segunda-feira, 4 de julho de 2016

O INVERNO DO GENERAL

O inverno havia chegado e junto com ele veio a neve. O frio intenso iria se abater sobre a imensa planície, a paisagem mudaria totalmente, ficaria mais calma. Guardei madeira o suficiente para enfrentar o gelo e as longas noites geladas. A minha casa está bem protegida de todas as intempéries da natureza, principalmente das baixas temperaturas. Depois da batalha final, ferido no braço, devido a um golpe de espada, voltei derrotado e tive uma grande decepção com os meus comandantes. Fui obrigado a viver o resto dos meus dias isolado dos acontecimentos. Não saí vitorioso, mas não estou arrependido. Agora, quero lembrar apenas das lutas, das grandes batalhas em que fui vencedor. Vi os meus melhores amigos de farda sendo abatidos; alguns ficaram por um bom tempo na agonia da morte; outros imploravam para que fossem executados, pois não estavam suportando a profunda dor dos ferimentos. O melhor soldado que conheci, antes de morrer, disse-me: - General, desculpe se não conseguir sobreviver, mas lutei o possível. Quero morrer com a certeza de que não fui um covarde. O senhor me ajudou e ensinou-me as melhores táticas de manejar a espada. Mesmo assim, fui ferido lutando contra um soldado magro e sem nenhum preparo. Nós vamos perder a batalha, porque chegou a hora da derrota. Hoje está sendo o dia da caça e não do caçador. – profetizou o soldado. As palavras dele foram como um aviso. Antes da noite chegar, o batalhão inimigo, vindo do norte, destroçou a nossa coluna, furiosamente. Os meus comandantes me condenaram pelo fracasso na campanha militar, obedecendo às regras militares. Fui preso e levado para a masmorra. Lá fiquei por mais de dez anos, até que um dia abriram a minha cela. Não disseram nada, apenas deixaram que eu fosse embora. Era como se eu fosse um cão velho, que o próprio tempo iria fazer cumprir a sentença. Saí caminhando vagarosamente, mancando, à procura de um abrigo. Durante o trajeto, lembrei de uma cabana incrustada no pé da montanha negra. Essa casinha foi construída há muitos anos e servia de abrigo para alguns dos meus soldados, durante a campanha militar em defesa de São Petersburgo. Olhei para trás pela última vez e ainda observei o palácio que um dia foi a minha morada. Foi doloroso e triste, mas era o meu destino. Sentindo dor pelo corpo, fui andando. Saudade eu não poderia ter, simplesmente compreendi que todos nós temos um final, que muitas vezes é trágico. O meu é o da derrota e do esquecimento. Em outros tempos fui vitorioso em todas as batalhas, aplaudido como herói, porque perdi uma, todos se viraram contra mim e me jogaram no ostracismo. Sentado debaixo de uma árvore, observando a paisagem, meu pensamento viajou no tempo. Vi-me adolescente e repleto de sonhos. Tinha apenas quinze anos, quando meu pai me chamou num canto do castelo e disse: - Mikail, você vai para a academia militar e lá vai aprender a ser um oficial destemido. Só vai voltar quando estiver em condições de participar das batalhas que vamos empreender. Tentei de todas as formas resistir à determinação de meu Pai, mas não consegui. A minha família vinha de gerações de generais ilustres. O meu pai era um grande militar e soube me transmitir o valor da coragem numa batalha. No início da primavera de 1863, entrei para a Academia Militar da Rússia, perto de Moscou. Durante oito anos estudei e aprendi o que era ser um oficial. Depois de formado, voltei para casa como Tenente, pronto para comandar um pelotão. Passaram-se dois anos e a expectativa de participar de uma guerra era grande. Até que um dia, a notícia de que meu país iria entrar numa guerra, deixou-me feliz e ansioso. Antes de partir para a batalha, meu pai disse: - Mikail, depois que voltares da guerra, irei te apresentar a minha nora, a tua futura esposa. Ela é linda, é filha do Marechal Kalil. Fiquei decepcionado. Eu já tinha uma namorada que havia conhecido no baile da minha formatura de oficial. Como sempre ou mais uma vez, a minha vontade não seria respeitada. Assim levei a vida. Entre lutas e vitórias cheguei a General e a comandante das forças especiais do Império Russo. A mulher que meu pai me arrumou, era estéril e repleta de problemas mentais. Não tivemos filhos e ela acabou morrendo na grande peste negra que se abateu sobre o meu país. A única companhia que tenho é o meu cão, que encontrei numa estrada deserta, perto de uma comunidade do interior. Depois dessa viagem pelo passado, comecei a perceber que não vou ver a primavera chegar. Será o meu último inverno e jamais voltarei a ver a neve cobrir a paisagem da minha terra. Estou doente e cansado da vida. Os cossacos dizem que se um militar morrer durante o inverno é porque é abençoado pelos deuses. Não sei se sou abençoado, acho que não. Os deuses nunca demonstraram qualquer simpatia por mim.

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