sábado, 24 de fevereiro de 2018

INCONSCIENTES AMANTES

Liguei várias vezes e você não atendeu. Fui à sua casa na esperança de te encontrar. Bati à porta inúmeras vezes, você não apareceu. Bati na janela e nenhum sinal de você. Fiquei plantado o dia inteiro na frente da tua casa. Quando a noite se aproximou e a lua cheia despontava por detrás da montanha, ouvi alguém se aproximando. Ao chegar perto da pessoa que adentrava o portão da casa, perguntei: - Boa noite, senhora! - Boa noite, moço! O que o senhor quer? – Perguntou a mulher, com o olhar nada amigável. - A Senhora conhece a Marlene? E sabe onde ela está? – Perguntei. A mulher, se era estranha, ficou mais ainda. Olhou bem nos meus olhos e disse: - Ela morou sim, mas há muito tempo. – Respondeu, asperamente. - Como? Se ainda ontem, deixei-a aqui nesse mesmo portão. Marcamos um encontro para hoje de manhã. Iríamos passear na terra dos avós dela. – Acrescentei, de forma enfática, e já com raiva da dita mulher. - Impossível! A Marlene faz tempo que não mora mais aqui. – Revelou, com ar de maldade. - A Senhora está enganada. Estou namorando a Marlene há dois anos. Todo final de semana saímos juntos. Acho que a Senhora não foi com a minha cara, por isso está mentindo para mim. Aliás, ela disse que a mãe dela era uma pessoa muito esquisita e ruim, que não gostava dos namorados dela. – Ilustrei para aquela mulher carrancuda. - Olha, eu não vou entrar em detalhes sobre as diferenças que eu tinha com a minha filha, que deve estar nos quintos dos infernos. Mas, se você não está acreditando, vamos fazer uma caminhada, onde vou mostrar o verdadeiro endereço da tua namoradinha. – Afirmou, com uma longa gargalhada. Andamos uns quinhentos metros. Chegamos à frente de um grande portão de ferro, já corroído pelo tempo. Ela abriu, com dificuldade, o portão. Pegou na minha mão e levou-me a uma sepultura, dizendo: - Aqui mora a Marlene. Olhe a foto na sepultura. É essa que você está namorando há dois anos? – Assinalou, com uma gargalhada. - Quer saber como ela morreu? – Perguntou. - A essas alturas já nem sei o que vou querer. Mas conteme a história. – Disse eu, completamente confuso. - Marlene foi uma filha que transformou a minha vida. Ela era bonita e gastava muito dinheiro nas noitadas. O meu marido morreu num acidente aéreo e deixou uma herança que daria para vivermos bem o resto de nossas vidas, mas ela só queria gastar. Vivia cheia de homens por todos os lados e eles só queriam tomar o dinheiro dela. Certo final de semana, ela deu uma grande festa para comemorar o seu aniversário. Nessa época, ela namorava o Fábio, rapaz bom e trabalhador. Era madrugada quando a tragédia aconteceu. O Fábio a flagrou transando, dentro do carro, com um amigo dele. Transtornado, disparou vários tiros nos dois. Depois desse dia, a minha vida não foi mais a mesma. Hoje nem sei onde estou. – Revelou a dita Senhora, agora demonstrando tristeza. Não sabia o que fazer. A noite estava bem clara, com os raios da lua iluminando o local. Eu não acreditava no que estava acontecendo. Por incrível que pareça, de uma hora para outra, aquela mulher desapareceu. Olhei para todos os lados e não vi mais ninguém. Acabei sentando numa sepultura vizinha a da Marlene. Fiquei ali um longo tempo. Ao virar-me para o lado, vi uma foto numa outra sepultura. E para a minha surpresa, a foto era da dita mulher, a mãe da Marlene, que parecia estar zombando de mim. Saí correndo como um louco. Fui direto à casa do meu amigo, Alexandre. Ao me aproximar do portão, percebi que ele estava sentado na varanda. Quando me viu agitado e nervoso, perguntou: - Por que está tão nervoso e assustado, amigo? – Perguntou, com ar de serenidade. - Você acredita que estou namorando uma morta? E, ainda por cima, acabei de conversar com a mãe dela. Elas estão enterradas uma ao lado da outra. Acho que estou maluco e vendo fantasmas. – Revelei para o meu amigo, Alexandre, que em vez de me acalmar, me deixou mais confuso ainda. - Amigo, Pedro, preste atenção! Está na hora de você admitir que já faz parte do mundo dos mortos há muito tempo. Você e a Marlene foram mortos pelo Fábio, quando estavam em cenas impróprias. A mãe da Marlene, Cleonice, ao ver a cena do crime, se enforcou e até hoje perambula pelos restos que sobraram da morada. Você e a Marlene não conseguem se desligar das questões materiais e acham que estão vivos. Agora, entre, e vamos tomar um chá, que eu lhe deixarei inteirado dos assuntos que são do seu interesse. Com as declarações do meu amigo, me senti sem chão. Muitas cenas começaram a vir na minha mente, que não tinha percebido. Como, por exemplo, a facilidade em se deslocar de um lugar para outro. No outro dia, já mais calmo, fui levado para uma região distante dali. Todo dia recebia orientação sobre as engrenagens que jamais iria admitir quando vivia na terra. Não encontrei mais a Marlene e nem o Fábio, que tinha sido assassinado por um membro da família dela, logo em seguida do crime. Já se passaram cem anos e ainda estou no mundo dos mortos. Agora, mais tranquilo, e trabalhando em missões de desenlace de espíritos em acidentes de carro. Deixei de ser namorado de uma morta, porque também sou um morto.

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