quinta-feira, 24 de agosto de 2017

PERFUME DA VINGANÇA

Íris, a flor nacional da França, com sua beleza exuberante, cercava o velho casarão, como se estivesse protegendo-o. Às margens do Rio Sena, a casa hibernava há muitos anos, aguardando o final dos tempos, para desaparecer por completo. Nos fundos da casa, existia um riacho que deslizava no colo do Rio Sena. Nas margens do referido riacho, crescia e se destacava aos olhos dos transeuntes, a flor tradicional da França, a Magnólia, considerada a flor mais bonita do mundo. Com essas duas belas flores e com o perfume que exalavam, a velha casa resistia ao tempo e queria viver, mesmo contra todas as adversidades. A velha casa tinha dois pavimentos e com uma aparência desfigurada pelo desgaste do tempo. Há mais de 80 anos que ninguém a ocupava, somente ratos e outros bichos peçonhentos. As portas e janelas estavam comidas por cupins. O assoalho e o forro, já não existiam mais, tinham sidos corroídos. O telhado, escuro devido às folhas secas jogadas pelo vento, mostrava um aspecto taciturno e melancólico. Não existia mais uma cor definida nas paredes, porque a chuva, o vento e a neve, desfiguraram o azul pintado pela primeira vez há vários anos. Na parte interna da casa, teias de aranha criavam obstáculos a quem pretendesse circular. Os móveis eram rústicos, mostravam-se totalmente empoeirados. Os aposentos, com as suas camas ainda bem desarrumadas, apontavam que ali moraram pessoas desorganizadas. Lençóis e fronhas brancas comprados nas melhores lojas de Paris. Os finos pratos e talheres vieram dos mercados da velha China. Com toda essa beleza em sua volta e no interior, o casarão, tinha uma história de violência e terror. Crimes passionais e estupros fizeram parte da sua história. Ali, muitas moças foram levadas para fazer parte das orgias com a burguesia da capital francesa. Vários maridos levavam suas esposas para serem possuídas na frente de vários homens, numa desenfreada cena de sexo e violência. Alguns pais endividados entregavam suas filhas virgens aos credores, em troca da divida. Na área política, a monarquia absolutista, que governava a França por séculos, estava agonizando. Estamos no ano de 1789, período de intensa agitação política e social, que teve impacto duradouro na história da França e do mundo. Todo esse clima favoreceu o surgimento de acontecimentos que desorganizaram a mente das pessoas. Mas, uma história marcou fortemente o coração dos viventes daquela época. O romance de Jean-Marie e Jeanne Francisca foi uma dessas histórias. Jean-Marie era filho de rico produtor de vinho e Jeanne Francisca, filha de um general do exército francês. Eles se conheceram no Liceu de Paris, onde estudavam Belas Artes. Jean-Marie, jovem estranho e admirador de seitas ocultas. Já, Jeanne Francisca não tinha nenhuma posição religiosa e muito menos política. Dizia que veio ao mundo para se divertir e não para ter compromissos. Nos finais de semana, eles se encontravam na casa de seus avós, à beira do Rio Sena, para namorar. Ali, no aposento dos fundos da casa, Jean-Marie e Jeanne Francisca iniciaram as suas primeiras aventuras sexuais. Sem medo ou receio, eles buscavam o prazer total e recheado de estranhas comemorações satânicas. Na primeira vez que fizeram sexo, Jeanne se vestiu de freira e Jean, de padre. Embaixo do altar da pequena igreja, nos fundos do quintal, eles se entregaram ao profundo sexo selvagem. - Jeanne! Hoje vamos fazer sexo em homenagem ao demônio. – Disse ela. - Por quê? Nós já fizemos essa homenagem em frente do altar na igrejinha. – Lembrou Jean. - Porque somos admiradores dele. - Respondeu Jeanne, tirando a calcinha preta e jogando-a sobre a estátua de um santo católico. - Então, já que é uma homenagem, precisamos fazer algo mais profundo e diferente. Você ainda é virgem na parte de trás. Mesmo sendo novinha, precisa sentir os prazeres e as dores do sexo selvagem. – Acrescentou Jean-Marie. - Então venha, meu diabinho! Faça de mim a tua escrava. Vou ficar de quatro e não tenha receio em ser forte o suficiente para mostrar ao diabo que somos seus admiráveis seguidores, mesmo sentindo dores profundas no meu traseiro. – Assinalou Jeanne Francisca, com ar totalmente endiabrado. Era primavera e as flores, Íris e Magnólia, estavam maravilhosas, exalando fortemente o perfume que invadia o casarão. Os avós dos jovens estavam adormecidos, sem perceber que seus destinos estavam traçados. Logo pela manha, os criados prepararam o café com algo que os faria partir para o outro lado, sem nenhuma resistência. Tudo foi planejado pelos netos, que queriam oferecer ao demônio algo que comprovasse finalmente a sua admiração. Primeiro, foram os criados que deram uma demonstração de amor matando seus próprios filhos numa cerimônia diabólica no último natal. Durante muito tempo o casarão foi envolvido pelas mais diversas cenas de sexo e assassinatos. O casal de jovens trouxe, para fazer parte da irmandade, outros jovens dos arredores da cidade. A polícia tentou, mas não conseguiu colocá-los na prisão. Por serem de famílias tradicionais e influentes, a investigação nunca avançou. A impunidade, mais uma vez, mostrou que reina onde o demônio domina. Enquanto a França estava envolvida na questão política, o casarão, às margens do Rio Sena, tinha a sua própria agitação. Já fazia um bom tempo que os avós do casal haviam morrido em consequência do envenenamento. Jean realizava, por mês, uma viagem pelo interior, em busca de moças e moços para fazerem parte da cerimônia em homenagem ao demônio. Por um período de cinco anos, essas viagens foram feitas sem nenhum problema. Em uma dessas incursões, ele encontrou a linda Raíssa, que tinha uma beleza fora do comum. Cabelos longos e loiros, olhos azuis, a linda jovem logo se encantou com a desenvoltura de Jean. Raíssa arrumou as malas e partiu rumo a Paris, mas com um pensamento, fixo de se vingar de sua irmã caçula, morta há três anos pelos admiradores do demônio. Ela foi apresentada para Jeanne, que demonstrou pouca simpatia. Mesmo assim, fez de tudo para ser amigável com o casal. Em conversa com eles, Raíssa disse: - Gostaria de fazer uma comemoração dos cinco anos de cerimônia ao satã. Poderíamos convidar vários jovens da redondeza para participar do evento. – Sugeriu. - Acho uma boa ideia. – Acrescentou Jean. - Poder ser. – Concordou Jeanne, sem nenhum entusiasmo. Ficou combinado que a referida cerimônia seria realizada na primeira sexta-feira de agosto, mês do cachorro louco. No dia seguinte, Jean saiu bem cedo para efetuar os convites. Durante três dias percorreu todas as comunidades, convidando os mais belos jovens para o cerimonial do capeta. Enquanto isso, Jeanne e Raíssa começaram os preparativos para a festa. Já era meia-noite quando Raíssa recolheu-se aos seus aposentos. Em vez de dormir, ela trabalhou até a madrugada na preparação da bebida que iria distribuir aos convidados e, principalmente, ao casal anfitrião. A noite estava escura, sem nenhuma estrela. Por alguma razão os perfumes da magnólia e da íris deixaram de exalar, em seu lugar surgiu um forte cheiro de enxofre. Os uivos dos lobos na floresta ecoavam nos arredores de Paris. O vento batia forte nos telhados dos castelos da nobreza, assim como nas casas humildes dos plebeus. No casarão, as luzes das velas iluminavam de forma radiante e fúnebre. Tudo estava pronto e nada havia sido esquecido. No céu, nuvens escuras corriam de um lado para o outro, de forma avassaladora, como se estivessem correndo de alguma coisa assustadora. Raíssa prontificou-se a servir os convidados. Para cada um, um tipo de bebida. Como de costume, foi escolhida uma virgem para ser sacrificada. Tão logo a escolha aconteceu, Jean pegou a moça que seria morta e a levou para que fosse colocada nua sobre uma grande mesa com uma toalha branca. A cerimônia começou com a defloração da escolhida, por Jean. Durante uma hora Jean ficou em cima da escolhida, possuindo-a, sem nenhuma piedade. O sangue da virgindade escorreu na toalha branca, mostrando que o cerimonial estava ocorrendo dentro do planejado. Com gritos de pedidos de socorro, a jovem, escolhida para o demônio, recebeu de Jeanne, o golpe final de um punhal no peito. Como se fosse uma vingança, Jeanne ria na medida em que a lâmina penetrava o coração da sacrificada. Raíssa observou tudo em silêncio. Lembrou da sua irmã caçula, que talvez tenha recebido o mesmo tratamento dos seguidores do capeta. Ela não pensou duas vezes. Pegou a jarra de bebida, de uma cor verde, e serviu aos presentes que, àquelas alturas, já estavam totalmente embriagados. Olhou bem nos olhos de Jean e disse: - Essa taça de licor é em homenagem à minha irmã caçula. Jean não entendeu direito, mesmo assim, tomou todo o líquido, dizendo: - Gostei da bebida preparada por você Raíssa! Depois quero experimentar o teu corpo, sem nenhuma barreira. Já que você é virgem, quero ser o primeiro homem a te penetrar. Vou fazer de você uma predileta seguidora do demônio. – Revelou, com uma longa risada que ecoou pelo recinto. Raíssa sorriu e disse: - Vamos ver... Vamos ver se você vai ter o tempo suficiente para realizar os teus desejos. Ao seu lado estava Jeanne, que tinha percebido algo errado com a bebida servida. Aproximou-se de Raissa e afirmou: - Não vou beber o que você preparou! Tem alguma coisa errada com você e com o teu licor. Aliás, você é parecida com uma moça que sacrificamos há uns três meses. Experimente primeiro, depois, experimento. – Disse, com olhos de águia ferida. Nesse momento, tanto Jean como os demais convidados, começaram a cair no chão sem vida. Raíssa não perdeu tempo, correu até ao corpo da jovem morta e retirou o punhal de seu peito. Jeanne não percebeu o movimento e aproximou-se de Raíssa, dizendo: - Você está aqui para se vingar daquela menina que sacrificamos. Agora, irei matar você como o mesmo punhal que usamos desde a primeira cerimônia. – Informou Jeanne, com o ódio de uma fiel seguidora do demônio. Mas já era tarde. Raissa, uma jovem alta, forte e conhecedora no manuseio de punhal, desferiu um primeiro golpe no pescoço de Jeanne, fazendo com que o sangue jorrasse pelo chão. Chegou bem perto de Jeanne, que estava cambaleando, e disse: - Essa punhalada é pela minha amada irmã, que vocês mataram há três anos. Eu jurei que iria até no inferno atrás dos assassinos. Aqui estou, neste inferno organizado por vocês, e no cerimonial do demônio, para acabar com a vida de todos os seguidores. – Exclamou a justiceira. Raíssa enfiou o fino punhal no coração de Jeanne, que deu um último grito e caiu morta. Nesse momento, um urubu pousou na janela da sala do casarão. Lá fora, meia dúzia de lobos uivava sem parar. As flores, íris e magnólia, voltaram a exalar o perfume, mudando o ar do ambiente. Raísa pegou as coisas e seguiu seu destino. Junto com ela voava um urubu preto, como se estivesse dizendo que estava nascendo outra corrente de seguidores. Mas atrás os seis lobos, silenciosamente, caminhavam, seguindo os passos misteriosos de Raíssa. Era 14 de julho de 1789, dia da Queda da Bastilha, onde os governantes tiveram as suas cabeças decapitadas e espetadas em lanças, por uma multidão enfurecida. Era o início da Revolução Francesa e Raíssa foi uma grande líder revolucionária, impiedosa, que não poupou ninguém. Por onde ela andava, matando e esquartejando líderes burgueses, o urubu preto e os seis lobos a seguiam. Eram os seus protetores e aos olhos do mundo, o urubu e os lobos não eram vistos, e sim, pelos olhos misteriosos dela. Enquanto durou a revolução, Raíssa foi figura predominante. Ela simplesmente desapareceu. Ninguém a viu morrer. Alguns moradores, ao falarem dela, diziam: “era a mulher mais bonita do mundo... mas muito ruim... Todo dia 13 de cada mês, ela fazia uma cerimônia satânica. Agora, em vez de sacrificar jovens virgens indefesas, cortava as cabeças dos burgueses e espetava-as nas lanças. O tempo passou e no dia 14 de julho de cada ano, à meia-noite, na rodovia que leva a Paris ainda é possível ouvir uivos tristes de lobos e o vôo rasteiro de um pássaro negro, que canta parecendo dizer....Raíssa vive!!!

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