, desapareceu no horizonte. O corpo foi encontrado boiando na praia do Pântano do Sul quatro dias depois do desaparecimento. Depois da tragédia, tudo voltou ao normal na vila.

sábado, 1 de outubro de 2011

O Silencio da Morte

A solidão da morte A saudade de quem foi Para um lugar onde ninguém Veio para dizer se é bom ou ruim As lágrimas são solitárias Onde o morto não consegue chorar Apenas observa com os olhos fechados O choro daqueles que nunca o amaram Está quieto na solidão do seu caixão Esperando para ir morar na cidade dos mortos Na hora da despedida Todos lamentam a partida Depois o tempo passa A solidão toma conta da saudade É o silencio da tumba E das lágrimas que secaram No leito da morte Os mortos viram heróis Os defeitos desaparecem As qualidades sobressaem Até porque todos ficam com dó Do moribundo sem vida Todos querem fugir dela Mas ela é implacável Severa e serena Tranquila e pacienciosa Aguarda na esquina da vida A chegada de todos nós Nascemos para morrer Morrer para viver longe daqui Junto da solidão do cemitério Ao lado de outro morto Que não fugiu da morte Apenas esperou para pegar carona Com o comboio dos falecidos

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Poetas

Florbela Espanca As almas dos poetas Não as entende ninguém São almas de violetas Que são poetas também Andam perdidas na vida Como as estrelas no ar Sentem o vento gemer Ouvem as rosas chorar Só quem embala no peito Dores amargas e secretas É que em noites de luar Podem entender os poetas E eu que arrasto amarguras Que nunca arrostou ninguém Tenho alma pra sentir A dos poetas também!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Meus Oito Anos

Autor: Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
— Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

domingo, 18 de setembro de 2011

A Fossa

Estou sentado nesta pedra há um bom tempo, quero encontrar o fio da meada, o começo de tudo. O horizonte abriu o seu arquivo e pacientemente está mostrando algumas páginas da minha vida que ficaram grudadas. Não importa o tempo que leve, simplesmente preciso ler cada frase que foi motivo de algumas emoções e de desgraças. Às vezes tenho dificuldade em conversar comigo mesmo, em outras ocasiões sou pressionado para abrir o livro. Tenho medo do meu passado. Se ele vier à tona, muita coisa vai aparecer. Confesso com toda a humildade, sou uma pessoa contraditória, perigosa e deixo o vento do destino me levar.
Estou aqui há mais de trinta anos, hoje com 58. Fui condenado a viver nessa clínica psiquiátrica. A justiça determinou a minha internação. Acusaram-me de ter dado um sumiço em minha esposa e no pedreiro. Até agora ninguém encontrou o corpo de nenhum dos dois. Sobre o pedreiro, eu não lembro direito. Eles é que precisam encontrar as provas. Mesmo assim afirmam que sou um perigo para a sociedade. Sempre soube fazer as coisas de tal forma que nunca deixei rastro. Sou detalhista em tudo. Gosto de guardar segredo, me alimento dele. Considero o mistério algo fascinante.
Felipe era uma pessoa solitária, de poucos amigos, e reservado. Desde que mandou para os quintos dos infernos a sua linda mulher, preferiu ficar distante, mais próximo do silencio, talvez com receio do que pudesse acontecer. Ele carregava um segredo muito bem guardado, que levaria para a sepultura. Os detalhes da morte do pedreiro ainda é um mistério. Será que alguém vai acreditar nele no dia em que resolver falar a verdade? Talvez não, porque os loucos não são levados a sério.
Conheci Felipe na primeira vez que visitei uma clínica psiquiátrica do Governo, em janeiro de 2006. Fui fazer uma pesquisa para escrever um livro sobre mentes perigosas. Conversei com ele durante duas horas, ouvindo atentamente a sua trágica história. Os seus olhos pareciam de uma pessoa amargurada pela vida. Tão logo soube que eu era escritor e que estava ali para escrever um livro sobre a vida dos residentes da clínica, veio ao meu encontro dizendo:
- Você é jornalista?
- Sou. – respondi.
- Quer ouvir a minha história? Vai acreditar? Porque até agora ninguém acreditou.
- Vou ouvir você e com certeza irei acreditar. – disse.
Era outono e as folhas caíam mansamente no chão. O sol não se fazia presente, tornando o clima escuro e misterioso. Sentamos num banco do jardim da clinica. Durante quatro dias ouvi e anotei a história da vida de Felipe. A princípio, não parecia ser de uma pessoa perigosa, mas com o decorrer do tempo percebi que se tratava de alguém com uma imensa sede de vingança. Queria se vingar do mundo e dos homens. Segundo informou, possuía planos para matar várias pessoas, incluindo eu, se não escrevesse direito a história dele. Revelou que o plano de seu suicídio já estava em andamento, mas preferiu não entrar em detalhes. Na oportunidade, também escondeu sobre o sumiço do corpo do pedreiro, mas sobre a vida do seu grande amor relatou algumas passagens que anotei, e consegui montar uma pequena história.
Na época em que conheceu Márcia, achou que estava iniciando uma longa vida de marido e mulher, mas não foi isso que aconteceu. Pensou em construir uma bela família, ter netos, enfim, viver e envelhecer juntos. Ela era de uma beleza fora do comum. Por onde andava era notada pelo físico exuberante. Muitos amigos diziam para ele que ela não era sincera, gostava em demasia de dinheiro, vivia de aparência. Mesmo com várias ponderações, ele pagou para ver. Pagou muito caro, e o que viu foi profundamente triste e constrangedor, e quando constatou, resolveu dar o troco e pagou caro pela segunda vez.
Num final de semana, como sempre fazia, Márcia disse-lhe:
- Querido, estou indo para a casa dos meus pais.
Felipe, mostrando desconforto respondeu:
- Você já foi na semana passada, este mês é a terceira vez que visita os teus pais. Gostaria de aproveitar o final de semana para ficarmos juntos. Afinal, precisamos curtir a vida de casados, pois faz somente quatros anos que estamos juntos.
- Já ficamos a semana inteira. Estou com saudades deles e você não pode me proibir de visitá-los.
- Claro que não! Mas...
Não adiantou. Márcia arrumou as coisas, pegou o seu carro e viajou. O que mais chamou à atenção de Felipe foi a forma como Márcia se arrumou. Usou uma roupa sensual e colocou um perfume provocante. Não parecia que ia visitar os pais. Naquele momento, Felipe sentiu algo diferente, alguma coisa estava errada com a sua mulher. Não pensou duas vezes: seguiu Márcia.
De Florianópolis à Itajaí, residência dos pais dela, a distância era curta. O tempo estava bom e ideal para viajar. Passou por Balneário Camboriú, em seguida o trevo que entrava para Itajaí, mas Márcia passou direto. Felipe ficou intrigado, mas continuou a viagem. Já estava viajando há quase duas horas e, pelo horário, o destino dela era Blumenau. Foi exatamente isso que aconteceu. De repente, o carro de Márcia parou na frente de um hotel. Ele permaneceu um pouco atrás, cuidando para não ser reconhecido. Para sua surpresa e tristeza, um homem, aparentando 50 anos, desceu do seu carro e veio ao encontro dela. Trocaram longos beijos e entraram na recepção do hotel. O mundo caiu sobre a cabeça de Felipe. A sua linda esposa estava lhe traindo com um homem desconhecido, mais velho que ela, e, pelo jeito, muito rico.
Por uns longínquos minutos, Felipe permaneceu sentado no banco do carro, pensando no que ia fazer. A noite chegou e ele, ali parado, montando um plano para a sua vingança. Deu meia volta no carro e retornou para Florianópolis. Aquele final de semana demorou a passar. Chorou, analisou no que errou com a sua amada. Sexo não podia ser, pois a procurava todos os dias. Lembrou-se dos avisos dos amigos da faculdade com relação à Márcia. No final das contas eles tinham razão, ela não prestava. Não merecia o seu sincero amor.
Vinham-lhe à mente algumas histórias, e a sua era parecida com a de João de Barro, traído por sua amada, que construiu uma casinha no alto de um poste, colocou-a lá dentro e fechou a porta por fora. Passou por sua cabeça também a letra da música, “cabocla Tereza”, que traiu o seu caboclo com um homem da cidade. No seu caso, teria que bolar um plano perfeito para que ninguém pudesse um dia descobrir.
No domingo à noite, lá pelas 22 horas, ouviu o carro de Márcia entrar na garagem da casa. Ficou sentado na sala esperando por ela.
- Você não foi dormir? – perguntou Márcia com um olhar de felicidade.
- Não, querida. Estava esperando por você. Precisamos conversar.
- O que você quer conversar?
- A nossa fossa está com problema. Será necessário construir outra.
- Novamente? Você não chamou a empresa desentupidora na semana passada?
- Eles vieram, mas não resolveram. Vou contratar um pedreiro para construir outra fossa bem grande e concretada pelos lados, assim ficará para sempre.
- Faça o que você achar melhor. Agora quero dormir que estou cansada da viagem. Adoro visitar os meus pais, mas eles me dão um grande cansaço.
Felipe ouviu as últimas palavras dela em seco. Não passava de uma grande mentirosa e vagabunda, pensou. O cansaço deveria ser do sexo e bebida com o amante mais velho e rico.
No dia seguinte, telefonou para Manuel, o pedreiro que construíra a sua casa e o contratou para resolver o problema do esgoto. Marcaram o dia para conversarem para tratar do preço da empreitada.
- Maneca, quero que você abra uma fossa com quatro metros de profundidade e três de largura.
- Mas, para que tão grande?
- Será preciso meu amigo. Quero que as merdas depositadas na fossa nunca mais saiam pelo ladrão. Outra coisa: concrete os lados, deixe somente o chão. Faça também uma tampa de concreto.
- Nossa! Nem parece uma fossa e sim uma sepultura para enterrar o filho do demônio. – falou o pedreiro intrigado.
Maneca, pedreiro de longa data, obedeceu às ordens de Felipe e iniciou a construção da nova fossa do seu amigo. Depois de trinta dias de trabalho duro, a obra foi entregue.
- Querido, que coisa estranha a fossa que você mandou fazer. – falou Márcia, sem desconfiar de nada.
- O que não presta precisa ser enterrado para sempre e nem mesmo cheiro tem que exalar. – disse Felipe com ar estranho e ao mesmo tempo de alegria.
Como era sábado, dia da viagem de Márcia, Felipe ao se despedir dela, disse:
- Quando você chegar da casa dos teus pais, no domingo, terei uma surpresa para você. Espero que goste.
- Tudo bem. Se não for coisa cansativa. Como você sabe, toda vez que vou visitar os meus pais volto muito cansada. – lembrou mais uma vez.
- Fique tranquila. Não será cansativa, apenas uma comemoração pelo aniversário do nosso casamento.
Felipe organizou tudo. O seu plano até aquele momento estava indo bem. Não mudou a rotina. No domingo, no horário de sempre, preparou o jantar e ficou à espera da sua esposa. Não demorou muito e ela chegou.
- Cheiro bom! Você preparou um gostoso jantar. Adoro frango à milanesa. Ainda mais que estou faminta e muito fraca.
- Tudo está do jeito que você gosta.
O jantar foi servido, assim como a bebida preparada. Em seguida do jantar, Márcia adormeceu sentada no sofá. Felipe, chorando muito, pegou a sua amada e colocou-a no fundo da fossa. Ligou os canos dos banheiros e pias da casa diretamente no lugar onde seria a eterna sepultura do seu grande amor. Depois, tampou o buraco e lacrou com cimento. Para disfarçar, jogou terra em cima da laje. Teve o trabalho de plantar algumas mudas de grama. Já passava das duas horas da madrugada. A noite e o silêncio eram cúmplices.
No dia seguinte, friamente, ligou para os pais de Márcia para saber do paradeiro dela. Ninguém sabia de nada, muito menos para onde tinha ido a mulher da sua vida.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Florbela Espanca

Hoje vou fazer uma homenagem a grande e bela poeta Florbela Espanca, cujos poemas registram as angústias e as contradições da modernidade e apresentam o amor como sentimento efêmero, passageiro.

Em muitos de seus sonetos, estão presentes: amargura, dor, solidão, angústia e, principalmente a morte.

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

sábado, 10 de setembro de 2011

Poesia Quentinha

A Revista Língua Portuguesa, de setembro, publicou uma matéria interessante. Informa que Projeto Literário publica poemas em sacos de pão na capital mineira. Se a literatura é mesmo o alimento da alma, os mineiros estão diante de um verdadeiro banquete. A Revista revela ainda que mais do que o pãozinho com manteiga, os moradores do bairro de Barreiro, em Belo Horizonte (MG), estão consumindo poesia brasileira no café da manhã.

Graças ao projeto Pão e Poesia, que faz do saquinho de pão um espaço para veiculação de poemas, escritores como Romano de Sant Anna e Fernando Brant dividem espaço com estudantes que passaram por oficinas de escrita poética. São ao todo 250 mil embalagens, distribuídas em padarias da região de Belo Horizonte, que trazem a boa literatura para o cotidiano de milhares de pessoas, além de dar uma chance a escritores novatos de ver seus textos impressos.

Criado em 2008 por um analista de sistemas apaixonado por literatura, o Pão e Poesias já recebeu dois prêmios do Ministério de Cultura. Para conhecer detalhes do projeto, basta acessar o blog htt://paopoesia.blogspot.com/.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Poema da Noite

Charles Chaplin

Já chorei vendo fotos e ouvindo música
Já liguei só para ouvir uma voz
Me apaixonei por um sorriso
Já pensei que fosse morrer de saudade
E tive medo de perder alguem especial...
e acabei perdendo
Já pulei e gritei de tanta felicidade
Já vivi de amor e fiz muitas juras eternas...
quebrei a cara muitas vezes!
Já abracei para proteger
Já dei risadas quando não podia
Já fiz amigos eternos
Amei e fui amado
Mas também já fui rejeitado
Fui amado e não amei.

domingo, 28 de agosto de 2011

Árvores Retorcidas


A pedra foi colocada no caminho
Os nossos passos estão obstruídos
Não vamos ficar admirando o obstáculo
É preciso dar a volta pelo lado
Continuar a caminhar com desenvoltura

Se a estrada é longa
Não importa o cansaço
Não adianta chorar
Muito menos lamentar
Precisamos tirar lição dos percalços
Se for preciso andar descalço
Com os pés sangrando
Não vamos jogar pedra ao vento

O caminhante não pode reclamar do tempo
Que muitas vezes demora a passar
A vida é uma escola
Onde somos alunos repetentes
Dependentes do humor do tempo
Mesmo castigados
Maltratados com a fúria da tempestade
Levantemos a cabeça
Observemos as nuvens
Para que lado elas estão viajando
Assim podemos pegar carona
Para combater o temporal da vida
Mas nunca correr sem lutar
Se for preciso
Vamos morrer lutando
Não importa
Porque o importante é
O final da caminhada

Devemos observar as árvores retorcidas
Elas suportam a selvageria do vento
Não quebram o tronco
Vivem combatendo os loucos ventos
Espalham as raízes pela terra
Procuram se fortalecer

Em vez de reclamar da sorte
Suavemente sempre balançam seus galhos
Como num bailado de alegria
Agradecem a fúria do vento
Assim tornam-se cada vez mais fortes


domingo, 21 de agosto de 2011

Maldade Vampiresca


A casa noturna que eu frequentava era a minha segunda casa. Natal e Ano Novo e as demais datas importantes eu passava ali, no lugar dos meus sonhos, pesadelos e desesperos amorosos. Chegava primeiro e saía por último. Conhecia todos e todos me conheciam. As mulheres de todas as idades e de todas as cores adoravam sentar na minha mesa e beber comigo até a madrugada desaparecer no horizonte. Não vou dizer o nome da casa, porque o importante foram os acontecimentos que ali ocorreram. O mundo até podia acabar, mas quem frequentava aquela casa noturna, vivia momentos inesquecíveis e o inesperado sempre se fazia presente.
Foi nesse ambiente que conheci Marlei, mulher adorável, misteriosa, má, e de beleza física excepcional. Por onde andava sempre acontecia alguma coisa na área da maldade. Ela pulava de mesa em mesa, bebendo ora com um, ora com outro, e no final da noite sempre saía acompanhada. Até adentrar na vida íntima dela, fui um atento observador de suas andanças amorosas e dos bárbaros crimes que praticava. A presença dela naquele ambiente era sutil, lenta e fatal. Aparecia de surpresa e se retirava sem dizer nada.
Lembro-me da relação que ela teve com Cláudio, mulato, filho único de uma família rica do Mato Grosso. Cláudio se relacionou com Marlei durante três meses. Numa derradeira madrugada, ele apareceu morto no seu apartamento. O corpo dele estava em pedaços e sem sangue, parecendo que alguém o havia sugado. A polícia não encontrou nenhuma pista do assassino. Até um investigador de polícia desapareceu quando chegou perto das pegadas de Marlei. Seu corpo foi encontrado duas semanas depois no fundo do mar, amarrado numa pedra.
A misteriosa loira nunca falou de sua vida para os seus amantes. Omitia ou mentia e poucas pessoas, talvez ninguém, era convidado para visitar a sua residência. Gostava de fazer amor nos locais públicos e perigosos, principalmente dentro de carros, ou até mesmo nas ruas escuras de Florianópolis. Dependendo da situação escolhia casas antigas e abandonadas para executar seus planos sensuais e macabros. Depois de uma longa noite de bebida e dança, Marlei pegava pela mão o seu escolhido e saía pela porta discretamente.
Os meus olhos sempre estiveram atentos nos passos da loira, que para mim, mais parecia ser a noiva do diabo. Até hoje não consigo tirar da memória a fatal sexta-feira do dia 10, do mês de agosto de 2001. Já passava das três horas da manhã, a noite estava escura, quente e abafada, quando Marlei pagou a conta da despesa da noite, sorriu e pegou pela mão o alegre Paulo. Aliás, ela sempre pagava as suas despesas.
Naquele dia, ela vestia uma calça bem justa, deixando a mostra o volumoso bumbum. Rebolando, Marlei saiu para mais uma aventura. Não perdi tempo, segui o casal que foi rapidamente na direção de um estacionamento perto dali. Desta vez, ela não quis ir para o casarão abandonado que ficava no final da Rua Conselheiro Mafra.
Fiquei escondido atrás de um carro observando atentamente os movimentos amorosos dos amantes. Marlei levou Paulo para dentro da guarita do cobrador do estacionamento. Cheguei mais perto para ver melhor o que estava ocorrendo. Ela, sem dizer nada, tirou lentamente a calça, ficando só de calcinha. Paulo, agoniado, não perdeu tempo, penetrou Marlei ali mesmo. Eu fiquei olhando e percebia os seus movimentos e gemidos. Depois de uma hora, Marlei, aparentando cansaço, vestiu a calça e deu um forte beijo na boca do Paulo. Ficaram ali abraçados por uns longos cinco minutos. Num piscar de olhos, ouvi um grito. Era Paulo, sendo golpeado por Marlei. A cena era tão forte que fiquei espantado e ao mesmo tempo paralisado. Mesmo caído no chão, ela continuava ferindo-o mortalmente. A arma usada pela assassina era uma navalha, que ao passar pela carne do moribundo, fazia cortes profundos. O sangue jorrava por todos os lados. Depois do ato criminoso, Marlei cortou o corpo de Paulo em vários pedaços. Na medida em que cortava o corpo do pobre diabo, sorria e cantava uma canção que nunca ouvi na vida. Em seguida, colocou os pedaços do corpo dentro de um saco de lixo que trazia na bolsa. Arrastou o saco com o corpo até um bueiro, jogando-o em seguida. O que mais me enojou foi a cena de despedida. Marlei bebeu todo o sangue da vítima.
Levei mais de uma hora para voltar ao normal. Não estava acreditando no que presenciei. A minha intenção era simplesmente ver a cena de sexo entre aquela linda mulher e um homem de meia idade. Eu tinha uma tara em observar casais fazendo sexo para depois me masturbar. Assim como Paulo foi rápido na forma de transar, Marlei foi ligeira na penetração da navalha. A guarita do cobrador do estacionamento foi palco de cenas violentas e sensuais de dois seres da noite. Sem olhar para trás, Marlei foi embora, rebolando a bunda e sem demonstrar nenhum arrependimento. Eu, ainda sem acreditar no que tinha visto, fui para o meu apartamento.
Depois de algum tempo sem aparecer na referida casa dos prazeres e agora de crimes misteriosos, resolvi voltar. Logo que adentrei no recinto, para a minha surpresa ou alegria, Marlei estava sentava na primeira mesa, olhando para mim. O seu olhar era direto nos meus olhos, parece querendo adivinhar os meus pensamentos. Fiz de conta que não a tinha visto, mas não foi possível, ela se levantou e parou de pé na minha frente. Disse secamente:
- Precisamos conversar. Sei que você viu tudo. Você é doente tanto quanto eu e cúmplice dos meus crimes.
- Não sei do que você está falando.
- Não se faça de tolo. Sente aqui na minha mesa. Vou pedir uma bebida.
- Está bem. Mas não vou demorar muito, logo vou-me embora.
- Hoje a noite será longa; ou melhor, a nossa noite, seu masturbador da madrugada. – sorriu ironicamente.
Marlei, após vários copos de Martini seco, convidou-me para dançar. Fomos para o centro do salão. Como sempre, ela era pura sensualidade. Naquela noite, vestia uma saia bem curta e um decote que deixava os seios quase a mostra. A música tocada era bem lenta, convidativa para emoções fortes. Depois de alguns minutos, rosto colado, ela disse ao meu ouvido:
- Querido, eu sei que você viu o que aconteceu com o Paulo e com outros namorados. Há muito tempo que você me vigia. Já vi você se masturbar olhando eu sendo penetrada de quatro. O que você quer comigo? Por que não me denunciou para a polícia?
- Eu não quero nada com você e não sou dedo duro. – respondi.
- Nada não! Você tem desejo e quer me possuir. Estou sentindo na tua respiração, está ofegante. Não se preocupe, eu não vou matar você, somente quero sentir o teu gosto. –revelou, demonstrando autoridade sobre mim.
Não consegui deixar de demonstrar os loucos desejos que tinha por aquela bandida dos infernos. O meu corpo queria ter Marlei de qualquer maneira. Aos poucos, toquei os meus lábios na sua boca. Ela sabia beijar, tinha uma língua saborosa. O beijo da morte, ou do desejo macabro, acabou acontecendo. Senti a língua da mulher misteriosa, remexendo dentro da minha boca. Tremi dos pés a cabeça. Depois do beijo algo estranho aconteceu comigo. Parecia que estava sendo levado para dentro de uma caverna escura. Tentei me largar dos seus braços, mas não foi possível. Por uns longos minutos senti as minhas energias sendo sugadas. De repente, tudo passou. A música terminou e fomos para a mesa. Ao sentar-me, me senti fraco e com uma imensa vontade de beber.
- Beba, você precisa de muito líquido. – disse, como se já conhecesse o que estava ocorrendo.
- Como você sabe que preciso de líquido? – perguntei.
Ela sorriu para mim e revelou:
- Meu querido Valmor, agora você faz parte da minha misteriosa vida. Relaxe e me deixe ser tua eternamente.
Não lhe disse nada, apenas respirei fundo. A madrugada estava chegando e logo um novo dia iria surgir. O meu desejo pela Marlei era grande, selvagem, intenso. Entre beijos e mãos pelo corpo, fomos direto para a guarita do estacionamento. Chegando lá, logo fui tirando a sua roupa. A noite estava maravilhosa, principalmente a lua que brilhava intensamente. A claridade que vinha da lua deixava o bumbum dela mais bonito ainda. Encostei Marlei na parede e fizemos sexo de forma extremamente selvagem. Num determinado momento ela pegou a minha mão e colocou na sua boca. No início sugou e em seguida, deu uma forte mordida, tirando sangue. Mesmo assim continuou sugando. Como estava gostosa a nossa transa, não percebi e muito menos senti o que realmente ocorria. Era uma mistura de dor, desejo, e uma lenta fraqueza começou a tomar conta do meu corpo. Quando gozamos, caí sentado no chão, ela não. Simplesmente levantou a calcinha e saiu no meio da noite. Não me disse nada, nem olhou para trás. Parecia feliz com o que tinha acontecido.
Fiquei ali sentado até amanhecer. Não conseguia me levantar. Olhei para o meu dedo, estava inchado e dolorido. Aos poucos comecei a entender o que tinha se passado. A coisa foi longe demais. Não sei com quem transei se era uma mulher ou coisa do inferno, a única certeza era que eu estava fraco e sem nenhuma força para caminhar. Naquele momento, meio perdido e sem condições de chegar até a minha casa, resolvi rezar e pedir ajuda aos céus. Depois de alguns minutos em oração, e então mais descansado, consegui dar alguns passos. Com dificuldade, aos poucos, cheguei a minha casa. Joguei-me na cama e só acordei um dia depois.
Na minha cabeça, Marlei era um fantasma que sai à noite para sugar o sangue de suas vítimas. Resolvi continuar a perseguição, só que agora com mais preparo. Foi isso que eu fiz. Na sexta-feira seguinte, fui até a casa dos mistérios. O mais interessante é que todos que frequentavam aquele local se pareciam, tinham algo em comum. Chegando lá, pensei que iria encontrar com ela, mas não foi isso o que aconteceu. Perguntei para o garçom se a mulher misteriosa já tinha aparecido. Ele olhou-me com os olhos arregalados e sentenciou:
- Valmor, fique longe da Marlei! Ela é mulher do diabo. Todos que se relacionaram com ela acabaram boiando na Baía Sul, ou apareceram embaixo da Ponte Hercílio Luz.
- Eu sei que ela é coisa do demônio. Mas, fique tranquilo, vou acabar com a raça dela.
Ele deu um sorriso amarelo. Balançou a cabeça e afirmou:
- Ela esteve aqui e saiu com o Luís. Você quer acabar com ela?
- Quero sim. – respondi com determinação.
- Então vá até o Casarão abandonado do Governador Hercílio Luz, na Avenida Mauro Ramos. Ela mora lá. No ano passado aconteceu uma grande festa, com muito sexo e droga com pessoas de fora, vindas do exterior, criaturas esquisitas. A maioria era de políticos. – informou.
Agradeci as palavras do garçom e me dirigi ao velho Casarão. Chegando lá, percebi que tudo estava tomado por ratos e baratas, que circulavam de um lado para outro. Teias de aranha dificultavam o caminho. Estava escuro e somente a luz da lua clareava o local. Depois de percorrer todos os aposentos, observei que nos fundos do casarão, existia uma porta semiaberta. Entrei e logo vi um caixão de madeira nobre. O meu coração bateu forte. Fiquei com medo. A minha vontade era correr e desaparecer daquele lugar. De repente, ouvi uns passos. Escondi-me atrás de uma porta. Era a Marlei que chegava da sua caçada. Estava com a boca suja de sangue e nua da cintura para baixo. Antes de entrar no caixão, olhou para todos os lados, parece que estava sentindo a minha presença. Mas como o dia estava surgindo, entrou e deitou-se no caixão, fechando-o em seguida.
Esperei o dia clarear e fui ao posto de gasolina mais próximo. Comprei dois litros de gasolina. Voltei no velho Casarão para dar fim naquele monstro. Sem esperar muito, derramei os dois litros de gasolina em cima do caixão de madeira. Risquei um palito de fósforo e o fogo tomou conta de tudo. Ouvi um grito vindo dos infernos. Um forte cheiro de enxofre tomou conta do local. Não demorou muito e somente cinzas restaram do caixão e consequentemente da Marlei.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Meu Vicio

Fui resgatar você na noite
Na perdição da vida
A noite trouxe você para mim
Levei muito tempo para te encontrar
Gostaria de ter encontrado você muito antes
Que o mundo fizesse de mim
Um homem perdido

Você é a minha imagem
É o meu som ouvido na sombra de uma árvore
É a doce sombra nos dias de sol forte
Sou o teu acompanhante
Você é a minha amante
Nas noites quentes de verão
Sigo o teu pensamento
Persigo os teus passos
Eles se confundem com os meus

A tua voz é a canção
Que embala a solidão do meu destino
Você é a minha flor da noite
Que perfuma a paixão
Guardada no fundo da alma

Você é igual a uma carta guardada
Repleta de lindas palavras
Que nem mesmo o tempo
Consegue fazer desaparecer
Quanto mais tempo
Estivermos juntos
Mais seremos eternos
Ou mais perdidos
Um pelo outro

Somos dois viciados
Dois drogados
Eu pela noite
Pela lua...
Você por mim
Pelos meus beijos...

Você é a minha noite
É a minha seresta
Porque sou o teu seresteiro
É a minha boemia
Que não abandonei

É o vício
Que nao consegui deixar
Quem sabe um dia
Possa morrer ao teu lado
Para acordar no outro lado
De uma perdida noite
Somos como dois ciganos
Que perambulam pelas madrugadas
Trocamos os passos nos salões
Do tango à valsa
Tudo é emoção
Porque os nossos corações
Foram feitos somente para as lindas canções

Poeira do Passado

Ninguém entende
Poucos compreendem
O que significa saudade
Tão falada e escrita
Ao longo do tempo

É algo que surge de repente
Vem vindo...
E o coração emite os
Primeiros sinais
De desespero

A saudade é uma música triste
Uma melodia que fala do passado
Uma canção repleta de palavras
Ditas em vão
Porque não traz de volta o passado
Para as nossas vidas

A saudade é invisível
Como um vento gelado
Que ao bater no rosto
Corta e machuca
A saudade pode até matar
Se não for medicada
Com o remédio chamado presença
Ela não bate à porta
A porta se abre para ela

Ninguém pode dizer que nunca sentiu saudade
A saudade nasce dentro do coração
É irmã da emoção
Age silenciosamente
Não vem acompanhada
Prefere trabalhar sozinha

A saudade é um amor que
Morreu dentro do nosso peito
Pulsa com o tempo
De vez em quando
Faz a gente chorar

A saudade não morre
Vai junto para o além-túmulo
Talvez aumente
Nunca adormece
Só comparece para dizer que o
Amor ainda vive
Mesmo perdido na poeira do tempo

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Saudade

Saudade é a solidão acompanhada
É quando o amor ainda não foi embora
Mas a pessoa já

Saudade é amar um passado que ainda não passou
É recusar um presente que nos machuca
É não ver um futuro que nos convida

Saudade é o inferno dos que perderam
É a dor dos que ficaram para trás

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade
Aquela que nunca amou

E esse é o maior dos sofrimentos
Não ter por quem sentir saudades
Passar pela vida e não viver

O maior dos sofrimentos
É nunca ter sofrido


Pablo Neruda

domingo, 31 de julho de 2011

Enfermeira

Estou envolvido numa escuridão total. Há duas noites e dois dias que não saio do meu quarto. Fumo e bebo sem parar, já escrevi várias histórias, todas curtas e intensas. A minha mente não para de viajar, por algum momento chego a pensar que estou perdendo o juízo. Isso acontece toda vez que me lembro da minha última internação. Sofri muito na clínica. Os médicos diagnosticaram que sofro de uma grave doença mental. Eu não acredito neles, talvez eu seja vitima da sociedade que cobra tudo, até mesmo o modo de pensar. Se você é diferente, torna-se alguém perigoso e precisa de tratamento. Sendo assim, é escrevendo que consigo me libertar. É bebendo e fumando que consigo livrar os meus pensamentos sobre a dor, a perseguição e a morte.
Quando o dia começou a nascer, abri a janela do meu quarto para deixar o vento da manhã adentrar e assim limpar a intensa fumaça que tomou conta dos meus aposentos. Nesse momento, alguém bateu a minha porta. Abri, e uma linda moça, vizinha do andar de cima, diz:
- Bom dia, escritor! Há dois dias que bato a sua porta e você não atende.
- Bom dia. O que você quer? Algum problema? – Perguntei secamente.
- Desculpe, mas fiquei preocupada com você. – Respondeu - desconcertada com as minhas perguntas.
- Não se preocupe comigo. Não convido você para entrar porque o meu apartamento está totalmente desarrumado. – Acrescentei.
- Não precisa. Agora estou tranquila. Está tudo bem com você. Mas quando sobrar um tempo, gostaria de conversar um pouco. Nunca tive oportunidade de conhecer um escritor famoso. Só conheço você pelos livros e artigos publicados em jornais. – Revelou, tentando uma aproximação.
- Está bem, numa hora dessas conversaremos. Agora, se você me der licença, preciso tomar um banho e comer alguma coisa, estou faminto.
- Fique à vontade, já estou indo embora. Qualquer coisa que precisar pode me chamar. O meu nome é Marlene, moro no apartamento 301.
- Obrigado Marlene. O meu nome você já sabe.
- Sei sim. É o famoso escritor Flamingo.
A conversa com a minha vizinha até que foi boa, mas me deixou preocupado, estava querendo entrar na minha casa sem ser devidamente convidada. De certa maneira ajudou a quebrar o silêncio reinante. No momento em que a porta fechou, voltei para o meu mundo. Um mundo estranho, que somente eu tenho acesso e mais ninguém, que foi construído aos poucos. Essa construção teve início lá na minha infância. Os meus pais se drogavam na minha frente. Para fugir da situação, eu me refugiava no meu quarto. Só saía quando eles adormeciam, ou saíam para rua à procura de mais droga. Fui crescendo vendo as pessoas que eu amava se destruindo. Até que um dia, a morte acabou levando os dois. A alternativa foi viver com a minha avó, que também tinha problemas com bebida e não demorou muito a falecer.
Aos dezoitos anos de idade, vivendo sozinho e sem família, iniciei a minha carreira de escritor. Os meus primeiros escritos se basearam na minha experiência de vida. Relatei os acontecimentos amorosos dos meus pais e o alcoolismo da minha avó. Depois que eles morreram, conheci a vida noturna. A solidão continuou sendo a minha companheira.
Por sorte herdei uma pensão da minha avó, e com isso não foi necessário trabalhar. Em seguida comecei a receber recursos financeiros pela venda de artigos publicados em jornais. Toda a experiência dramática da minha família me contaminou profundamente. Herdei o vício da bebida e ainda loucura do meu avô. Nas vezes que fui internado para tratamento do alcoolismo, foi porque o meu editor teve a coragem de me socorrer, chamando um médico.
Durante trinta anos vivi o meu mundo. Escritor de talento para uns e louco para a sociedade. Na minha cabeça eu tinha a certeza de que não sairia jamais da situação em que me encontrava. Os meus relacionamentos amorosos sempre foram rápidos e sem compromissos. A maioria deles era com prostitutas. As mulheres foram passageiras na minha vida, talvez tivessem medo de mim. Tudo era esquisito e o silêncio se fazia presente. Qualquer um que tentasse se aproximar, logo era descartado, muitas vezes de forma violenta. Sendo assim, nunca foi possível manter qualquer relacionamento.
Passaram-se duas semanas da conversa que mantive com Marlene. Eu já ia até me esquecendo dela. Certo dia, ao sair do meu apartamento, dei de cara com a vizinha do 301. Tentei me esquivar, mas não teve jeito. Ela colocou-se a minha frente, dizendo:
- Hoje você não escapa! Quero muito conversar com o escritor que tanto admiro.
- Pode ser outro dia? – Perguntei, tentando despistar.
- Não! Tem que ser hoje! – Respondeu taxativamente.
- Está bem, entre então. Não repare a sujeira da minha casa. A faxineira só vem na próxima semana.
- Não vim aqui para reparar nada, somente trocar algumas palavras com uma pessoa maravilhosa e repleta de talentos. – Disse.
Ficamos conversando a noite inteira. Ela bebeu comigo. Até trocamos olhares sensuais em alguns instantes. Mas ficamos nisso. Contou-me algumas passagens da sua vida, mas quem mais falou fui eu. Pela primeira vez na vida, consegui externar a imensa carga emocional represada ao longo do tempo. Marlene, com sua maneira autoritária, outras vezes, meiga, conseguiu abrir a porta do meu coração. Parece que ela veio cuidar das minhas feridas. Chegava a ser igual a uma enfermeira, com tanto zelo por mim. Em momento algum me criticou. No final da noite, quando achei que tinha ouvido tudo dela, na despedida disse:
- Eu descobri a senha do teu coração. Agora serei a tua dona. Só vai fazer aquilo que eu mandar. No fundo você é uma pessoa carente e frágil. Mas, fique tranquilo, não falarei nada para ninguém das coisas que conversamos. Outro dia, quem sabe, poderemos continuar a nossa conversa.
Senti-me nu na frente dela. Aquela mulher, sem mais nem menos, entrou na minha casa, descobriu os meus podres e ainda disse que era a minha dona e que eu era fraco. Eu precisava fazer alguma coisa. Não disse nada, somente agi.
Depois do serviço feito, voltei para a mesa na biblioteca e escrevi uma história sobre a vida de uma enfermeira intrometida que foi estrangulada e seu corpo jogado numa lixeira no condomínio onde residia.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Ingênua Flor

Ela estava sentada na varanda da casa, observando o mar e as ondas quebrando na areia. Cada onda era uma foto que vinha e voltava. As imagens do passado fluíam como filme, às vezes coloridas, às vezes em preto e branco, passando pelo presente e viajando para o futuro, para tão longe onde seus olhos nem pudessem enxergar, quem sabe, para o outro lado do tempo. Já tinha navegado por muitos mares e conhecido dezenas de portos. Em todos eles deixou inesquecíveis saudades. A vida dela era uma folha corrida com histórias de amor, muita dor, angústia, emoção e alegria, que se perderam ao longo da caminhada.

O corpo já estava gostosamente cansado de tanto viver, de tanto olhar para o sol e de tanto se esconder da escuridão da noite. Muitas vezes tinha confessado que viveu o bastante para fechar os olhos e acordar na outra margem do oceano. Em diversos momentos, nas longas tardes de outono, via ao longe a hora chegando, vindo na sua direção, com flores e músicas em sua homenagem.

Muitas primaveras haviam passado, inúmeras alegrias e dezenas de tristezas fizeram parte da existência. Para uma mulher, a vida tinha sido bela e ao mesmo tempo emocionalmente cruel. Deu tudo e tudo tirou, deixando somente a solidão como sua derradeira companheira. Foi cortejada por belos homens e rejeitada por outros. Mas, de todos, um marcou muito a sua vida. Era o inesquecível Coiote. A imagem dele fazia com que o infinito viajasse eternamente deixando belas paisagens.

Mesmo andando por vários lugares das grandes cidades, ele permanecia caminhando suavemente dentro do coração e da alma. Nunca teve a deselegância de sair, apenas ficava dando leves toques de insustentáveis saudades. Por esse homem valeu a pena ter vivido até aquela data. Nunca foi embora, apenas ficou ao lado dos seus sentimentos, como se fosse um amante à espera da amada, ou uma gostosa sombra. Mas o tempo viajou depressa, deixando marcas pelo corpo.

Da sua beleza pouca coisa restou, as linhas do tempo tomaram conta de tudo e muitas cicatrizes em seu coração. O destino foi amargo para com ela, roubou o encanto. As imagens continuavam indo e vindo.

Paty estava sozinha e todos desapareceram. Até mesmo a encantadora beleza foi embora. Estava gorda e cheia de marcas pelas coxas e bunda. Os homens que juraram envelhecer com ela fugiram nas esquinas das noites. Foram tantas as noites, que nunca conseguiu contar, muito menos a quantidade de madrugadas que foi usada sexualmente. Nunca quis amar, exceto o seu grande amor: o saudoso Coiote.

Desde que se viu mulher dentro daquele pequeno mundo, sabia que teria uma vida profundamente embriagante com desconcertantes prazeres, mas que deixariam rastros de amor, paixões, ódios e chorosas saudades em diversos corações. Nasceu para uma vida de ilusão. Sabia que seria de muitos homens e que no final da vida estaria sozinha, catando os cacos da enlouquecida existência.

O sol começava a se aproximar da grande montanha, deixando o clima mais ameno e com um gostoso frescor. A mente continuava a viajar. Até parece que foi ontem que saiu da pequena cidade do Oeste de Santa Catarina.

Os anos se passaram como uma linda noite de ilusão, mas as emoções ainda se faziam violentamente presentes na alma. Às vezes chorava quando assistia ao filme da vida que teimava em passar lentamente. Estava vivendo e degustando as horas e as noites que foram tão belas que até hoje ainda sente os cacos das emoções que não morreram, apenas se fazem presentes de forma glamourosa.

Enquanto estava perdida com esses pensamentos do passado, ouviu uma voz que se aproximava:

- Dona Paty, é melhor a Senhora ir para dentro de casa, o tempo está se aprontando, virá um grande temporal. O mar está agitado. A senhora não tem mais idade para se molhar, é preciso cuidar com o resfriado.

Era a vizinha, Lourdes, que nos últimos tempos vinha todos os dias cuidar de Paty, pois sofria de hipertensão e às vezes caia sozinha. Muitas vezes fora socorrida desmaiada perto dos rochedos.

- Fique tranquila minha amiga, hoje estou mais forte. Qualquer coisa, irei para dentro de casa. – tranquilizou Paty.

- O que a Senhora está fazendo ai, parada olhando para o mar? Até parece que está conversando com alguém.

- Estou me lembrando do passado, conversando com os fantasmas, somente isso.

- Que fantasmas? – perguntou Lurdes.

- Você não os conhece. Não adianta explicar. – respondeu Paty.

- Está bem, mas não demore. – acrescentou Lourdes.

Lourdes era uma boa pessoa, surgiu de repente na vida de Paty. Ela também teve uma existência parecida com a da sua amiga, mas nunca revelou nada a ninguém. Em alguns momentos, Lourdes se recolhia para conversar com o tempo, em outras ocasiões chorava de saudade ou tristeza.

Mesmo com a ponderação de Lourdes, Paty voltou para assistir ao filme sobre a sua vida.
O pensamento foi lá atrás novamente, no início de tudo. Quando adolescente, começou a ver o mundo diferente e surgiu a oportunidade de sair da cidade para viver coisas além do portão da sua casa. Seus pais foram radicalmente contra. Mesmo sendo pessoas simples, não queriam que a adorada filha fosse morar distante do local onde nasceu, pois a sua maior alegria foi quando ela veio ao mundo.
Nesse momento conheceu um homem mais velho, charmoso e aparentemente rico. Ainda permanecia vivo na memória o dia em que o encontrou pela primeira vez, aquele que seria o seu eterno amor. Ou, aquele que mostraria para ela o outro lado da vida, o lado da noite, do dinheiro fácil, do consumo de todas as bebidas e também da tristeza.

Estava saindo do colégio com as amigas, quando Coiote parou o lindo carro e a convidou para dar uma volta e depois a deixaria em casa.

- Você ai, menina dos olhos verdes, quer uma carona?

Ela não pensou duas vezes para aceitar o convite daquele homem, mesmo sendo uma pessoa estranha.

- Aceito sim, nunca andei de carro, hoje será a primeira vez. – respondeu Paty, alegremente, sem imaginar que estaria naquele momento entrando numa longa estrada de orgias e bebidas.

Depois de alguns momentos dentro do carro, parecia que já o conhecia, tamanha foi à simpatia que os uniu. Estava profundamente feliz.

Andou pela primeira vez num belo carro e ainda acompanhada de um homem bonito e cheiroso era algo sensacional para a ingênua flor. A magia tomou conta dela, e o encanto fez com que seus olhos brilhassem perdidamente.

Eles se apaixonaram perdidamente, tudo aconteceu num passe de mágica. Daquele dia em diante, Coiote passou a buscá-la no colégio todos os finais de tarde. Não demorou muito e o convite para passar uma noite inteira aconteceu.

Nunca tinha ficado com alguém de sua idade, e muito menos, com um homem mais velho. Dali em diante, se encontravam todos os finais de semana num motel de Chapecó. Beijos e abraços estavam se tornando frequentes. Não sabia o que era fazer amor, sentir prazer e dar prazer a um homem.

No início, mesmo num motel, Coiote teve paciência com ela. Não foi além de umas caricias. Com ele tudo era novidade, pois foi com esse homem que conheceu o que era prazer. A primeira vez que se sentiu mulher, sendo acariciada e penetrada por um homem, entendeu que tudo seria diferente a partir daquele dia. Estava atravessando a ponte da vida de uma mulher.

Paty era uma linda menina, corpo pequeno e olhos verdes. Tinha coxas grossas, bumbum avantajado, cabelo loiro, seios grandes e lábios carnudos. Seu rosto parecia o de um anjo, vindo das estrelas para ser amado na terra. Mas somente a um poderia dar o coração e o amor. A sua magia escultural enfeitiçava qualquer homem por onde passava. Filha de pais pobres, agricultores, e de origem italiana, não conhecia o que era viver no conforto. Por isso que o novo mundo para ela seria algo deslumbrante. Um mundo cheio de oportunidades estava se abrindo a essa bela menina de olhos verdes. Uma princesa coberta de beleza e de uma formosura que fazia com que as pessoas ficassem tontas pela sua realeza.

Já Coiote era um homem do mundo e boêmio por natureza. Tinha que dar uma guinada na vida, talvez em agradecimento por tê-la tirado do fundo do quintal da sua tenra existência. Entendeu perfeitamente o papel que ambos desempenhariam nos próximos passos que iriam dar.

Paty não iria tirar nada dele, viveriam juntos uma nova e brilhante paixão, sem medo da felicidade. Curtir intensamente os momentos, mesmo sabendo que não seriam eternos. Não queria nada em troca, queria apenas ser uma mulher diferente daquelas que ele teve ao longo de meio século de vida, tanto que nunca lhe prometera algo que não pudesse cumprir. Também imaginava que o dia em que a relação terminasse, os sentimentos iriam permanecer guardados a sete chaves, para serem reabertos em outro tempo, quem sabe em outra época.

Ele tinha 50 anos bem vividos, viúvo duas vezes, estava à procura de mais uma emoção que agradasse o seu coração. Percorreu várias paixões de uns cem números de mulheres, não iria facilmente se apaixonar por mais uma mulher. Como qualquer homem de sua idade, namorar uma menina tão nova era algo que deixava qualquer um feliz da vida. Mas essa, imaginava, mudaria a sua vida, daria novo norte no seu horizonte. Ela iria mostrar a essência da paixão e das aventuras amorosas.

Porque a idade nem sempre indicava maturidade emocional e sentimental. Todas as mulheres com quem teve relacionamento correram atrás dele. Paty, não. A química de seus corpos os atraia, pois a partir do momento em que a conheceu, o coração balançou e nunca mais bateu da mesma forma. Tinha consciência de que a presença dela na sua vida, não duraria muito, mas seria profundamente intenso e essencialmente embriagante.

Não perdeu tempo. Fez de tudo para ela e por ela viveu o resto dos dias, mesmo distante e sabendo que não estaria sempre nos seus braços. Viu que era uma mulher diferente. Seus olhos eram infinitos. Seus beijos davam uma gostosa tonturinha e uma leve brisa que caia nos seus rostos. Ela, com amor, discrição e elegância, raro em mulheres de sua idade, indicou-lhe a melhor forma e o jeito de se vestir. Falou que para um homem de 50 anos, algumas coisas precisavam ser valorizadas e cuidadas. Nenhuma mulher que se apaixonou por ele, ao longo da vida, conseguiu sensibilizar a sua trajetória. Mesmo sendo do interior, sem muita cultura, sem saber o que era a cidade grande, a ingênua flor iluminou sua vida, deu sentido a sua auto-estima que estava em baixa.

Há mulheres que nascem para fazer a diferença na existência de um homem. Para Coiote, Paty foi determinante para a sua trajetória. Depois que conheceu aquela menina, afirmava que a vida tinha alcançado o êxtase. Chegou a agradecer aos céus por tê-la encontrado e as condições que se apresentaram para ambos.

Os dois anos que passaram juntos foram eternos enquanto duraram, em todos os aspectos. Viajaram e conheceram diversos lugares. Cada passo que davam, sabiam que não voltariam àquele lugar. Para Coiote, pela idade, era uma despedida de sua caminhada. Mas, para Paty, era o início de uma deliciosa experiência amorosa. Nada mais mágico e inebriante do que viver alguns momentos com alguém que só faz bem ao ego. Esses instantes são como uma música tocada ao por do sol, adentrando nosso ser, deixando nossos corpos em total harmonia com o universo. Foi assim que Paty e Coiote experimentaram essa charmosa experiência.

Mas tudo na vida tem um tempo. Temos um tempo para plantar e um tempo para colher. Por mais que nosso coração não queira, precisamos fazer a fila andar. Por mais que sintamos saudades, têm coisas na vida que é preciso fazer acontecer. Assim, o silencioso distanciamento, sem despedida e choros, se instalou no coração dos tristes amantes. Cada um seguiu seu destino sem deixar endereço. O último telefonema aconteceu numa manhã de quarta-feira de cinzas. Ele estava viajando e aproveitou a distância para desejar felicidades à Paty.

Ela não entendeu nada, mas com o decorrer dos dias, ficou claro que aquele telefonema era a despedida. Chorou copiosamente por muito tempo. O coração apertou, sentiu-se desprotegida. Coiote lhe ensinou coisas que nunca mais iria esquecer. Os ensinamentos foram fundamentais para o crescimento e para os passos futuros. Mas a vida precisava andar. Mesmo machucada, como uma andorinha, continuou seguindo o destino. Descobriu a balada e seus componentes. Não seria difícil recomeçar.

Assim, Paty iniciou verdadeiramente sua vida de mulher de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém. Nunca mais se deixou apaixonar por nenhum homem por mais bonito e rico que fosse. Dormiu com todos, mas não amou ninguém. Fingiu orgasmos para fisgar quem lhe desse algo em troca. Os verdadeiros orgasmos sempre foram com o seu amado Coiote e mais ninguém!

Coiote mostrou-lhe que a sociedade era hipócrita e não merecia respeito. Não casou porque não queria ter filhos. A Terra era um lugar de sofrimento e não iria trazer ao mundo uma pequena criatura para participar das orgias mundanas. Todos esses pensamentos povoavam a vida de Paty. Fez deles um guia e jamais se arrependeu por ter agido dessa forma.

Para cada noite com um homem era um valor. Cobrou até mesmo um beijo e fez orgias com inúmeros parceiros. Nunca se esqueceu de exigir que os homens usassem preservativos, assim estaria livre de doenças e filhos. Agiu friamente, mesmo recebendo lindas declarações de amor.

Um grande banqueiro jurou amor por ela, como não foi correspondido, se jogou do 15° andar do prédio onde morava. Queria ter Paty vivendo com ele o resto da vida, e como não conseguiu, preferiu casar com a morte a viver distante da mulher que enfeitiçou os seus dias. Também teve um comandante de avião comercial que largou tudo e foi atrás dela. Até recebeu certo tratamento, mas logo sentiu o abandono. Não suportando a saudade, virou andarilho e alcoólatra, viveu o resto dos dias chamando por ela.

Assim se tornou a ingênua flor: uma mulher magoada com o destino, triste com os céus e raivosa com a vida. Os homens que ousaram se apaixonar por ela tiveram um fim trágico.

Cada final de noite, sozinha numa cama qualquer, Paty, quieta, solitária, com o corpo suado e cansado de tanto sexo, chorava tristemente. Pensava: por onde estaria o amado Coiote? Nunca mais o viu. Suas lágrimas molhavam o travesseiro, mesmo assim esperava encontrá-lo um dia. Somente sabia da existência dele através dos livros que ele publicava.
Numa noite chuvosa e fria, após um programa, sentou na sala para assistir à televisão e para a sua alegria, viu o seu amor sendo entrevistado. A repórter, das varias perguntas que fazia, uma deixou Coiote com lágrimas nos olhos: se ele tinha amado alguma mulher de verdade. A resposta dele foi clara:

-“Eu já amei sim. Faz muito tempo. Existe uma mulher que ainda hoje mora dentro do meu coração, todos os dias me lembro dela. A sua sombra me acompanha por todos os recantos. Um dia irei reencontrá-la, nem que seja longe, muito longe, mas quero revê-la. É a minha doce menina Paty”. Depois dessa declaração através dos meios de comunicação, ela foi dormir e tentar procurá-lo nos sonhos.

Dois dias depois da entrevista, em alta velocidade, numa manhã de domingo, Coiote com seu carro preto e solitário, viajando de São Miguel do Oeste a Florianópolis, chocou-se violentamente contra um paredão de pedra na BR-282. O carro pegou fogo na hora e quando a Policia Rodoviária chegou, não restava mais nada, somente cinzas espalhadas pelo vento e uma mancha escura no asfalto.

Assim terminava a vida de um homem que nasceu para degustar as coisas boas. Ele sempre dizia que nunca iria morrer velho, que um dia iria ao encontro da morte de alguma forma. Tinha uma relação estranha com a morte, com o jeito de morrer. Coiote achava que era melhor morrer inesperadamente do que sofrer com uma doença grave no fundo de uma cama. Já tinha vivido meio século e aproveitado todos os prazeres que a vida lhe ofereceu. Nunca trabalhou, recebeu a riqueza dos pais. Também sempre foi uma pessoa generosa, ajudou a quem podia.

Na ocasião, os patrulheiros que atenderam o ocorrido não compreenderam o motivo do acidente. Era um dia calmo, sem chuva e ensolarado. A estrada estava boa e convidativa para viajar. Nenhuma marca de pneu ficou no asfalto. Como veio em alta velocidade chocou-se direto contra o paredão. Até parecia alguém sem destino à procura de uma morte sem dor.

O sol já estava se pondo e a noite estava batendo na porta do mundo. A tarde já tinha terminado sua missão de esquentar seus habitantes. Para o outono, aquele dia era um dos mais belos já produzidos pela natureza. Paty continuava sentada na varanda de sua casa assistindo ao filme de sua pregressa vida. Essa parte fazia com ela levitasse até a porta do céu, pois fazia com que lembrasse de Coiote, que a essas alturas já devia estar vivendo muito longe, quem sabe viajando entre as estrelas, ou em algum lugar onde o amor descansa. Não podia continuar vendo o passado daquela forma. Precisava olhar para frente e se preparar para a viagem que a levaria até junto do seu amado. Toda tarde era a mesma coisa: assistia ao filme no qual era a protagonista.

Ainda se recorda da frase que ele disse quando se encontraram pela primeira vez:
- ”Minha linda. Nós temos uma história a ser construída. Seremos amigos da noite, da boemia e vamos morrer com ela. A nossa afinidade vem de muito longe”.

Com os passar dos anos, entendeu o que ele queria dizer. Naquele momento, o seu coração começou a ficar fraco. A música que se aproximava ficou mais forte e a emoção começou a dilacerar seu peito. Viu um vulto que se aproximava com uma rosa amarela na mão. Começou a levitar e uma luz acariciou seu coração. As lágrimas escorreram no rosto. Era Coiote que estava chegando para levá-la. Cumpriu sua promessa, aliás, ele nunca faltou com a palavra. Sorrindo e com os braços abertos, acalentou Paty demoradamente e disse:

- Minha bela princesa de olhos verdes. Estou aqui para levá-la para viver comigo nas estrelas. Eu construí uma linda casa na Grande Estrela do Norte.

- Meu grande amor! Eu nunca me esqueci de você! Contei os dias para que esse momento chegasse. Agora estamos livres deste mundo triste. Somos como pássaros, vamos voar por todos os lugares.

Agora eles estavam juntos na outra margem do oceano. Souberam viver uma existência com sofrimentos, fracassos, paixão, luxúria e muito sexo, como dois errantes, mas seguiram seus destinos. Cada um cumpriu o seu papel. A idade não os separou, apenas fez com que cada um vivesse seu tempo, sem esquecer quem era o verdadeiro amor.

O temporal não veio e tudo se acalmou. O filme da vida da ingênua flor se acabou e a noite já se fazia presente na vila em frente ao mar. Lourdes, preocupada com Paty, foi até a sua casa e, chegando lá percebeu que ela permanecia sentada na varanda da casa. Os olhos estavam ainda abertos, voltados para o infinito e muito feliz. Chegou bem perto e tocou-lhe no braço. Para a sua surpresa, a pele estava gelada e parecia que a morte se fazia presente. Agarrou carinhosamente a grande amiga nos braços, e chorou silenciosamente. Sem falar nada para ninguém organizou o enterro.

Enterrou Paty próximo de uma grande pedra, na margem esquerda da praia e foi embora daquela vila. Voltou à cidade para avisar aos parentes da ingênua flor que havia cumprido a sua missão cuidando dela nos últimos dias de vida.

NÃO VOU ADORMECER SEM DEGUSTAR OS MEUS SONHOS

Ninguém prende um pensamento. Ninguém aprisiona uma alma ou um coração. O amor é livre e o gostar caminha junto com a liberdade. O desejo ...