quarta-feira, 6 de abril de 2011

O Ponto de ônibus Número 13

Ela é bonita e parece que já a conheço, que bela mulher! Pega o ônibus toda noite, talvez quando sai do trabalho. Na semana passada embarcou no ônibus às 22 horas, anda sempre sozinha, e nunca a vi acompanhada.  Não conversa com ninguém. Onde será que ela mora? Preciso saber quem é ela, uma moça desse tipo hoje em dia, é raro, principalmente assim, linda e com um longo cabelo preto. Ela tem um jeito charmoso de caminhar, com coxas sensuais e anca avantajada.
                Há dois meses que venho acompanhando essa jovem, algumas coisas eu já sei, por exemplo: é filha de um pescador aposentado da Barra da Lagoa, e mora com um casal de médicos na Trindade. Trabalha numa clínica no Centro e nos finais de semana passa na casa dos pais. Não tem namorado e vai completar 19 anos no mês que vem. Todas essas informações eu consegui com o Zé do Copo, um pescador lá da Lagoa, que costuma beber pinga todo final de tarde. Ele até me falou que ela gostaria imensamente de ter um namorado, pois pensa em construir uma família.
                Eu tenho uma ideia, posso tentar conquistá-la, oferecendo uma flor toda vez que ela passar pela minha rua para pegar o ônibus. Onde eu moro há vários tipos de flor, desde a rosa vermelha ao jasmim; adoro o meu jardim. Assim conquisto essa moça e levo-a para morar comigo, dessa forma a minha vida e a dela, terão outro rumo. Até onde eu sei, segundo informação do Zé do Copo, ela fica feliz quando recebe flores.
                Hoje é sexta-feira, dia bom para iniciar um romance, ou quem sabe, conhecer essa moça tão quieta e misteriosa. Vou colocar a minha camisa preta e uma calça jeans escura e usar um perfume francês que ganhei de presente da Joana, há três anos. Vou ficar no ponto do ônibus, tentar uma aproximação e assim conseguir entregar as flores para ela. Antes, porém, preciso apanhar a rosa amarela, a mais bonita do imenso jardim da minha casa.
                Hoje ela está atrasada. Engraçado, já são 23 horas e até o momento não apareceu. Que bom, lá vem ela com os passos apressados. Como está bonita, está usando uma saia que mostra ainda mais o belo par de coxas que tem. Ela chega ao ponto de ônibus, senta no banco e olha o relógio, talvez preocupada com o horário. Na verdade ela pode começar a ficar preocupada, porque o próximo ônibus só vai passar por aqui em torno de meia noite, assim, terei um bom tempo para conversar à vontade. Olho para ela e a cumprimento:
                - Boa noite moça, hoje você está atrasada!
                Ela me olhou meio assustada e respondeu:
                - Boa noite senhor! Como atrasada? O senhor já me conhece e sabe da minha rotina?
                - Já conheço bem o teu caminho. Faz dois meses que venho acompanhando o teu trajeto.
                - Mas, por quê?
                - Desculpa moça, não me leve a mal, sou um homem do bem, apenas acho você diferente das demais jovens de hoje em dia.
                - Não tem o que desculpar. Acontece que a gente tem que tomar cuidado, ainda mais que há três anos, no carnaval, um casal de namorados foi assassinado aqui por perto. Até hoje a polícia não pegou os criminosos.
                - Eu sei moça, mas como já disse, sou um homem do bem e quero somente a paz.
                - Os teus olhos já dizem isso, que você é um bom homem. É, mas o crime que te falei, os dois criminosos eram frequentadores de uma igreja. Os pescadores lá da Barra da Lagoa, disseram que eles faziam parte de um ritual do demônio. Eu não acredito nessas coisas, mas respeito a religião de cada um.
                - Eu acho que nada justifica um crime, principalmente evocando religiões e outras filosofias espirituais.
                - Também concordo com o Senhor. 
                 Agora, ela já está mais calma e demonstra interesse em conversar mais. De minha parte, não quis me aprofundar no referido crime, porque me trazia uma sensação estranha, algo esquisito, certo medo que me fazia suar frio.
                - Mas o que o senhor faz com essas lindas flores amarelas? Vai dar para a namorada?
                - Primeiro: não me chame de senhor, eu tenho 25 anos, e não sou tão velho. Segundo: você não vai acreditar, mas essas flores que tenho nas mãos há algum tempo, foram apanhadas especialmente para você. Foi uma forma que encontrei para conhecer melhor a jovem que considero a mais bonita do bairro.
                Ao ouvir as minhas palavras, a moça sorriu e com alegria disse:
                - Obrigada, sinceramente muito obrigada. Você não sabe a alegria que tenho em receber flores, principalmente quando vem de alguém especial.
                - Então diga o teu nome, até agora não fomos apresentados.
                - Eu me chamo Maria Luiza e o teu?
                - Luiz Gustavo, e obrigado pelas lindas palavras. Não sou tão especial assim, simplesmente desde o momento em que te vi, prometi para mim mesmo que iria te conhecer. E as flores são um belo indicativo das minhas pretensões.
                - Mais uma vez muito obrigada Luiz Gustavo, você me fez feliz, ganhei a noite, principalmente depois de um longo dia de trabalho e preocupações. O meu pai não anda bem, está com pressão alta e a minha mãe sofre do coração. Todos os finais de semana fico com eles. Estou pagando uma enfermeira para cuidar deles enquanto trabalho.
                - A palavra especial que você me disse, devolvo a você: você é com toda a certeza uma moça muito especial.
                - Obrigada Luiz Gustavo, estranho, o teu nome para mim é meio conhecido, parece que já ouvi esse nome, não sei aonde. Mas, deixe pra lá, o importante é que acabei de conhecer uma pessoa especial. Olhe lá! O meu ônibus já está vindo.
                Maria Luiza entrou no ônibus, antes, porém, deu um beijo na minha testa. Fiquei emocionado pelo gesto. Usando as suas palavras: ganhei a noite, ou, talvez a minha vida toda.
Todos os dias, Durante dois meses, eu levei flores à Maria Luiza e fizemos do ponto de ônibus, o nosso local de encontro. Ela ficava muitas vezes até mais tarde, esperando sempre o ônibus da meia noite. Sexta-feira era um dia especial, ela chegava bem mais cedo e ficava comigo até a meia noite. Como já estávamos bem íntimos, perguntei a ela se não queria passar um final de semana na minha casa. Ela então respondeu:
                - Querido, primeiro preciso encontrar alguém para cuidar dos meus pais, não posso deixá-los sozinhos. Como você já sabe, eles são idosos e doentes.
                - Claro, querida!  Você é o meu anjo. Vamos deixar por tua conta, quando você achar o momento certo ai ficaremos. Não quero apressar nada. Até porque, quando a hora chegar, vamos morar juntos. Quem sabe você traga os teus pais e vamos morar juntos na minha casa. No lugar que eu moro há um imenso jardim, é tão bonito, que é muito visitado por várias pessoas. Às vezes quando estou dormindo, essas pessoas acabam atrapalhando o meu sono.
                - Assim fica melhor Luiz Gustavo. Você realmente é um doce de homem. Estou muito feliz em ter te conhecido. Espero que tudo que estou vendo não seja um sonho.
                Maria Luiza disse essas palavras e embarcou no ônibus. No momento que ela entrou no ônibus, a saudade bateu forte, sinal de que eu estava gostando muito dela. Como não tinha mais nada para fazer, fui para a minha casa. Antes de entrar, um senhor, vestido de branco, veio até mim e disse:
                - Luiz, você não pode fazer isso com ela! Precisa dizer a verdade e entender que a matéria não te pertence mais.
                - Você? Novamente! Cai fora homem, não está vendo que estou vivinho da silva? Você até parece uma assombração.
                - Já que você quer assim... Depois não diga que não te avisei.
                O Luiz Gustavo é um rapaz bonito e parece ser honesto, mas tem algo estranho nele. Nunca falou na família, e até agora os nossos encontros acontecem somente à noite, no ponto de ônibus. Usa sempre a mesma roupa, o mesmo perfume, desaparece de tal forma, que até parece uma névoa. O nome dele também é conhecido. Eu já sei, vou tirar isso tudo a limpo. Vou conversar com o Zé do Copo, ele conhece todo mundo.
                Fui até o bar, como não tinha ninguém, sentei e iniciei a conversa:
                - Boa tarde, senhor Zé! Tudo bem com o Senhor?
                - Boa tarde, Maria Luiza! O que faz aqui em bar de pinguço?
                - Preciso falar com o Senhor, tenho uma grande dúvida que precisa ser esclarecida.
                - Fale Maria, se eu puder ajudá-la, tudo bem!
                - Eu conheci um moço, já faz mais de três meses. Ele está sendo um ótimo rapaz, respeitador e demonstra gostar muito de mim. Todos os dias ele me presenteia com flores. Como adoro receber flores, para mim, é emocionante. Acho que já estamos namorando, porque ele me convidou para passar um final de semana na casa dele.
                - Como é o nome dele? Perguntou o Zé do Copo.
                - Luiz Gustavo, mora no final da Rua das Orquídeas, perto do ponto de ônibus de número 13. Eu só o vejo a noite. Até agora não nos encontramos durante o dia. Estou achando tudo muito estranho. O senhor não acha?
                - Como é a fisionomia dele? Alto, magro, cabelos pretos e por acaso usa ou já usou uma roupa preta?
                - Sim, é isso mesmo! Até agora nunca o vi usando uma roupa diferente.
                O Zé do Copo ficou surpreso, com os olhos arregalados, entre um gole de pinga e outro, disse para mim:
                - Maria, vou lhe contar uma coisa. Você lembra do crime do cemitério?
                - Lembro sim. – Respondi já preocupada com o resultado da conversa
                - Então, há três anos, um casal de namorados se encontrava todos os dias no ponto de ônibus de numero 13, perto do cemitério. Numa sexta-feira, mais precisamente no dia 13 de agosto, aproximadamente à meia noite, dois bandidos, pegaram o casal e levaram para dentro do cemitério. E lá fizeram de tudo com eles. A menina Joana foi estuprada de todas as formas possíveis e impossíveis. O seu corpo nu ficou amarrado numa cruz, a mais alta do cemitério. Já o Luis Gustavo foi assassinato com vários tiros e jogado no meio das flores de um túmulo. De lá pra cá, algumas pessoas, quando passam pela frente do ponto de ônibus numero 13, dizem que enxergam o Luiz Gustavo com flores na mão. Do mesmo jeito que ele fazia, quando esperava a Joana.
                Ouvi tudo com o coração na mão, não acreditava no que estava ouvindo. Será que eu estava ficando maluca? Aos poucos, comecei a entender. Eu sou uma moça carente, religiosa, nunca fiquei com nenhum homem e meio fantasiosa. Até ai tudo bem, mas namorar um fantasma é coisa de doido. Alguma coisa está errada comigo! Será que é o resultado dos remédios que eu estou tomando?
                - Maria Luisa, não fique assustada! Dizem que as almas quando não conseguem se desvencilhar do momento da morte, permanecem grudadas no local. Eu não acredito nessas coisas.
                - Muito menos eu, mas como vou entender esses últimos acontecimentos?
                - Não diga nada para ninguém, senão irão dizer que você está louca. Converse com o padre e mande rezar uma missa para a alma dele e da Joana. Eu mesmo já vi o Luiz Gustavo e até conversei com ele. Mas acho que tudo é coisa da cachaça. – falou o Zé do Copo.
                Fiz o que o Zé do Copo mandou. Mandei rezar treze missas, todas as sextas-feiras. Não passei mais por aquele local. Deixei de pegar o ônibus, mas continuo amando as flores, só que de uma hora para outra, resolvi usar roupa preta. Troquei o dia pela noite, não consigo dormir, porém, por incrível que pareça, estou feliz, pois agora estou casada.  Sou esposa do homem da roupa preta do ponto de número de número 13.

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