domingo, 17 de julho de 2011

O Troco

Naquela noite eu pensei que o mundo iria acabar. Tudo estava caminhando rapidamente para o fim. Não queria que fosse daquela maneira, mas o destino escreveu e tinha que ser cumprido. Olhei para todos os lados para ver se enxergava alguém, tudo em vão, estava sozinho à espera do final dos tempos. Lutei por muito tempo para que as coisas terminassem diferentes.
Além da escuridão o frio era intenso. Ninguém caminhava pela rua. Todos estavam dentro de suas casas e parece que não queriam participar da minha história. Fiquei sozinho envolto em uma grande tragédia. Naquelas alturas não poderia fugir, simplesmente era obrigado a aguardar o desfecho. O vento assoviava levantando as folhas secas espalhadas pelo chão da rua. No final da avenida, era possível ouvir os gritos de Flávia.
Na semana passada, ainda tentei de todas as formas, mostrar à Flávia que os nossos encontros iriam acabar mal. Ela não me escutou. Queria continuar sendo a minha amante.
- Nós não podemos continuar. Se ele descobrir será o nosso fim. Roberto é violento e não vai deixar barata a tua traição. – Expliquei.
- Não importa meu querido. Por muito tempo sonho dar o troco. Quero que ele sinta a mesma dor que senti quando descobri que ele era amante da minha melhor amiga.
E continuou:
- Ele é um homem que não me merece. Sempre foi de uma tremenda desconsideração. Posso até ser morta por ele, mas que darei o troco, não tenha dúvidas.
Flávia era uma bela mulher. Por um grande erro do destino acabou casando com Roberto, policial que nunca soube o significado da palavra carinho. Muito menos respeitar uma mulher. Conheceram-se num final de semana e dali seis meses estavam casados. No segundo mês, Flávia já estava arrependida de estar vivendo com o policial, mas era tarde. Como tudo na vida, o arrependimento vem a galope.
Roberto não tinha um bom salário e em consequência disso, considerava-se menor que Flávia. A maioria das contas era paga por ela e assim as brigas tornaram-se frequentes. Flávia formou-se em economia e trabalhava numa multinacional de componentes eletrônicos. Na realidade, pouca coisa eles possuíam em comum.
Nos finais de semana, quando Roberto não estava de plantão na delegacia, para tentar melhorar a relação, o casal frequentava um barzinho, mas não adiantava, tudo era motivo de briga. Foi numa dessas saídas que conheci Flávia. Ela estava sentada numa mesa bem na minha frente. Não tinha como não observá-la. Além de ser uma linda mulher, possuía lindos olhos azuis. Trocamos vários olhares durante a noite. No final, consegui passar para ela o número do meu celular através do garçom, amigo meu de longa data. Ele aproveitou a ida dela ao banheiro e entregou-lhe o papel.
Os nossos encontros tornaram-se semanais. Flávia demonstrava ser uma mulher triste, talvez pela vida que estava levando com o policial. Depois das nossas relações amorosas ela reclamava da vida, do grande erro que cometeu em ter casado. Dizia que sua situação seria bem melhor sendo separada do que viver com um homem que não amava. Eu não dizia nada, apenas escutava, era um bom ouvinte. Até porque tinha os meus problemas amorosos e não iria dividir com ninguém. Mesmo assim entendia as razões de Flávia, não é fácil viver com que não se ama e que não se sente prazer.
Enquanto os gritos de Flávia eram jogados ao vento da noite, pensei em ir socorrê-la. Não estava suportando mais ouvir a minha amante ser torturada. Adquiri coragem e caminhei até a casa do casal. Chegando lá, os gritos eram mais estridentes. Abri a porta com força, mas para minha surpresa, vi algo que jamais esquecerei. Flávia estava nua e sentada sobre o corpo todo ensanguentado do policial. Ela chorava, gritava como uma louca, e ao ver-me, disse:
- Querido, estou livre para sempre, matei quem estava estragando a minha vida. A partir de hoje serei tua por toda a vida. Coloquei calmante na bebida dele, aproveitei que estava dormindo, enfiei uma faca no coração. Morreu como um passarinho. Esse filho da puta nunca mais vai gritar comigo.
- Você está frita e será presa! Não deveria ter feito isso! A tua vida está estragada. – Falei, tentando lhe mostrar o erro cometido.
- Não importa meu querido. Nós vamos fugir para o Paraguai. Está tudo acertado.
- Eu não vou fugir com você. Não tenho nada a ver com o que aconteceu. – Respondi.
- Agora é tarde! Você vai sim! Não tente escapar! – Afirmou com olhar de ameaça.
Tentei correr, mas não consegui, senti uma forte dor nas costas. Ela enfiou uma faca em mim. Cai e não vi mais nada.
Alguns meses após o ocorrido, estou recuperado dos ferimentos. Flávia foi internada num hospital para tratamento psiquiátrico e de lá nunca mais vai sair.

Um comentário:

  1. Preciso confessar que gosto mais de seus contos, esse ficou uma delícia de ler. Certa vez fizemos uma comparação a Nelson Rodrigues, mas não creio, este autor escrevia mulheres que amavam demais seus homens, sua sensualidade e seus jogos eram para os homens. Já as suas Mulheres me parecem ter mais amor próprio, mesmo ressentidas elas querem liberdade e prazer pra si( mesmo quando a história é narradas pelo amante)
    Continue dando vida à essas personagens fascinantes. Vai fundo!
    Abraços de uma de suas fãs
    Sta Gerânio

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