quarta-feira, 9 de março de 2011

Não Peça Perdão

Não faça isso! Pelo menos agora seja coerente com tudo o que você fez. Não fique de joelho e não diga nada, deixe que as coisas continuem como estão. Volte para aonde estava, e perca a esperança, o teu tempo já terminou. Onde você estava é o lugar dos demônios e dos criminosos, não pense que vou querer você aqui por perto. Houve uma época em que éramos ligados e trabalhávamos juntos. Até que um dia, você resolveu roubar tudo de mim. Não peça desculpa e nem perdão, eu sabia que um dia o dinheiro que você roubou iria acabar. Volte para o teu canto, a estrada da vida espera por você. Não procurei a polícia e muito menos perdi o meu tempo indo atrás de você, porque pessoa que faz o que você fez, acaba caindo cedo ou tarde.
                Quanto mais eu falava, mais ela abaixava a cabeça, pedindo perdão e implorando ajuda. Chorava como criança. Estava irreconhecível, nem parecia aquela linda mulher, que um dia tirou de mim uma quantia enorme de dinheiro. Estava ali, na minha frente, pedindo clemência. Perdeu o encanto, e envelheceu junto com a maldade, até mesmo os cabelos, outrora lisos e belos, agora era uma cabeleira sem nenhuma beleza. A pele do rosto mais parecia uma velha lixa usada.
                Naquele dia não era para eu ter saído, era melhor ter ficado em casa dormindo, ou mesmo assistindo à televisão. A minha casa ficava distante do centro da cidade, próxima do mar, escondida atrás de uma montanha, era o refúgio que me refazia das energias negativas do passado.
                Nem sempre, ou quase nunca, escuto a voz que fala de dentro da minha consciência. Como não levei a sério as ponderações do destino, peguei o meu carro e resolvi dar uma volta no centro, atrás do nada, ou quem sabe, de alguma confusão.
                O tempo estava chuvoso, indicando mudança de estação, era a chegada do inverno e a despedida do outono. Estava ideal para beber uma ou duas, ou três taças de vinho tinto seco, de preferência. A cidade estava quieta, tranquila, certo ar de mistério esperava por mim. Logo em seguida, estacionei o meu carro na Avenida Hercílio Luz, e fui para o Bar do Roma. Não consultei o relógio, mas deveria ser próximo das 23 horas, momento ideal para dialogar com os meus mistérios. Sentei numa mesa bem no canto do bar, chamei o garçom e pedi uma taça de vinho. Como sempre, o garçom, prestativo, logo trouxe o meu pedido. Na segunda taça de vinho, olhei na calçada e avistei uma mulher aparentando 45 anos, olhava para mim, parecia que queria falar alguma coisa. Fiz um sinal e ela aproximou-se dizendo:
                - Posso falar com você? – a sua voz era rouca e tinha uma aparência horrível.
                - À vontade, em que posso ajudá-la?
                A mulher sorriu para ela mesma, olhou para mim, como se fosse pedir algo. Ela parecia que me conhecia.
                - Olhe bem para o meu rosto e veja se não me reconhece. Eu sei que estou maltrapilha, velha e suja. Mas os meus traços permanecem os mesmos de 25 anos atrás.
                Olhei, procurei alguma coisa para ver se lembrava, mas não consegui. Ela chegou mais perto de mim, levantou bem a cabeça, aí começou surgir-me uma vaga lembrança da mulher que destruiu a minha profissão há muito tempo. Não tive dúvidas, era ela, a Simone, triste criatura!
                - Você ainda tem coragem de me procurar?
                - Eu só quero pedir perdão pelos meus erros. Eu roubei o dinheiro da empresa.
                - Eu sei que foi você, mas quem acabou pagando tudo fui eu. Você era a minha secretária, eu tinha confiança em você.
                - Fui imatura e não conhecia o mundo. Não quero culpar ninguém, mas o dinheiro que roubei da empresa acabou caindo nas mãos do meu namorado. Ele traficava drogas, e não demorou muito, precisei me prostituir para pagar os meus vícios.
                - Simone, era muito dinheiro! O dono da empresa, que morava em São Paulo, nem ficou sabendo do roubo. Eu tive que vender o meu apartamento na Agronômica e um sítio, para cobrir o rombo. Levei vários anos para me reequilibrar.
                - Eu sei.
                - Você não sabe de nada! Se eu soubesse que encontraria você, não teria vindo hoje aqui. Teria ficado em casa.
                - Estou à tua procura há um bom tempo. Precisava te encontrar para pedir perdão. Eu sei que errei com você e estou pagando muito caro por tudo que te fiz.
                - As tuas palavras não vão mudar o rumo da minha história. Você lembra que ajudei também o teu pai, que estava doente no hospital?
                - Lembro sim, e como lembro. Agora não posso fazer mais nada. Virei um farrapo humano, estou com AIDS, usei seringa com outros drogados. Não vai demorar muito e a morte será o meu final.
                - Não adianta querer me impressionar! Não te desejo mal nenhum, e, na verdade,  olhando para você, a gente fica é com pena.
                - Antônio, eu não quero a tua piedade, somente o teu perdão. Eu sei que vou morrer logo, quero antes que você diga que me perdoa. Quero morrer em paz. Sei que não será fácil. Você tem um bom coração e vai me perdoar. Deixe-me morrer feliz, ouvindo de você a palavra perdão.
                A minha noite tinha acabado. Perdi a vontade de continuar bebendo o meu vinho. Estava ali na minha frente um ser humano, alguém que errou muito. Roubou uma grande quantia de dinheiro da empresa que eu administrava com muita honestidade. Precisei usar os meus bens para repor o valora roubado. Sempre fui um homem bom, perdoei Simone, e para dizer que não guardei rancor, acabei pagando um jantar para ela. Conversamos mais um pouco e em seguida ela foi embora.
                Dois dias depois, eu li no jornal que uma andarilha tinha se jogado da ponte Hercílio Luz. Fui até o Instituto Médico Legal e, para a minha surpresa, era a Simone. Ela procurou o suicídio, como forma de fugir da sua desgraçada vida. O delegado, vendo-me triste, aproximou-se de mim e disse:
                - O senhor é parente dela?
                - Não sou parente, apenas um amigo de longa data. Eu acho que ela não tem família.
                - Engraçado, porque encontrei no bolso do casado dela, uma caderneta de poupança em nome de Antônio Fragoso. Eu já me informei no Banco, e o valor depositado lá é grande, muita grana! Pelo histórico dos depósitos feitos, o primeiro foi há mais de 20 anos. Estranho, se era ela é quem fazia esses depósitos, por que viveu todo esse tempo nessas condições?
                - Delegado! Antônio Fragoso sou eu! Eu fui chefe dela há 25 anos.
                - Mas o senhor não falou que não era da família?
                - Disse sim, mas como eu falei anteriormente, sou amigo dela. Esse dinheiro que ela depositou durante todo esse tempo, foi uma forma que ela encontrou para saldar uma dívida que tinha comigo. Eu gerenciava uma empresa de representação e ela era a minha secretária. Num belo dia, mandei-a num banco depositar uma quantia em dinheiro. Ela aproveitou a ocasião e sacou tudo. Daquele dia em diante, eu nunca mais a vi. Eu fui obrigado a vender alguns bens para cobrir o roubo. Há uns três dias atrás fui procurado por ela lá no Bar do Roma. Pediu perdão, jantou comigo e foi-se embora.

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